sábado, 31 de janeiro de 2009

Idéias de Tzvetan Todorov Extrapoladas Para o Cinema


No Caderno Prosa e Verso do jornal O Globo de 24 de janeiro de 2009 há uma instigante matéria e entrevista feita por Miguel Conde sobre e com o crítico Tzvetan Todorov, a propósito de seu novo livro, “A Literatura em Perigo” (Editora Difel). As chamadas do Caderno são provocativas: ”Renúncia ao prazer: Em novo livro, Tzvetan Todorov diz que críticos e professores afastam leitores da literatura.” Há também uma ótima e elucidativa resenha de Francisco Bosco. Algumas falas e escritos do ensaísta merecem, dentre outros, ser ressaltados:

“Uma concepção estreita da literatura que a desliga do mundo no qual ela vive, impôs-se no ensino, na crítica e mesmo em muitos escritores. O leitor, por sua vez procura nos livros o que possa dar sentido à existência. É ele que tem razão.”

“Os estudos literários têm como objetivo primeiro o de nos fazer conhecer os instrumentos dos quais se servem. Ler poemas e romances não conduz à reflexão sobre a condição humana (...) mas sobre as noções críticas tradicionais ou modernas”.

“Sem aspirar a um modelo ideal, pode-se recomendar que os alunos se tornem conscientes de que a literatura fala da vida deles e que ela tem coisas importantes a dizer. Tal é o horizonte de ensino; quanto à maneira de aproximar-se dele, melhor deixar que o professor escolha livremente”


”A dizer a verdade, não sei o que seria um prazer puramente estético em se tratando de literatura, ou mesmo de pintura, pois a linguagem como a imagem é necessariamente portadora de sentido, e o sentido tem dimensões outras que não são as estéticas: políticas, morais, sociais...Na literatura não vejo como se poderia admirar uma forma se ela não participasse da construção de um sentido”

Todorov, que já foi grande divulgador de teorias estruturalistas, assim vê o ensino de literatura na França, onde a busca por cursos na área tem caído, no que equivale ao nosso vestibular, como um todo, de 33% para apenas 10%. Não sabe ao certo o que se passa em outros países, pois a situação pode variar de um para outro.

Estou muito longe de ter a competência e erudição de Todorov, mas posso falar de minhas experiências. Depois de terminar formação em Engenharia tentei cursar Literatura-Língua Portuguesa na UERJ nos anos 80. Não suportei mais de um ano e meio. A qualidade do ensino nos cursos em que me matriculei era encontrada de forma pontual em poucos professores. Havia a moda exasperante e hegemônica do estruturalismo e meu prazer e tempo para fruir literatura estava escasseando, ainda mais que trabalhava durante o dia. Larguei tudo, reencontrando tempo também para ir ao cinema e passei a estudar autores de forma autodidata.

Tenho amigos professores universitários. Constato muito empenho e dedicação em seus trabalhos. Mas pelas histórias que me contam do dia a dia acadêmico, confirmo o que já sabia: não é este o meio habitat. Tive/tenho de encontrar outros caminhos.

No que diz respeito ao cinema, não posso de forma alguma generalizar, mas encontro aqui e ali algumas manifestações que me incomodam. Cheguei a abandonar um texto sobre “Abril Despedaçado”, um filme que adorei, quando me deparei com “ mais um deslocamento inútil de Walter Salles....”.

Mais recentemente têm surgido ironias a respeito de “O Curioso Caso de Benjamin Button” de David Fincher que seria simplesmente uma cópia de “Forrest Gump” de Robert Zemecks, tendo os dois o mesmo roteirista Eric Roth. A meu ver é um grande equívoco de ordem estruturalista. Um vídeo que circula na internet e que aparece no Blog de Ricardo Calil e da Ilustrada no Cinema como piada é bastante interessante. Mas como “prova” de que os dois filmes são iguais é uma grande falácia.

David não é Robert. Enquanto o filme do primeiro é mais “frio”, distanciado, o do segundo é bastante caloroso. “Forrest Gump” aproxima seu protagonista da História do século XX de uma forma deliciosamente nostálgica e humorística, com toques de “Zelig” de Woddy Allen, com leve traço de melancolia. Já em “O Curioso Caso de Benjamin Button” predomina a melancolia sem cair na autocomiseração e pieguice ao narrar a história de um homem que nasce como um velho e vai rejuvenescendo até encontrar a morte de uma forma peculiar, passando por vários acontecimentos históricos, nos incitando a meditar sobre o poder de erosão do tempo em nossas vidas ( algo que já havia com força em “Zodíaco” do mesmo Fincher), a fragilidade do amor que pode surgir nas relações e os sentidos que a vida e morte têm para nós. Há certa previsibilidade do roteiro neste filme que concorre a 13 Oscars no dia 22 de fevereiro. Mas de forma alguma deve ser descartado por ser uma suposta picaretagem. Vamos fazer humor com os paralelismos, mas desprezar os dois filmes, cada em seu gênero muito interessante,, é se desligar da vida, das relações que as obras de arte têm conosco e confiar demais nos poderes de análises estritamente estruturais.

Leia Todorov, veja os dois filmes, leia textos sobre esta querela nos dois blogs citados com links abaixo e tire suas próprias conclusões. O vídeo que até ontem estava disponível, hoje não está mais. Não gostaria de ver censura na web mas o vídeo realmente soava como manipulação e calúnia. Os produtores devem ter agido diante da agressão. Preferiria que o vídeo continuasse em circulação e outras formas de defesas como contra-ataque fossem feitas.
Ps. 1-O Blog da Ilustrada conseguiu recuperar o vídeo. Já o de Ricardo Calil não. Esta é a situação de sábado à noite.
Ps.2-Arnaldo Block escreveu uma crônica belíssima no Segundo Caderno de O Globo de hoje, 31 de janeiro, inspirada no filme "O Curioso Caso de Benjamin Button", que é "Todo neném é Matusalém". Imperdível.

Nelson Rodrigues de Souza

3 comentários:

  1. Esclarecedor e deliciosamente lúcido. Parabéns pelo seu generoso senso didático. Sempre um prazes ler esse blog.

    SID

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  2. Concordo com a abordagem de Todorov, e justamente por não realizar análises estruturais, afins à técnica e à "linguagem", é que considero os filmes Forrest Gump e Benjamim Button um lixo, pregações atinen tes à exportação ao american way ou american dream, esses ideologemas em vias de falência, conforme você mesmo apontou acerca do outro filminho com a Kate Winslet. Há de se considerar que uma das grandes preocupações mundiais é entender o que se passa na cabecinha dos estadunidenses: isso não é demais não? Ou melhor, de menos? Qualquer filminho do Buñuel põe no bolso toda filmografia hollywoodiana dos últimos 50 anos, para dizer pouco, e eu nem quero falar do Visconti e do catatau de italianos divertidíssimos, que realizam filmes populares e brilhantes, como Mario Monicelli, sobre o qual qualquer análise "estrutural", se cabível (e para essa gente sempre é), é inútil para fruição prazerosa de seu cinema. E Zurlini, hem? Para continuar sendo chato, uma sugestão: saia menos de casa para ver filmes made in USA, privilegie outras cinematografias.

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  3. Marcos Nunes,

    Eu aceito análises estruturalistas e específicas sobre linguagem cinematográfica.O que não gosto é de ler críticas que se apoiam exclusivamente nestes aspectos. É neste ponto que concordo com Todorov.

    Você é muito radical em relação ao Cinema Americano. Está deixando que um certo anti-americanismo lhe deixe cego para o que de bom o Cinema Americano tem produzido.Temos grandes obras primas de Francis Ford Copolla, Martin Scorsese, Clint Eastwood, Tim Burton,etc. Isto só nos restringindo a cineastas vivos. Na História do Cinema então a contribuição do Cinema Americano é extraordinária e pra mim inequívoca.

    Vejo muitos filmes americanos sim. Mas também assisto filmes de outras cinematografias, como a iraniana, por exemplo. Se ler com atenção o post que fiz sobre "As Chaves de Casa" de Gianni Amelio, "O Coração dizendo....",vai ver ali impresso todo amor que tenho pela História do Cinema Italiano.

    Mas discordâncias à parte seja sempre bem vindo ao meu blog, ainda que com comentários para meu gosto um tanto radicais.
    Abraços,
    Nelson

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