terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Crônicas de Uma Crise Aguda Anunciada


Começa hoje o Fórum Social Mundial em Belém do Pará e amanhã o Fórum Econômico de Davos nos Alpes suíços, cenário celebrizado em “A Montanha Mágica” de Thomas Mann. Este encontro de chefes de Estado em Davos está cercado com arame farpado para coibir manifestações contrárias. Nada como o tempo tempo tempo tempo para se tomar consciência de que a ênfase no social do primeiro era premente em relação à força dada ao meramente econômico do segundo. A crise econômica gravíssima que eclodiu com mais força em 2008, que está provocando alto índice de demissões em massa, que só não previa quem enfiava a cabeça debaixo da areia das conveniências para os absurdos perpetrados pelos mercados financeiros fraudulentos, mostrou que as advertências do Fórum Social quanto à hegemonia desta entidade chamada Mercado em detrimento da força do Estado estavam mais do que corretas. Vamos ver os encaminhamentos que estes Fóruns terão. Será que em Davos vai reinar a máxima do Príncipe Fabrizio Salinas de “O Leopardo” de Giuseppe Lampedusa, filmado à perfeição por Luchino Visconti: “ È preciso mudar para que tudo continue na mesma”?

Vamos aqui elogiar os cineastas que com resultados diferenciados, mas todos intrigantes, não se conformaram com a idéia de mundo que quiseram nos vender nas últimas décadas e trataram estas questões levantadas mais explicitamente, sem pudores e fizeram filmes que já podem ser considerados documentos históricos de uma era (que passará?) independentemente dos resultados artísticos serem aqui ou ali, mais grandiosos ou modestos:

“O Corte” de Costa Gravas

“A Agenda” e "Recursos Humanos" de Laurent Cantet

“O Que Você Faria?” de Marcelo Piñeyro
"Segundas ao Sol" de Fernando León de Aranoa
"O Príncipe" de Ugo Giorgetti

“Mundo Livre” de Ken Loach

“Nação Fast Food” de Richard Linklater

“Fahrenheit 11 de Setembro e "Sicko- $O$ Saúde” de Michael Moore

“Edukators” de Hans Weingartner

“A Questão Humana” de Nicolas Klotz

“Cronicamente Inviável” e “Quanto Vale ou é Por Quilo? de Sérgio Bianchi

“Memória do Saqueio” e “A Dignidade dos Ninguéns” de Fernando Solanas

“Rosetta” e “O Silêncio de Lorna” de Jean-Pierre e Luc Dardenne

Etc.

Aos que acendendo incenso no altar da Arte, surfaram num ideal simplesmente esteticista, torcendo o nariz para muitos destes filmes, o que dizer? Apenas isto: uma lástima!

De minha parte fica aqui registrado um poema contundente sobre como as relações humanas podem ser deterioradas pelo poder corrosivo do dinheiro.

Meu Amor Burguês


Amor me entenda de uma vez!
Chega de pequenez, meu amor burguês,
Chega de ser argentário,
Chega de fazer gente de otário,
Chega de mesquinhez nos salários,
Que você paga aos seus funcionários!
Chega de vender dificuldades facilmente,
Pra ganhar facilidades brutalmente!

Meu amor, como você mente
Pra todo esse contingente
De pessoas extremamente carentes!
Meu amor, eu não agüento mais suas falcatruas!
Eu agora decidi! Vou embora!
Já está mais do que na hora!
Prefiro mendigar pelas ruas
Do que depender da sua grana suja.
Eu vou ser bóia-fria ou acompanhante de falsos cegos
Mas com você meu querido burguês,
Eu não dou mais uma de sonsa coruja
Que tudo vê, sabe, desvenda as suas tramóias e se cala!
Meu amor enquanto eu não lhe ver pelas costas eu não sossego!
Agora é hora de lavar roupa suja...
Eu vou deixar você sozinho na sala,
Com seu jazz, seus CDs pirateados, sua televisão de tela larga.
Você vai me pagar por tudo que me fez!
Eu vou lhe deixar com a boca bem amarga!
Estou vagabundo do seu imundo mundo
Mas agora acabou mesmo!
Não tolero nem mais seus cabelos encaracolados,
Pelos quais tanto me encantei.
Não tem mais, chega de corpos colados!
Minha vontade é cortar meu pau que tanto você gosta
E jogar no seu rosto de fora da lei!
Eu vou dar um jeito na minha sina de viver nas suas costas,
Às suas custas, o que me é tão penoso.
Não quero ver mais seus amigos rangendo dentes pra mim,
Pois para eles eu sou apenas um carrapato
Que passeia pelos seus pelos feitos capim.
Eu vou tirar essa pedra do meu sapato
E não adianta mais me chamar de “meu gostoso”...
Eu vou é cuspir na sua comida, ganhar carta de alforria.
Mas não lhe pagarei nenhum tostão.
Já chega os danos causados ao meu coração.
Não sou mais covarde, adquiri valentia.
Minha alma vendida pra você, seu diabo,
Já está toda derramada, espatifada
Pelo chão onde pisamos,
Onde muitas vezes nos amamos,
Onde eu louco, ejaculava em golfadas,
Que você adorava e agora meu bem chega!
Mais nada! Mais nada! Mais nada!
Eu vou sair porta afora pra ganhar a vida,
Mesmo que seja um pouco desonestamente,
Eu só quero estar longe, bem longe,
Da sua carranca de urubu-rei usurário demente.
Eu quero distância de seus anéis de ouro falso com que me chantageia
Não adianta mais mostrar sua bunda branca,
Eu quero ver com meus próprios olhos as luzes dos dias.
Desta casa, eu vou abrir todas as trancas
E vou buscar em mim perdidas alegrias.
Estou saindo! Tchau! Cuide bem do siamês Pedrinho!
Vou sentir bastantes saudades do carinho do bichinho
E vou ter muita pena dele contigo sozinho.
Ainda bem que ele não entende
Como você é um cara de pau!
E não adianta fazer pra mim essa cara de lobo mau.
Fique aí com seus patuás, seus anjinhos, seus duendes.
Agora vou indo mesmo!
Sem dó nem piedade!
Você que fique na saudade!
Você que imagine meu corpo nu se ensaboando no banheiro,
Eu quero, cara, distância do seu sórdido dinheiro!
E não venha com capangas pra impedir minha fuga
Desse sanatório& prisão&Alcatraz,
Gerenciada por um velhaco capataz.
Meu velho, você não sabe o bem
Que minha decisão agora me faz.
Não tem mais meu bem, meu bem.
Cansei do seu cheiro, seu trapaceiro de marca maior.
Eu quero mesmo que você fique na pior...
E chega! Já vou! Acabou!
Graças a Deus, Amém!
Conte tudo pra Esmeralda também...
Coitada, ela que cuide das suas manias,
Ela que dê leitinho pra sua boca sórdida!
Eu quero derramar todo pus dessa nossa ferida.
Eu quero agora percorrer ruas e avenidas
Cantarolando sobre essa benigna despedida
E não adianta! Pode se ajoelhar,
Que o que você quer eu não vou mais dar...
E nem vou lhe mandar tomar no cu,
Porque sei que você gosta,
Seu calhorda de bosta!
Cara, tomara que um dia lhe peguem!
Só na cadeia você vai me ver!
Eu do lado de fora rindo,
Você trancado, detrás das grades, também sorrindo,
Mas o riso louco que oculta o desespero!
Tchau! Estou indo..indo...indo
Graças a Deus! Graças a Deus!
Adeus..adeus..adeus..adeus!
Fique com seus fraques, suas gravatas italianas
Suas frescurites, suas varizes, seus exageros
Engane os tolos de que você é um cara bacana...
Deite no tapete atrás da porta cinza
Coma comida sem meu querido tempero,
Que eu dissimulado, fazia no fundo pra lhe extorquir
Seu coroa safado, aloprado e ranzinza.
Cansei de ser seu cúmplice, eu vou mesmo é fugir..
Você que fique meu falecido cupincha
Toda noite, toda noite mesmo, só e sem dormir!
Você com sua adiantada idade,
Com sua onipresente maldade,
Não vale uma unha encravada
De meu querido e saudoso Garrincha!
Só esqueci de deixar no banheiro,
Um escrito na toalha assim:”Azar seu!”
Você cavou sua cova, você me perdeu,
Estou indo, fugindo....fugindo...
Deste paraíso do demônio que você construiu pra nós
E eu agora faço questão de ser mordaz, atroz
E antes que eu me esqueça,
Antes que de sua frente eu desapareça,
Você é um executivo-marqueteiro-vendedor-de-falsas-verdades...
Fique aí só, com seu orgulho e suas vaidades....

Tchau!...Tchau!...Tchau!..Tchau
Pode FICAR que a casa é SUA,
Que eu vou ganhar a rua
E mesmo com essa realidade crua,
Vou recuperar, quem sabe?
Minha perdida dignidade,
Nas luzes que ainda cintilam na maravilhosa cidade...

Nelson Rodrigues de Souza

5 comentários:

  1. A cor do título (azul) ficou ótima e qualquer outra cor de íris também ficaria sobre um fundo branco naquela região. Hummm, o fundo branco no resto do blog poderia ser trocado por outra cor ou um desenho de tons suaves. Mais uma observação: o conteúdo da seção "Quem sou eu" poderia ter outra cor ou outra fonte. Caixa-alta não! A vida é feita de alternâncias e assim, como leitor, adoraria ser surpreendido por fotos no meio do texto ou em outros cantos. Ei, adorei muitos trechos de sua poesia! Mudando de assunto: Cada parágrafo de assunto diferente precisa de um destaque. Vamos ver o que você vai fazer surgir deste caldeirão de sugestões e aí quero esperar na vitrine pra ver a cara da nova criança! Um abraço do Paparazzo da Letra!

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  2. Paparazzo das Letras,

    Obrigado pelas sugestões. Vou analisá-las. Os parágrafos são, para mim, só aparentemente diferentes.Pelo conjunto percebe-se um fio condutor. Daí o fato de não dar destaques diferentes a eles.
    Abraços,
    Nelson

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  3. A propósito dos dois Fóruns e suas discrepâncias, é muito interessante o artigo do sempre arguto Mauro Santayana, que se segue adinte. Quem tiver paciência vale a pena ler.
    Nelson

    Jornal do Brasil Quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

    Coisas da Política

    Mauro Santayana
    maurosantayana@jb.com.br

    O mundo, em Davos
    e em Belém do Pará

    Fórum de Davos
    é o inventário
    de um mundo
    que se dissolve

    OS RICOS VOLTAM A DAVOS,mas não carregam a arrogância de antes. O mundo que nos prometiam estava alicerçado na lama da privatização, das subprimes, dos derivativos. Até o ano passado, as vicissitudes financeiras eram atribuídas a operadores menores do mercado. Prevalecia a idéia de que os grandes rombos eram acidentais, resultado de descuido dos controladores das instituições financeiras, ou de fenômenos inesperados e incontroláveis. Agora, os grandes responsáveis se encontram nus. Livres do controle dos Estados nacionais e protegidos pelos governos, muitos dos grandes banqueiros do mundo se haviam tornado meliantes comuns. Logo que a crise estourou, registramos, neste mesmo espaço, que o jogo dos derivativos lembrava, entre outras, a famosa crise do encilhamento, no Brasil, no fim do século 19. Uma febre de falsa industrialização tomou conta do país, com o surgimento de dezenas de grandes empreendimentos, que só existiam na fértil e desonesta imaginação de alguns. Da venda de ações sem lastro em qualquer tipo de bens, passou-se às "correntes", muitas delas operadas em bancas de camelôs nas ruas, nas quais se pagava ao apostador antigo com dinheiro do apostador novo. Só o fundo gerido por Bernard Madoff, o criador do índice Nasdaq, lesou os investidores em mais de 50 bilhões de dólares no mesmo processo criminoso. A diferença é que a sua banca estava montada em Wall Street, e a sua ação envolvia o mundo inteiro. Ele e outros, de seu mesmo clube, não estarão em Davos. Alguns, como é o seu caso, por se encontrarem impedidos de viajar, sob investigação criminal, com pulseiras eletrônicas de vigilância e prisão domiciliar. Outros, por não terem explicações a dar sobre os truques empregados para surrupiar trilhões de dólares e afundá-los nas profundidades do Triângulo das Bermudas, entre os sargaços e os paraísos fiscais. Em Belém se inicia mais uma reunião do Fórum Social Mundial, que, desde 2001, em Porto Alegre, vem sendo o contraponto ao encontro de Davos. Visto com desdém, no início, o Fórum dos pobres, ao reunir-se este ano no Pará, mostra como suas teses são válidas diante da experiência histórica. Como podiam prever os organizadores do encontro, em que se destacavam os jornalistas Ignácio Ramonet e Bernard Cassen, de Le
    Monde Diplomatique, o neoliberalismo se confirmou como mero expediente de larápios. Não foram apenas ladrões do dinheiro de investidores e dos acionistas que lhes foi confiado. Eles começam a ser responsáveis também pela morte direta de algumas pessoas. Na antevéspera de Natal, o aristocrata francês René-Thierry Magon de Villehuchet suicidou-se em seu escritório de Nova York: fora intermediário da aplicação de 1,4 bilhão de dólares de seus clientes nos fundos administrados por Madoff. No campo dos pobres, a sega de vidas é bem maior. Em Los Angeles, sede da indústria cinematográfica que disseminou o american dream para o mundo inteiro, o trabalhador hospitalar Erwin Lupoe, 40 anos, matou terça-feira suas três filhas e seus dois filhos e a mulher, depois de o casal ter sido despedido da clínica em que trabalhava. Erwin, em seu bilhete dirigido a whom it may concern, explica que não podiam deixar os cinco filhos ­ três meninas e dois meninos, a mais velha de 8 anos ­ nas mãos de outras pessoas. Não deixar os filhos com os outros foi também a preocupação de muitas mães de família de Gaza, diante do massacre executado pelo Exército de Israel. Uma delas confessou que dormiam todos ­ ela, o marido e os numerosos filhos ­ em um só quarto, para que morressem juntos, se fossem atingidos. A morte de toda a família era, para essas mães, o último refúgio, a última esperança. As autoridades californianas estão preocupadas: o caso de Lupoe (assassinato de família inteira seguido de suicídio) é o quinto, em um ano, naquele estado ­ o mais rico da América do Norte. O Fórum de Davos é o inventário de um mundo que se dissolve. Ele nada tem a dizer, e melhor seria que não voltasse a reunir-se. O luxo e a ostentação daquele convescote nos Alpes é ofensa também aos milhares que morrem, hoje, na África, massacrados pelos conflitos tribais provocados pela miséria e pelos dizimados pelas epidemias, como o cólera. O Fórum de Belém, ao reunir os excluídos do planeta e alguns poucos intelectuais solidários, pode ser a promessa de um mundo mais justo, o único possível.

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  4. Valeu, meu caro.

    Dentre os que mencionaste não conheço Laurent Cantet, Nicolas Klotz, Fernando Solanas, Jean-Pierre e Luc Dardenne (embora, quanto a esses últimos, dos respectivos filmes já tenha tido notícia).

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  5. Olá Nelson

    Apreciei com enorme prazer seu blog. A poesia...Ah, a poesia ... li avidamente, freneticamente, que acho é mesmo o ritmo dela: ir embora rapidamente. É simplesmente linda!!!
    Bjs
    Marise

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