sábado, 17 de janeiro de 2009

O Inferno em Gaza


O Estado de Israel não reconheceu a vitória democrática do Hamas nas eleições na Palestina porque este partido guindado ao poder não aceita o Estado de Israel. Este último matando agora os civis palestinos (inclusive muitas crianças, algo bastante morbidamente simbólico) provou na prática que não reconhece o direito à vida para os palestinos. Este ódio de Israel aos palestinos só surgiu em seu apogeu agora? Estava recalcado? Voltando ao começo deste parágrafo: será que o Hamas estava tão errado assim?

Dado o que Israel foi capaz de fazer, para estupefato da opinião pública mundial não suscetível aos automatismos de aprovação aos bombardeios e invasão de Gaza por um dos mais poderosos exércitos do mundo, como o governo Obama vai conseguir convencer o Irã a não desejar ter tecnologia para uma bomba atômica? Será que não andaram colocando mais gasolina no fogo já queimando no tabuleiro político da região?

Um filme bastante oportuno nestes tempos de conflito no Oriente Médio é “Paradise Now” de Hany Abu-Assad. Não é um filme extraordinário, mas é muito bom, tendo ganhado o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro em 2005. Os acadêmicos do Oscar não tiveram coragem de premiá-lo no mesmo ano em que fizeram uma grande injustiça com “O Segredo de Brokeback Mountain” de Ang Lee.

Imagine-se numa das favelas dos morros do Rio de Janeiro vivendo condições sócio econômicas bastante precárias mirando a Zona Sul embaixo, ciente de que sua pobreza é a outra face da moeda. É assim que os palestinos do filme, numa forma mais radical, se vêem em Nablus, norte da Cisjordânia, numa parte paupérrima, destruída pelos israelenses ocupantes, diante da parte desenvolvida da cidade. Um contraste que vai ser ainda maior quando um dos protagonistas vai para Tel Aviv disposto a um atentado. Com outras circunstâncias que se agregam, como a “fé cega, faca amolada” do fundamentalismo islâmico, a falta de perspectivas de crescimento na vida ( dentre outras), temos constituído o caldo de cultura que forma e conforma um homem-bomba. O plano final é belíssimo e impactante. A tela fica toda branca numa elipse de um grande atentado num ônibus, o belo horrível que a arte é capaz de nos fazer vivenciar às vezes, como em “Guernica” de Picasso, como em “O Grito” de Munch. O filme não tenta justificar nada e sim compreender o que pode soar como incompreensível para muitos. As estratégias guerreiras dos membros do Hamas, pelo que leio, não são as de homens-bombas. Mas a disposição para sacrificar a vida parece similar e “Paradise Now” é um belo exercício de se colocar na pele do outro que ilumina este nosso presente de escombros, sangue, corpos despedaçados de muitos inocentes (etc...), um presente que pode se reverter no futuro em indesejáveis atentados reativos, com o ódio semeado ainda mais, onde ele já fermentava bastante.

Já para quem quer entrar no cérebro do militarismo deletério nada melhor que ver ou rever “Dr.Fantástico” ( “Dr. Strangelove”),“Glória Feita de Sangue” e “Nascido para Matar” do gênio Stanley Kubrick, que não à toa vivia quase que exilado na Inglaterra. Paulo Francis dizia que Stanley compreendia a cabeça dos militares ortodoxos como ninguém. Neste ponto o polêmico Francis, que terminou a vida como um reacionário republicano honorário, tinha razão, acredito eu, pelas experiências que tive, vivendo um tempo neste meio.

Nelson Rodrigues de Souza

7 comentários:

  1. olá Nelson
    cheguei até seu blog pelal ista do E-jovem
    sucesso no blog
    abraços
    té mais
    Apenas Alguém

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  2. Olá Nelson,
    como lhe disse outro dia você me ajuda a pensar com maior agudeza os momentos mais críticos e em que mais precisamos cultivar um olhar preparado para a complexidade (ou o absurdo) de nossa época... Assim, em todos os momentos de debate, espoucam as mensagens lúcidas e os reenvios bem escolhidos! E eu mando adiante! Agora tenho um blog pra indicar! Que bom! Victor H. Pereira

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  3. Porque os países ricos podem ter armas nucleares e os pobres não? Muito fácil responder essa pergunta, mas muito difícil esquecer a velha guerra de classes, né mesmo? Aliás, porque a classe média detesta tanto esse assunto?

    Bem, voltando ao filme...
    Eu vi o filme Paradise Now em DVD, e como foi dito, não é um filme extraordinário, mas não foi difícil me colocar na pele daqueles caras, aliás tendo a elite e os políticos que temos, não precisamos nem acreditar em paraíso e muito menos em Deus.

    Calma galera, rsrs, sem paraíso e sem Deus, o melhor mesmo é aproveitar o que ainda nos deixam. Os brasileiros fudidos, ainda conseguem transformar a dor em arte, e isso só pode ser obra de um Deus sensacional e muito bem amado. Nós cariocas, podemos invadir os velhos Arcos da Lapa nas noites de sexta-feira, dançar, fazer música e beijar na boca. Ainda podemos fazer isso, ainda não tiraram isso de nós.

    Já fui parar na Lapa, mas voltando ao Paraíso...
    A dor de viver daqueles caras é algo além de nossa cultura, é fé cega, muda e surda, e os atores conseguem emocionar, conseguem transmitir aquela dor de viver bergmaniana, sabe? Muito triste mesmo, mas humanamente compreensível.

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  4. Vida longa ao Blog!
    Pena que "A Favorita" acabou logo agora. Tenho certeza que acompanharia toda a trama e suas ótimas análises da mesma por aqui. Mas não tem problema, assuntos não irão faltar (filmes, Gaza, Tibet, crise mundial,...).
    Um grande abraço, André Luiz.

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  5. Nelson,
    Iniciar um blog abordando o Inferno em Gaza e estampando o cartaz do filme Paradise Now requer coragem. Parabéns! Você deu a partida dizendo a que veio.
    Acho que as pessoas de(e do) bem precisam dizer NÃO a esse massacre, a essa carnificina, responsável até o momento pela morte de cerca de 1200 palestinos, sendo quase um terço crianças. A ofensiva militar de Israel tem como justificativa falaciosa os ataques do Hamas, entretanto se trata de uma estratégia eleitoral, oportunista.
    Até quando a ONU continuará aceitando que o Estado de Israel descumpra sistematicamente as suas resoluções? E o resto do mundo assistirá a esse horrendo espetáculo friamente como fez quando os EUA destruiram o Iraque?
    São muitas as questões para discussão e sei que o seu blog estará aberto ao debate.
    Grande abraço.
    Boa noite e boa sorte.
    Gina Louise

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  6. Vale a pena ler esta matéria do envidado especial da Folha à Tel Aviv. Curiosa e sintomaticamente quando o Governo Obama entra é que se começa a falar em cessar-fogo.Mas e as vítimas inocentes, passarão para o pé de página da História em relação aos genocídios cometidos na História da Humanidade e esquecidos, sem julgamentos e punições, como o massacre dos armênios pelos turcos?
    Nelson

    Folha de São Paulo,segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

    Diálogo de surdos mostrou que grupo islâmico não pode mais ser ignorado

    DO ESPECIAL ESPECIAL A TEL AVIV MARCELO NINIO

    Não havia uma cadeira para o representante do Hamas na conferência internacional sediada ontem pelo Egito, muito menos no jantar oferecido pelo governo de Israel aos principais líderes europeus, em Jerusalém. Mesmo sem estar presente ou ser citado, porém, o grupo fundamentalista foi, na prática, parceiro do acordo de trégua que os eventos celebraram.
    No diálogo de surdos que os líderes israelenses travaram com o Hamas nas últimas semanas, seja por meio de mísseis ou da intermediação, egípcia, o grupo fundamentalista pode contar com uma vitória, sob os escombros do preço pago pela população de Gaza: o reconhecimento de que é impossível ignorá-lo como interlocutor na gerência (enquanto uma solução não é possível) do conflito.
    "Ninguém faz um cessar-fogo com um fantasma", diz o psiquiatra e ativista político Eyad Sarraj, uma das personalidades mais respeitadas de Gaza. Ele ironiza a recusa de Israel em admitir que a trégua foi resultado de um entendimento com o grupo fundamentalista. "O Hamas foi reconhecido, ainda que indiretamente, e Israel tem que aceitar esse fato."
    Para o psiquiatra, que nas eleições de 2006, vencidas pelo Hamas, concorreu como uma plataforma pacifista, Israel foi pressionado pelo governo americano a suspender os bombardeios. Para ele, a pressão partiu tanto da atual administração como da iminente posse do novo presidente, na terça-feira. "O fator Obama pesou, além da pressão causada pela crise humanitária em Gaza", diz Sarraj.
    O cientista político Avraham Sela, especialista em assuntos palestinos da Universidade de Jerusalém e autor de um livro sobre o Hamas, também acha que o movimento extremista poderá aproveitar o fato de ter sobrevivido aos ataques e entrar numa fase de legitimação.
    Ele diz que é difícil avaliar se os objetivos de Israel foram alcançados, e que isso só será possível a médio prazo, segundo a vontade e a capacidade do Hamas de s e rearmar e disparar foguetes. Já do outro lado, como é típico de uma guerra assimétrica entre um Exército e um grupo guerrilheiro, a história é outra.
    "Basta que eles não levantem a bandeira branca para poder cantar vitória", diz Sela. "De qualquer maneira eles já ganharam, pois o mundo entende hoje que o Hamas é o único endereço em Gaza. Se até essa ofensiva tanto Israel, como europeus e americanos, se recusavam a reconhecê-lo, agora ficou claro que o Hamas passará por uma fase de legitimação."
    Para Sela, qualquer acordo terá que ser implementado com a aprovação do Hamas, "seja por meio do Egito ou de agências internacionais".
    Entre os que ganharam, além do Hamas, está o Egito.
    "O Egito é um dos vencedores desta guerra, pois conseguiu voltar ao centro da arena política", diz o coronel da reserva Shaul Arieli, que já foi comandante do Exército israelense em Gaza. "O primeiro estágio, que era o cessar-fogo, foi alcançado. Mas os próximos serão mais complicados, sobretudo promover a reconciliação política entre os palestinos."

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  7. Obama ainda patina na questão do Oriente Médio sem se referir com veemência ao massacre dos civis palestinos por Israel, nem apontando encaminhamento de soluções mais concreto para o grave conflito na região. Leiam artigo publicado na Folha adiante.
    Nelson

    São Paulo, sexta-feira, 23 de janeiro de 2009-Folha de São Paulo
    ARTIGO
    Obama está em descompasso com região
    ROBERT FISK
    DO "INDEPENDENT"

    Até agora, Obama demonstrou não compreender a situação em Gaza. Teria ajudado se o novo presidente tivesse tido a coragem de falar sobre aquilo que todo o mundo no Oriente Médio está falando. E não, não se trata da retirada americana do Iraque -todo o mundo já sabia disso. Assim como era aguardado o começo do fim de Guantánamo, e a indicação de George Mitchell como enviado especial ao Oriente Médio era o mínimo que se poderia esperar.
    É claro que Obama se referiu aos "inocentes massacrados", mas ele não estava falando exatamente dos "inocentes massacrados" que incomodam aos árabes. Houve o telefonema de Obama a Mahmoud Abbas, anteontem. Talvez o presidente acredite que conversou com o líder dos palestinos, mas, como todo árabe sabe, ele é o líder de um governo fantasma, um quase-cadáver mantido vivo pelas transfusões de sangue do apoio internacional e da "parceria plena" que Obama ofereceu.
    Mas, para o povo do Oriente Médio, a ausência da palavra "Gaza" -e aliás da palavra "Israel"- foi como uma sombra escura pendendo sobre o discurso de posse. O jovem redator dos discursos de Obama não compreendeu que sua menção aos direitos dos negros serviria para concentrar as atenções dos árabes no destino de um povo que só ganhou o direito de votar três anos atrás, mas em seguida foi punido por votar nas pessoas erradas?
    É fácil criticar, claro. A retórica árabe tem algo em comum com os clichês de Obama: "trabalho árduo e honestidade, coragem e equanimidade, lealdade e patriotismo". Mas, por mais distância que o novo presidente queira colocar entre ele e o cruel regime que está substituindo, o 11 de Setembro ainda pende como uma nuvem sobre Nova York. Tivemos de ser lembrados da "coragem do bombeiro que avança por um corredor repleto de fumaça".

    Puro Bush
    De fato, para os árabes, declarar que "nossa nação está em guerra contra uma vasta rede de violência e ódio" é puro Bush; a referência a "terrorismo", o epíteto predileto de Bush e de Israel para instigar o medo, representou um sinal de que a nova Casa Branca ainda não compreende a mensagem.
    Quanto aos personagens mencionados no discurso em função de sua corrupção e por "silenciar os dissidentes", uma indireta supostamente dirigida ao governo iraniano, a maioria dos árabes na verdade associaria esses hábitos ao presidente egípcio Hosni Mubarak (que, claro, também recebeu um telefonema de Obama), ao rei saudita Abdullah e a diversos outros autocratas e carrascos que supostamente são os melhores amigos dos Estados Unidos no Oriente Médio.
    [A ex-deputada palestina] Hanan Ashrawi compreendeu a situação. As mudanças no Oriente Médio -justiça para os palestinos, segurança para os israelenses e para os palestinos igualmente, o fim da construção ilegal de colônias pelos judeus, e apenas por eles, em terras árabes, o fim de toda a violência, e não apenas a violência árabe- precisam ser "imediatas". Mas, se a indicação do cordial George Mitchell tinha por objetivo atender a essa demanda, o discurso de posse, que foi insatisfatório quanto ao Oriente Médio, pareceu caminhar no sentido oposto.
    A mensagem aos muçulmanos, propondo "um novo caminho à frente, baseado no interesse mútuo e no respeito mútuo", desconsiderou as imagens da carnificina em Gaza. Os árabes e muitos outros países muçulmanos têm motivos para regozijo com a partida do hediondo Bush. E o fechamento de Guantánamo também parece positivo. Mas os torturadores que operaram a mando de Bush e Rumsfeld serão punidos? Ou promovidos discretamente? O novo presidente certamente merece uma chance.
    Talvez George Mitchell converse com o Hamas -ele seria o homem certo para tentar-, mas o que terão a dizer velhos fracassos como Dennis Ross, Rahm Emanuel e, aliás, Robert Gates e Hillary Clinton? No discurso de posse de Obama, que mais parecia um sermão, até mesmo os palestinos em Damasco perceberam a ausência das duas palavras: Palestina a Israel. Assuntos quentes demais, e, apesar do dia de inverno em Washington, Obama nem mesmo estava usando luvas.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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