terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Respeito Muito Minhas Lágrimas


A gente pensa o que sente ou sente o que pensa? Parece um pergunta boba, mas não é. Eu pelo menos prefiro sempre pensar o que sinto. Acredito que as emoções, os sentimentos chegam por um misterioso atalho, antes que os pensamentos se formem. Desta forma os filmes que me emocionam, sutil ou desbragadamente têm minha grande admiração. Não que não chegue a admirar obras mais intelectuais solidamente construídas (como o maravilhoso “O Ano Passado em Marienbad” de Alain Resnais), mas lido no campo das artes com outras veredas também.

“Cazuza- O Tempo Não Para” (Brasil/ 2004) de Sandra Werneck se eu disser que não gostei muito estarei mentindo. Por mais que detectasse omissões fundamentais ( descartou-se a importância que Ney Matogrosso teve na vida e na carreira de Cazuza; Maria Zilda é colocada como uma coadjuvante sem maiores expressões) nunca chorei tanto num filme! Foi sem exagero: do começo ao fim! A magia de estar assistindo a uma interpretação mediúnica de Daniel de Oliveira (fantástico!) e o pulso narrativo, sem quedas, me mantiveram ligado o tempo todo no filme, sem tréguas para as emoções deixarem de ser transbordantes.

Caetano Veloso escreveu que o filme era um grande musical do Cinema Brasileiro, gênero desprezado no país. Não chego a tanto. Acredito que quando derem chances à incansável dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho, de tanto espetáculos sensacionais no Teatro (como o despojado, comovente e imperdível “Beatles Num Céu de Diamantes”), de trabalhar também em Cinema, teremos obras memoráveis (onde estão os produtores brasileiros de Cinema que não procuram estes “meninos”?).

Racionalizações a posteriori à parte, não posso deixar de ressaltar que assistir a “Cazuza-O tempo Não Para” foi uma das grandes experiências cinematográficas da minha vida, por mais imperfeições que o filme tenha. Podem dizer que há identificações pessoais. E terão razão. Mas porque desprezar estas projeções e identificações se elas fazem parte da vida?

Em 1987 assisti a uma montagem bastante cerebral de “Encontro de Descartes com Pascal” de Jean Claude Brisville com Ítalo Rossi e Daniel Dantas, no Teatro da Aliança Francesa de Botafogo. Descartes queria que Pascal fosse seu discípulo e continuasse avançando com suas especulações filosóficas, sendo o último bem mais jovem. Pascal queria agradar o velho mestre não porque se identificasse com suas idéias mas porque queria que ele com seu prestígio intercedesse para salvar um amigo jansenista preso. A peça é um embate de idéias, mas não isenta de uma emoção delicada, pois consegue de fato criar personagens e não meros portadores de conceitos.

Saí do teatro e caminhei pela Rua Muniz Barreto aos prantos. A peça havida tocado num nervo exposto em mim: um engenheiro que só sabia ganhar dinheiro com esta atividade e um amante inveterado das artes. Ou seja, havia cotidianamente um Pascal brigando com um Descartes dentro de minha cabeça. Hoje sou muito mais Pascal: acredito piamente que “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. Li “Pensamentos” de Pascal com total fascínio ainda que tenha me assustado ao saber que Pascal ao dar aulas no interior da França se açoitava porque não podia sentir prazer com o que fazia de coração aberto sem esperar recompensas.....Mas de qualquer forma acredito muito mais no “Sinto,logo existo” do que no “Penso, logo existo”. Claro que não abdicarei jamais da necessidade de pensar. Este texto é uma das provas disto. Mas sempre estou atento ao poder dos sentimentos e emoções. “A Troca” de Clint Eastwood em cartaz me levou às lágrimas ao final. Posso negligenciar isto na avaliação do filme? Jamais. Claro que existe a emoção interior que não se traduz em lágrimas e também é bastante nobre. Mas de qualquer forma acredito que a emoção seja de que forma vier precede à razão.

Em homenagem a Cazuza, vai adiante um poema que fiz inspirado nele, com as minhas recorrentes citações à poética da MPB:


"Enquanto houver burguesia, não pode haver poesia”
Cazuza


Cintilação

Cazuza
Minha cabeça pode estar confusa.
Você daqui partiu para um lá
Que não sei em que lugar está.
(Será que está entregue ao Deus-Dará?)
Você muito amou, muito viveu,
Muito en-cantou, muito acertou
Em seus tirocínios,
Em seus vaticínios.
Mas num ponto meu amigo,
Eu não concordo contigo!
Você errou redondamente,
Perdidamente...
A burguesia insiste, resiste,
Fede, fede, fede, fede, fede ...
Mas Cazuza,
Me ouça com atenção,
Como se fosse uma bela canção:
Eu te amo muito ainda!
E graças a Deus,
É infinita, bem vinda,
A poesia que sempre existiu,
Existe, existirá, resistirá,
Mesmo depois que você se mandou
Pensado que deu pra nós um adeus,
Pra não sei onde...
(Cara, onde você se esconde?)

Eu sei que aqui sua aura não se esmaece,
Mesmo com todo esse inverno de desesperança,
Todo esse inferno que nos alcança...
E saiba meu querido amigo,
Que ainda persiste
Gente como eu, carente de afeto e sexo,
Andando tonta, alucinada,
Pelas ruas, botecos, bares, boates,
Pelas vielas, encruzilhadas,
Pelas saunas, aterros, arpoadores,
Pelos bate-papos nos computadores
Também exagerada,
Em busca de amores,
Catando a poesia que você camarada,
Generoso como sempre foi,
Entornou de propósito no nosso chão,
Chão este onde sempre pisamos,
Distraídos, iludidos....
E sonhamos, sonhamos...

Um abraço, um beijo mordido,
É muita sorte nossa você ter existido.
.
Nelson Rodrigues de Souza

Um comentário:

  1. Nelson, Cazuza é um dos meus ídolos! Lembro a emoção de ter comprado um LP, sim, um LP do Exagerado assim que ele foi lançado. Achei aquela capa ousada, sensual, transgressiva. Passei a amar Cazuza pela sua coragem, bela sua beleza e infelizmente na sequência, pela sua luta incessante contra o HIV. Fiquei emocionado com sua poesia. Um beijo mordido, é muita sorte nossa ter alguém que perpetue o amor cantado por Cazuza como você.
    Wagner (Confraria) PS: Promessa é dívida. Falei q ia postar e postei.

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