quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Qual é a essência do Cinema?


A primeira idéia para o nome deste Blog foi “Dodeskaden”. Seria uma homenagem a este filme de 1970 de Akira Kurosawa que tanto me marcou. Dodeskaden é a onomatopéia que um menino que vai da favela para a cidade utiliza imaginando-se num trem. Repete a palavra várias vezes, vibrando com a viagem. É um dos mais pungentes e belos filmes já feitos, com uma fotografia não menos arrebatadora, com seus tons vermelhos e amarelos fortes. Não quis utilizar mais este título porque quis ampliar o escopo do Blog e nem sei se as gerações mais jovens conhecem esta obra-prima e saberiam a que eu estava me referindo.

O filme, no entanto, foi um fracasso de público. Kurosawa não conseguiu mais capital japonês para filmar e tentou o suicídio. Com dinheiro da Mosfilm se levantou fazendo outro filme maravilhoso que é “Dersu Uzala”(1974). O filme foi um sucesso internacional conquistando o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Isto não impediu que o então crítico de cinema (hoje um ótimo tradutor e sonoplasta) Marcos Ribas de Faria cometesse um grande atentado. Além de dar uma bolinha preta inclemente, escreveu no Jornal do Brasil que o filme “é uma bebedeira ecológica” (sic).

Matinas Suzuki Junior, que já foi Editor do Caderno Folha Ilustrada superou Marcos e escreveu uma das maiores barbaridades que já li sobre cinema: depois de “Sonhos”(1990), os japoneses deveriam economizar seus ienes e não investir mais em Kurosawa. Ainda bem “que não foi ouvido” e Kurosowa depois de “Rapsódia em Agosto” (1991), realizou seu belíssimo testamento “Madadayo”(1993), onde um velho professor se despede dos alunos com grande emoção, se aposenta e passa a viver preocupado com seu gato que sumiu.

“Sonhos” incomoda por que transborda de humanidade, com força estética poderosa e isto passa a ser tido como pieguice e passadismo.

“Sonhos” não é o choro pelo leite derramado, mas um poema-pranto pelo leite que não se bebe...

Numa das últimas homenagens que recebeu em vida, Kurosowa afirmou que a essência do Cinema ainda lhe escapava. Isto depois de ter feitos tantos filmes extraordinários. Essa humildade essencial de Kurosawa faz falta no mundo de hoje. Muita gente age e escreve como se conhecesse e detivesse “o que é a essência do Cinema”. Nada mais enganoso e causa de grandes equívocos.

Nelson Rodrigues de Souza

3 comentários:

  1. É isso aí Nelson, relembrar o grande Kurosawa e o seu punjente "Dodeskaden" me fez viajar no tempo e na grande emoção que foi assistir este lindo filme quando eu, um interiorano recém chegado a cidade grande, estava ávido por cultura e outras emoções.

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  2. O Kurosawa de "Dodeskaden" é bom mas, no geral, ele guarda a mesma inspiração naif que move o Kitano, e até mesmo o Ozu. Talvez eu não me dê bem com cineastas japoneses, ou com a cultura japonesa, e não consiga dialogar com eles - mais com o Ozu, mas o travo algo reacionário, além de naif, de seus filmes, com aquela delicada nostalgia em tom lamentoso menor, produz um pé atrás que as imagens não conseguem destravar.

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  3. "Sonhos" eu assisti. Sequer tinha ouvido falar em "Dodeskaden". Vou ver se tem na locadora aqui perto de casa.

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