quarta-feira, 1 de julho de 2009

As Aventuras de Cada Um




Em “Trama Internacional” (EUA/Alemanha/ Reino Unido/2009) de Tom Tykwer o agente da Interpol Louis Salinger (Clive Owen) com a colaboração da promotora de justiça de Nova York Eleanor Whitman (Naomi Watts) tenta desvendar as teias de corrupção e mortes lançadas pelo grande banco IBBC com sede em Luxemburgo, pelo mundo afora, com venda de mísseis para países em conflito, de forma que o banco passa também a lucrar com as dívidas geradas por estas guerras, numa antecipação no cinema da grave crise ética, moral e operacional por que passam hoje os grandes conglomerados financeiros.

O filme tenta aliar reflexões com entretenimento, mas carrega demais neste último item com pistas e mais pistas decifradas de modo mirabolante com cenas frenéticas em profusão em Milão, Nova York, Estambul, etc, de acordo com um receituário um tanto clichê de filmes de ação.

Há uma seqüência prodigiosa no Museu Guggenheim de Nova York filmada numa réplica construída na Alemanha que, ao mesmo tempo em que exala autenticidade cênica numa ambiência do século XXI, é saturada por uma rajada espantosa de tiros onde já não se sabe quem está do lado de quem, a inverossimilhança reina mais uma vez e milagres de sobrevivência e mortes convenientes acontecem.

Para ir fundo em seus objetivos, Louis tem que passar à margem das operações, onde lhe lembram que efeitos colaterais são inevitáveis. Enfim, não se pode dizer que Louis não viva uma grande aventura, mas o prazer de acompanhá-la é truncado por um grau elevado de ostentação de angulações, paisagens turísticas e truques narrativos de Tom Tykwer cada vez mais distante dos belos resultados obtidos por “Inverno Quente”, “Corra, Lola Corra” e pelo subestimado “Paraíso”, filmagem de um roteiro póstumo de Kristof Kieslowski.

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“Jean Charles” (Brasil/Reino Unido/2009) de Henrique Goldman, um diretor brasileiro que já teve sua época como imigrante ilegal, aborda com bastante autenticidade a vida de alguns imigrantes brasileiros em Londres (seriam da ordem de 200000 pessoas), concentrando-se em julho de 2005 quando atentados terroristas ocorrem na cidade e se criou um clima da alta paranóia. Em paralelo acompanhamos a vida de Jean Charles ( Selton Mello, numa deliciosa chave interpretativa caipira mineira), cujo destino já sabemos por tratar-se de emblemático personagem real, sua prima Vivian (Vanessa Giacomo) que foi para a cidade ganhar a vida em bicos que surgissem para ajudar a família no Brasil e o expressivo primo Alex ( Luis Miranda), uma consciência crítica embrionária de toda esta história. Até mesmo uma prima real de Jean Charles de Menezes compõe o quadro familiar dando mais veracidade às situações: Patrícia Armani.

Um dos aspectos bastante interessantes do filme é que ele não tenta escamotear o lado “malandro” virador de Jean Charles, santificando-o. Ele o mostra dando vários jeitinhos seja para conseguir a entrada da prima Vivian em Londres na triagem da imigração, vendendo passaportes conseguidos através de uma mulher, “roubando” empregados de seu patrão.

Radicado em Londres há três anos, confundido com um terrorista, Jean é executado no metrô com oito tiros pela polícia inglesa, um crime até hoje impune. Se a obra enfatiza esta impunidade mostrando, principalmente, a dor e a ira de Alex que desafia até mesmo representantes da embaixada inglesa que vão prestar solidariedade e ajuda econômica, (um personagem que tinha a consciência que os atentados ocorreram porque a Inglaterra cerrou fileiras com os EUA numa desastrada e conveniente guerra contra o terror), em relação ao Brasil o filme tudo poupa como se fizesse parte da ordem natural das coisas tantas pessoas terem de deixar o país onde nasceram para conseguirem melhores oportunidades de vida em outros lugares. Sucessivos governos brasileiros também são indiretamente responsáveis pela morte de Jean Charles, mas este tema é tabu no filme. O Brasil é lembrado com carinho. Uma bandeira brasileira envolve o caixão. Uma placa é colocada em Gonzaga como se a cidade natal de Jean Charles realmente tratasse bem seus filhos.

Jean viveu uma curta e amputada aventura.Vivian procura dar continuidade a ela, reelaborando sonhos dele. Mas o que fica no ar é uma sensação de que esta é uma história que pode se repetir. Nem lá nem cá, pouco se aprendeu com o que aconteceu. Há os protestos. Mas o mundo anda surdo para eles.

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O escritor Philippe Claudel é autor de alguns romances. Numa aventura ousada e bem sucedida (que lhe valeu o César de melhor diretor estreante) faz “Há Tanto Tempo Que Te Amo” (França/2008), um filme de cortes e diálogos bastante precisos, mas que conta como trunfo principal as excepcionais atuações de Kristin Scott Thomas (Juliette) e Elza Zylberstein (Léa), duas irmãs que se reencontram depois de uma separação de 15 anos. Juliette esteve presa neste período todo e vem morar com a irmã, seu marido, duas filhas adotadas e o sogro dela. O ato deflagrador que praticou nos é revelado quando tenta arrumar um emprego e é assustador, repugnante.

Quando tudo aconteceu Léa era pequena. Suas tentativas de contacto com a irmã presa foram fortemente reprimidas pelos pais que não mais quiseram saber da filha. O que o filme nos mostra com bastante sensibilidade é um ritual de aproximação de duas irmãs que tentam a todo o momento entender as motivações da outra num meio social hostil à reintegração. Pode-se dizer que vários filmes parecidos já foram feitos, mas o que tira “Há Tanto Tempo Que Te Amo” do lugar comum dos dramalhões é a sobriedade como as atrizes se entregam a seus papéis bem como o desenvolvimento pausado e paciente das revelações, com diálogos bem engendrados. Juliette tem o corpo e a alma contraídos de uma forma que não apela para uma piedade fácil do espectador. Léa apresenta ambigüidades no seu ar maternal. A expressividade das duas é hipnótica e uma grande gama de sentimentos nos é apresentada.

Há uma revelação ao final que a muitos provoca decepção, mas se pensarmos bem está coerente com o comportamento de Juliette apresentado até então.

“Há Tanto Tempo Que Te Amo” circunscrito a uma província francesa é também um filme de aventuras. Mas estas são interiores e são as mais bem construídas de todas as citadas, as mais difíceis de percorrer, pois envolvem feridas da alma bem mal cicatrizadas e que podem fisgar os seres a qualquer momento.

“Há Tanto Tempo que Te Amo” é um filme de tramas. Mas tramas interiores intensas. E como doem.

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Nelson Rodrigues de Souza