segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Piratas da "Pós-Pós Modernidade" Atroz


Quando fui à Nova York pela primeira vez em 1998 fiquei completamente chapado especialmente com a Broadway. Luminosos arrebatadores (que o Kassab proibiria em São Paulo....), cinemas, teatros com grandes musicais e peças as mais variadas, inclusive montagens bem simples e complexas, como um belíssimo Romeu e Julieta bastante despojado feito só por homens em que um simples lenço era elemento cenográfico essencial da peça, transformando-se até mesmo em sangue. É ver para crer. Deviam montar o texto nesta versão no Brasil. Iria fazer muito sucesso. E tinha ainda a loja “Virgin” para a qual toda hora, entre um espetáculo e passeios ou visitas aos Museus, ia namorar os incontáveis CDs, DVDs, Fitas Cassetes bem catalogados, com um requinte de uma prateleira especial para a música brasileira.

Neste contexto aliado a outros deslumbramentos com Manhattan, fantasiei a possibilidade de largar meu emprego de engenheiro no Brasil onde sofria com um particular gavião de insígnias elevadas, trajando azul baratéia e trabalhar na “Virgin” seja em que setor for. O senso de realidade tomou posse de mim e voltei ao Brasil de avião com meu corpo e a alma foi chegando depois lentamente de navio, conforme expressão de um amigo querido.

Agora leio que a “Virgin” da Broadway vai ser fechada. Pode haver problemas administrativos, efeitos da crise financeira que eclodiu em 2008, mas uma das razões certamente é a pirataria indiscriminada que se faz no mundo hoje, tanto de músicas como de filmes. Posso soar antiquado, mas alguma forma de controle tem de haver. Não sei como. Do jeito que está é que não pode continuar. Antonio Adolfo no O Globo de hoje nos fala das dificuldades que cantores, músicos e compositores estão passando com este descontrole total.

Se tivesse optado pela minha fantasia, hoje engrossaria as filas dos desempregados que se aglomeram em Nova York, alguns deles até com terno e gravata.

Alguns cinemas de arte do Rio estão passando por séria crise. Além do humor do bonequinho de O Globo interferir muitas vezes negativamente numa classe média preguiçosa e desavisada, além dos preços altos, acredito que a pirataria está afastando muita gente dos cinemas.

Uma frase especial de uma seqüência linda de “O Pequeno Buda” de Bernardo Bertolucci vem sempre à minha mente: “um instrumento não pode ter as cordas frouxas porque assim a música soa horrível, mas as cordas não podem ser esticadas demais, pois senão elas arrebentam”. Sei não. Mas acho que as cordas, com a pirataria, precisam de certo equilíbrio. Pois estão longe disto. E para isto só com intervenção do Estado. O Mercado apenas não vai resolver este problema. Essa terra de ninguém que passou a ser de todos não vai ter um bom futuro. Com diz Brecht: “A saída...Onde está a saída?Deve haver uma saída.Tem de haver uma saída!”.

5 comentários:

  1. Nelson, olha, acho que não é pirataria, mas sim um conceito de cinema (que é bem diferente do nosso, de cinéfilos), junto a outros meios de entretenimento à mão (DVD, internet, home entertainment etc). Mais que isso, o preço É o principal motivo, uma vez que esse público (que é o popular, o que engordaria as filas de cinema) "lê" filmes, ou seja, o assiste como novela, como programa de TV. A pirataria é um problema, sim, mas, enfim, é para nós, que gostamos de ver os filmes na melhor qualidade. Por outro lado, o lixo que é lançado aqui em DVD (sem extras, imagem péssima, mídia deformada) a preço de edição especial, é outro dado a ser levado em conta. Eu baixei vários filmes que foram porcamente lançados aqui, em janela errada e compressão excessiva. Falo tudo isso, tbém, pq vivemos um momento que nos empurra à circulação, à reprodutividade. Ora, a pirataria é fruto disso, e temos, sim, de separar o tipo de pirataria. Pode ter certeza que, para os produtores, pirataria é tão somente o que os faz perder dinheiro. Ponto. Mesmo os artistas, em geral, não têm muito senso de autoria, na medida em que, por exemplo, diretores de fotografia do nosso cinema não vêem problemas na projeçao digital da Rain. Enfim... é uma vasta discussão, esta.
    Abraço
    PSL

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  2. A discussão sobre a pirataria é complexa e tem que passar, a meu ver, inevitavelmente pela democratização dos produtos culturais. Se de um lado os artistas não podem ser lesados em seus direitos autorais, de outro existe um público desprovido de recursos para usufruir dos bens culturais, que têm seus valores constantemente majorados. Admiro iniciativas de músicos, por exemplo,que distribuem seus CDs através das bancas de jornais, a preços mais acessíveis, ou que disponibilizam a sua obra para ser baixada pela internet.
    Bom, estas são apenas algumas breves questões. Creio que a pirataria precisaria ser debatida exaustivamente com a sociedade, artistas, empresários do setor e entidades governamentais.
    Abraços.
    Gina

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  3. A propósito dos efeitos deletérios dos downloads sem controle,vale a pena ler esta matéria sobre o fim da célebre gravadora Kuarup.
    Nelson

    Silêncio na MPB- JB- 29 de janeiro de 2009

    Ricardo Schott

    Fundado em 1977 e dono de catálogo no qual podiam ser encontradas obras de uma MPB que não toca em rádio, o selo Kuarup já enfrentava dificuldades financeiras há cerca de cinco anos. Parte de sua discografia vinha sendo motivo de briga na Justiça desde 1996, quando o violonista Turíbio Santos iniciou uma ação na qual pedia a proibição da comercialização de seus discos, tendo recebido cinco anos depois os masters de 10 de seus álbuns. Com o fim da gravadora, decretado na semana passada, seu acervo – composto de 200 títulos, entre eles álbuns célebres de artistas como Elomar, Xangai, Renato Teixeira, Pena Branca & Xavantinho, Henrique Cazes, Paulo Moura e Arthur Moreira Lima, além da maior coleção de discos gravados com a obra de Villa-Lobos – fica sem pouso certo.

    O cerrar das portas da gravadora foi anunciado por seu idealizador, Mário de Aratanha (que tocava o negócio com a socióloga francesa Janine Houard), sem alarde. Um aviso, distribuído a artistas e lojistas, foi postado no site da gravadora. "Ao longo dos últimos anos, as vendas de produtos físicos sofreram queda vertiginosa, nem de longe compensada pelas vendas por download. Entendemos que a crise do CD é irreversível e tornou inviável nosso modelo de negócio, inteiramente calcado na produção e comercialização de música de qualidade"

    Não há negociações com selos ainda. Mas alguns donos de gravadora já sonham com o catálogo. É o caso de João Augusto, diretor da Deckdisc, que reeditou recentemente o CD Pixinguinha de bolso, gravado em 2000 pelo cavaquinista Henrique Cazes.

    – Cheguei a estudar o catálogo deles nos últimos anos, até por amizade ao Mário. E é um acervo realmente magnífico – afirma. – Seria ótimo termos discos de Xangai e Elomar em nosso catálogo, mas não chegamos a conversar ainda sobre isso.

    Os artistas do selo – boa parte ainda na independência e alguns sem nenhuma obra nas lojas – procuram seus destinos.

    – Não esperava que isso fosse acontecer, até porque nos últimos encontros com a direção da gravadora não se falava do fim dela – diz o saxofonista Paulo Moura, que em 1983 gravou pela Kuarup um pioneiro disco mixado em digital, Mistura e manda. – Quero meus discos que gravei lá de volta. Não sei como vai ficar com o fechamento do escritório deles.

    Procurado pelo Jornal do Brasil, Turibio Santos, diretor do Museu Villa-Lobos, não quis se pronunciar sobre a Kuarup ou a situação do catálogo de Villa-Lobos.

    – Tudo o que eu falar sobre eles, depois desse processo, vai ser besteirol – justifica-se, recordando a antiga briga judicial.

    Cazes lamenta que nada seja feito para recuperar os álbuns dedicados a Villa-Lobos.

    – Ainda mais se levarmos em conta que estamos nos 50 anos de morte de Villa-Lobos. Num país sério, todo este catálogo estaria sendo vendido numa caixa especial.

    Antonio Adolfo, que licenciava suas obras independentes para distribuição pela Kuarup, afirma ter sabido do fim da gravadora por intermédio do próprio Aratanha, de quem é amigo há 30 anos, há algumas semanas. Com o encerramento das atividades, ficou sem uma empresa para distribuí-lo – o que, na prática, significa que discos históricos seus, como Feito em casa (lançado independente em 1977 e reeditado pela Kuarup), estão fora das lojas.

    – Agora, só comprando pessoalmente na minha escola de música. Fechando a Kuarup, perde-se muita coisa. As pessoas podem baixar dos sites ilegais, mas os artistas vão deixar de ganhar com suas obras. – analisa Adolfo, que lamenta especialmente pela não-distribuição das obras de artistas que têm seu catálogo quase integralmente ligado ao selo, como o baiano Elomar e suas antífonas, cuja obra completa está sendo rastreada e deverá ser adquirida pela fundação que cuida de seu trabalho, a Casa dos Carneiros.

    Pego de surpresa, Renato Teixeira sequer sabia do fim do selo.

    – Não sei como o Aratanha vai conduzir isso, nem como vai ficar meu catálogo – diz o cantor, que, entre seus álbuns, deixou lá o histórico Ao vivo no Rio – Dez anos de Romaria, que registrou seu primeiro grande show na cidade, em 2000 – Espero que o patrimônio deles nunca seja esquecido.

    Colega de Aratanha na Associação Brasileira de Música Independente (ABMI) e dono da gravadora Visom, Carlos de Andrade vê no enxugamento dos pontos de vendas uma da razões para o fim da Kuarup.

    – Os vendedores não sabiam como lidar com o catálogo. Quando as lojas diminuíram e começou essa história de vender CD até em banca de jornal, foi o começo do fim – afirma Andrade. – A Kuarup tem o melhor acervo da história da música brasileira. Foi a gravadora que fotografou musicalmente o país. Nos últimos tempos vinha tendo dificuldades para pagar contas..

    Procurado pelo Jornal do Brasil, Aratanha, através de sua assessoria, diz que não quer ser pronunciar.

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  4. Concordo com o que PSL e Gina comentaram: acho que o que está em crise é o modelo convencional de comercialização de música patrocinado pelas gravadoras - e já vai tarde. No exterior, não vejo artistas reclamando, os mais espertos já descobriram que não precisam ficar amarrados a gravadoras e conseguem grandes tiragens de álbums vendidos pela internet ou até mesmo de graça. Com relação ao caso da Kuarup, nota-se que os donos foram ingenuamente atropelados no seu modelo de negócio, "inteiramente calcado na produção e comercialização de música de qualidade", quando na verdade o problema é a distribuição. Para quem gosta de música brasileira, existem inúmeros e amplos sites na Internet com álbuns fora de catálogo. Os interessados só não aprenderam é a ganhar dinheiro com eles.

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  5. Sobre o delírio do mundo virtual é muito oportuna a crônica de Ruy Castro publicada na Folha de São Paulo, a seguir.
    Nelson

    São Paulo, sábado, 14 de fevereiro de 2009

    RUY CASTRO

    A vida virtual

    RIO DE JANEIRO - O jornal impresso é uma mídia física. E, como todas as mídias físicas, corre sério perigo. Nem o tubarão australiano Rupert Murdoch quer mais "imprimir sobre árvores mortas", como ele ingratamente disse. O jornal do futuro será um celular a ser levado na palma da mão, inclusive para o banheiro, que sempre foi o melhor lugar para ler jornal.
    O livro também é uma mídia física. E, como tal, igualmente está com as barbas de molho. Para o seu lugar, já existe o (por enquanto, só nos EUA) Amazon kindle, um leitor de livros eletrônicos do estoque invisível da Amazon, a famosa loja virtual. A engenhoca "baixa" milhares de títulos, do pioneiro "Le morte d'Arthur", de 1485, ao último escritor afegão, irlandês ou africano inventado pelas editoras.
    O CD também é uma mídia física, e já quase em estado ectoplásmico. Ninguém mais pensa em comprar discos. Com dois toques num aparelhinho, a música que você quer surge de uma discoteca no espaço e penetra para sempre no seu iPod, indo fazer companhia às 180 horas de música que você já armazenou e que, um dia, pretende ouvir, todas de uma vez.
    E o DVD é outra mídia física em avançado estágio de decomposição. Assim como se "baixam" músicas, "baixam-se" filmes, legal ou ilegalmente -de "A Vida de Cristo", de 1904, ao último Woody Allen, que ele ainda nem terminou de filmar-, para ser vistos numa telinha de três polegadas. Se você for monoglota, o pirata "baixa" as legendas em português, e estamos conversados.
    De repente, concluo que, como o jornal, o livro, o CD e o DVD, eu também sou uma mídia física. Donde, como eles, candidato à extinção. Talvez um dia me transforme num espírito puro, virtual. Mas, se puder escolher, vou preferir impuro -não sei se a vida apenas virtual tem essa graça toda.

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