sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

A Suposta Favelização do Cinema Brasileiro


Há quem não suporte mais os filmes brasileiros que de forma direta ou indireta remetem à questão das favelas e suas inúmeras implicações. Na última quarta-feira novamente ônibus foram incendiados, perto do Morro da Mangueira, em protesto dos moradores pela morte de um chefe de tráfico. Enquanto problemas gravíssimos como este continuar existindo aliados com caveirões arrepiantes e sórdidos e domínios tão deletérios como os dos traficantes que são os das milícias, muitas facetas a arte cinematográfica ainda pode explorar. Daria um bom documentário filmar estes incêndios e depois entrevistar as pessoas para entendermos melhor o porquê de suas revoltas. Por que estariam reagindo com mais violência à violência candente que já enfrentam no cotidiano?

“Próxima Parada 174” de Bruno Barreto tem suas deficiências internas com diálogos didáticos demais, ainda que exiba grande eficiência técnica. Mas jamais deveríamos dizer que é um filme que não merecia ser feito, mesmo com a sombra do maravilhoso “”Ônibus 174” de José Padilha pairando sobre ele. Bruno deslocou o olhar deste fato célebre. Daí a sua pertinência. Mesmo com final desastroso e apressado, o mesmo se pode dizer de “Era Uma Vez” de Breno Silveira.

Quando o genial cineasta Elia Kazan fez parte de um Festival Internacional de Cinema com sede no Hotel Nacional de São Conrado (hoje um elefante branco fechado) e viu a Rocinha, ficou espantado de como não tínhamos medo de que o pessoal da favela um dia descesse para “roubar o asfalto”. Via uma violência latente, com toda razão, por mais que saibamos que muitas pessoas honestas ali moram. De lá pra cá a Rocinha cresceu ainda mais.

Agora passamos no Rio de Janeiro, com o novo prefeito, o que se chama “choque de ordem”. Em linhas gerais concordo, mas há detalhes em que se tem que prestar bastante atenção: qual é a qualidade real e humana destes abrigos para onde querem levar os que moram nas ruas (tenho receio que não fujam do horror das Febens que já vimos em filmes como “Pixote” de Hector Babenco e no citado filme de Bruno Barreto); do que viverão os camelôs sem suas atividades ( eu, sem nenhum cinismo, prefiro o incômodo dos camelôs do que eles passando a ser assaltantes......). Aliás, João Estrela, que inspirou “Meu Nome Não é Johnny” levantou uma questão bastante pertinente: em que vão trabalhar muitas pessoas ligadas ao tráfico se este comércio de drogas for legalizado, uma idéia para a qual tenho simpatia e temor?

Enfim temos problemas bastante complexos que merecem muitas análises, estudos e por que não: inspirar filmes ao cinema brasileiro, pois nem toda história já foi contada e podemos encontrar muitos novos ângulos para esta questão atordoante e cotidiana.

Um ponto ainda a ressaltar: mesmo com todos estes “filmes de favela”, no conjunto da retomada do Cinema Brasileiro temos as mais variadas estéticas e tendências para se acompanhar. É um momento muito rico do Cinema Brasileiro, mesmo com as baixas bilheterias que andam acontecendo ultimamente e temos muitos projetos interessantes na gaveta, esperando exibição.

Tenho um poema que expressa minha perplexidade com o que chamam agora eufemisticamente de “desordem”. Vamos ver se vocês gostam.

Divina Encrenca

Adoniram Charutinho,
Estou aqui na rua
Sem teto,
Sem calor,
Sem carinho,
Sem afeto
Sem amor
de qualquer maneira.
Será que Deus
dá mesmo o frio
conforme o cobertor?
Ou isso é uma besteira?
Você, meu querido que está aí....
Pergunte pra Ele porque estou aqui!
Sabe Ele a minha idade?
Sabe Ele o que acontece na nossa cidade?
Lá em cima nos morros,
Cá embaixo nas ruas....
E eu com as minhas carnes
Quase nuas...
Sabe Ele, realmente, o que está fazendo?
Será que Ele sabe do meu corpo de menino doendo?
Será que Ele sabe o que é uma bala perdida?
É Ele mesmo que comanda e escolhe o “álvaro”
da filha da puta?

Adoniram de Saudosas Malocas
Será que seremos sempre porra-loucas?
Pergunte pra Ele, se sabe
O que significa “Tsumani na Alma”...
Aqui Tio Bergman entendia um pouco disso...
Aí Ele deve entender disso demais...
Mas se Ele não responder,
Não o perturbe mais!
Ele pode se irritar!
Garanta aí o seu bem-estar!
Você fez por merecer!
Mas só mais uma coisa:
Sabe que o Trem-das-Onze,
Agora mesmo no século vinte e um
ainda tá cheio de gente sem nenhum...
puto!?

Puta-que-nos-pariu!!!!
Mas chega de luto!
Vamos à luta,
Na dura disputa nossa de cada dia.
“Sorria”
Que estão filmando
E estou me acostumando
Com a vida que ando levando,
Feliz ou infelizmente....
Já nem sei..
Mas Adoniram
Eu não resisto
E insisto:
Só mais umas perguntinhas.

Juro que não são pegadinhas....
Responda você mesmo,
Pra não incomodar o HOMEM!
Eu sei que você é paulista e eu carioca,
a droga é malhada tanto lá como aqui
E eu descascando esse abacaxi.
Pois então me responda,
Tire minhas dúvidas!
A pessoa é realmente pra o que nasce,
Mesmo que às vezes
tenha a força de um pé de alface?
Vale a pena dar a outra face?
Eu mereço?
Nos merecemos?
Por que?
Até quando?
Se não souber
Ou não quiser responder,
Eu não vou me ofender.
Pergunte ao Betinho,
Com jeitinho....
Ao Henfil não,
Pois virá palavrão...

Abraços&Beijos
Lembranças pra Elis.
Mente pra ela que estou feliz...

Nelson Rodrigues de Souza

2 comentários:

  1. Emocionante poema e belas homenagens cruzadas a Adoniran, musica brasilira, Elis, Bergman etc.Parabens! Elie

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  2. Prezado

    De minha parte acho esse discurso de "favelização" do cinema brasileiro, mais umdesses modismos que de tempos em tempos aderem aos discursos da parte de uma turma que não se sente confortável em outro sítio que não o do coro da unanimidade.Exemplo: já foi mais comum, mas eu ainda ouço resíduos daquela conversa de que "não gosto de cinema brasileiro porque só tem sexo e palavrão" (como se não os tivessem, os filmes americanos).

    O curioso, contudo, é que a moda da vez éregurgitada por quem, em princípio, entende do traçado - os que criticavam o cinema nacional em tempos idos, via de regra, não o conheciam.

    Para mim, o que há são bons filmes sobre favela, e defenestráveis filmes sobre favela. E, digo ainda, concordando em linhas gerais contigo, que muita estória boa sobre essas comunidades estão para ser filmadas - considerando, então, a pletora de episódios com que somos diuturnamente surpreendidos pela mídia escrita e televisiva (desde bandido invadindo posto de saúde para caçar prontuário da jovem que supostamente teria transmitido o virus do HIV para ele, até crocodilos criados lautamente a fim de aterrorizar desafetos em potencial).

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