terça-feira, 20 de julho de 2010

Poemas do Subterrâneo- Parte 2-Ódio ao Trabalho




Poemas do Subterrâneo- Parte 2

Ódio ao Trabalho

Este trabalho tão aético

Neste ambiente anti-séptico

Faz-nos perder a calma

Faz-nos vender a alma

Ao primeiro diabo que aparece


Este trabalho tão anêmico

Neste sistema neurastênico

Faz-nos sentir covardes

Faz-nos ansiar pela tarde

Enquanto a mente demente entorpece


Este trabalho tão aviltante

Nesta prisão sufocante

Faz-nos cair em arapucas

Faz-nos sonhar com bazucas

E clamar aos céus com uma prece


Este trabalho tão mesquinho

Nesta sala em desalinho

Faz-nos entornar o caldo

Faz-nos soçobrar como rescaldo

De um eterno incêndio que acontece


Este trabalho tão deletério

Neste espaço cheio de mistérios

Faz-nos morrer de tédio

Faz-nos do salário um assédio

Que trata a fome e ao espírito empobrece


Este trabalho tão superficial

Neste refúgio banal

Faz-nos ter os nervos em frangalhos

Faz-nos funcionar como quebra-galhos

Para um fim que a gente, alienados, desconhece


Este trabalho tão subalterno

Neste pelourinho moderno

Faz-nos mergulhar em desvarios

Faz-nos ficar tão sombrios

E a memória, angustiada, só grita: Esquece!


Este trabalho tão surreal

Neste poleiro infernal

Faz-nos sair com evasivas

Faz-nos desperdiçar a saliva

E o coração, na contramão, enrijece


Este trabalho tão enganoso

Neste terreiro nervoso

Faz-nos pisar em falso

Faz-nos ascender ao cadafalso

E o capataz, falaz, nem enrubesce


Este trabalho tão infrutífero

Neste sótão soporífero

Faz-nos corroer as entranhas

Faz-nos apelar pra artimanhas

Enquanto o erário enfraquece


Este trabalho tão desgastante

Neste clima reinante

Faz-nos sofrer com trapaças

Faz-nos prever só desgraças

Enquanto o algoz enriquece


Este trabalho tão mecânico

Neste recanto satânico

Faz-nos sorrir entre dentes

Faz-nos ficar doentes

Não criando nada que interesse


Este trabalho tão lúgubre

Neste tugúrio insalubre

Faz-nos virar do avesso

Faz-nos ficar travessos

E cínicos diante do que aparece


Este trabalho tão inefável

Neste ambiente nada amável

Faz-nos levantar a lebre

Faz-nos ficar com febre

Enquanto o ânimo enfraquece


Este trabalho tão impessoal

Nesta região abissal

Faz-nos sentir malditos

Faz-nos dizer o dito pelo não dito

E a voz envergonhada enrouquece


Este trabalho....Este trabalho...

Este trabalho....Este trabalho...

Este trabalho....Este trabalho...

Este trabalho....Este trabalho...

Este trabalho....Este trabalho...

Até quando?

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Nelson Rodrigues de Souza

2 comentários:

  1. Como ex-vendora Avon, acho que o poema é muito oportuno. Laudely Peçanha

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  2. Tem dias em que este poema se encaixa como uma luva. Carla Carvalho de Souza. Belém - PA

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