segunda-feira, 19 de julho de 2010

Poemas do Subterrâneo-Parte 1




Sodoma e Gomorra

E aqueles olhares tão furtivos a se procurarem no escuro

E aquelas almas tão ingênuas procurando suas gêmeas

E aqueles corpos tão molhados, extenuados, exalando seus perfumes

E aquelas sombras tão anômalas requerendo suas fatias

E aquelas vidas loucas pulsando fortes como-vidas...

Lola

Lola contando histórias

Lola alucinando a memória

Relata seus doze anos de glória

Na fábrica de tecidos inglória

E a vida tecida de fios tão tênues

Tece novas vidas indecifráveis

E a esfinge-mãe se apavora

Ante os enigmas gerados

E o amor pleno de nove-horas

Escapa pelos ladrões

Não sabe pra onde vai

Se sente acuado

Queima

Meu coração descansa

Sem saber o que aconteceu

Minha mente avança

Maltratando o próprio eu

Ele agora questiona

Se ganhou ou se perdeu

Sim, com certeza

Ele se perdeu

Quem ocupará

O vazio que o devora?

Quem se aventurará

A querê-lo agora?

Quem o acompanhará

Pela vida afora?

Quem o ajudará

Nesta louca hora?

E o horizonte que o paralisa

O faz sempre sobressaltar

Do tormento que o destino avisa

É preciso não descuidar

E o coração na mão

Sofre tanto desencanto

Ansiando por razão

Bicho-Pega ou Bicho-Mata

Essa trilha que eu abro

Eu não sei onde vai dar

Será que na ponta está o mar?

Ou será que o destino é mesmo o abismo?

Eu só sei que aqui é demais o descalabro

Já é mais que tempo de acabar com este cinismo

É a hora em que a onça quer sua água

E nesta clareira onde estou

Não há fogueira que dê jeito nesta mágoa

Mais do que depressa eu me vou

E como um rei

Indo em busca de seu trono perdido

Eu só sei que vi-verei

Atrás do meu eu desaparecido

Moviver

Do motor tão recôndito que me move

Eu não sei direito que líquido sacia sua sede

Eu não sei se é o amor ou mais o medo

Eu só sei que parto louco

Em busca de algo nem que seja um arremedo

Voragem

E aquele marinheiro

De primeira viagem

Criou coragem

E embarcou

Na voragem da paixão

Alpinismo

O eu adormecido

Nos labirintos da alma

Não sabe o que quer

Simplesmente pergunta

Se ainda há tempo

De galgar as paredes

E respirar ar puro

E sentir o perfume das flores

E adquirir mais calma

E matar sua sede

E sentir um alento

Indo em busca de amores

Água-Viva

E ele atravessou os meses

Como quem dá braçadas num oceano

A procura de um cais

Engoliu muita água às vezes

Quase se afogou num ledo engano

Tentando dizimar seus ais

E agora surgiu como peixe fora d’água

Respirando num mormaço

Naufragando por cansaço

Se contendo pra não transbordar de mágoa

Neste caminho assolado por uma enchente impiedosa

Muitos sonhos se perderam na enxurrada

Mas o que era mais vital sedimentou-se na largada

E sem espinhos, do lodo profundo nasce a rosa encantada

Espírito

Esse espírito

Eternamente vagando a procura de paz

Eternamente clamando por um algo mais

Eternamente gritando que já é demais

Eternamente tentando ser mais capaz

Eternamente empurrando a dor para trás

Eternamente desconfiando daquilo que faz

Esse espírito

Eternamente explodindo, implodindo

Eternamente espírito.

Consciência

Ah! Consciência

Com que freqüência

Você me pede clemência

E me diz que é sua última demência

E pensa

Que ninguém notará sua ausência.

Feira

Cinelândia, esse templo

Em que passeio e contemplo

Os livros e os homens

Os homens e os livros

Dos livros vejo as capas, leio as orelhas

Dos homens vejo os olhos, as sobrancelhas

Dos livros sinto a cor, a textura

Dos homens o odor, a formosura

Que viagem me será mais grata?

A com seres imaginários

Ou com estes outros, temerários

Solidão, paletó e gravata?

O que importa é que estes momentos

Essa trilha, este percurso

Transformam-se em fragmentos

De um grande e amoroso discurso

Sonho

Esse sonho que nunca se acaba

E faz o coração pulsar sempre, sempre

Mesmo quando a casa faz que desaba

O amor cresce que cresce dentro da gente

Acordar

Eu quero o rumor dos ventos açoitando palmeiras

Eu quero os murmúrios de prantos contidos

Eu quero o barulho de grilos ensandecidos na noite

Eu quero os gritos das noites esmagando as tardes

Para zombar do silêncio embriagado do eu

E acordar o quanto antes

Enquanto ainda é tempo.

Medo

Medo, ora mola propulsora

Ora camisa-de-força

Fogo que ilumina

Fogo que queima

Eterno abrasivo.

Aventura

Escavando o eu à procura de tesouros enterrados?

Cuidado!

Há estágios em que a crosta é muito forte

E as lavas quietas ameaçam emergir

E o que era humano se transforma em dragão...

Mas não tem nada não!

Valerá a pena conhecer os afrescos

Abrir a arca com unhas e dentes

E revirá-la com sofreguidão

E misturar o medo, a dor e a solidão

E revelar e receber de mãos beijadas

O ouro da esperança.

Ponte

No meio da ponte

Eu não volto nem vou

Só sei que onde estou

Não há nada que aponte

Que o risco acabou

Mas olho para as laterais

E recolho meus ais

E tomo fôlego

E avanço todo trôpego

Destino lá vou eu

Mergulhando cego no breu.

Naufrágio

Esse eu que chora

Esse eu que ri

Travam luta acirrada

De vida ou morte

E ainda mais agora

Que é urgente aqui

Não ser a mente atropelada

E contar com toda sorte

Mas vai o barco alucinado

Naufragando estes dois seres

E esse eu já tão marcado

Vê minado seus poderes

Todavia estes duendes tão estranhos

Apegam-se firmes a uma ilha

Com uma força que não tem tamanho

Enlaçando as mãos tal como mãe e filha.

Desejo

Meu coração quer brincar de amor

Mas não quer amar

Está por demais atento à dor

Com medo de se deixar levar

E as mãos se tocam trêmulas

Os olhares cruzam-se como que longe

Os corpos tornam-se sombras

E o desejo apenas tinge-se de paixão

E as palavras como facas de dois gumes

Escondem mais significados do que revelam

Até que um dia o vigia adormeça

E o amor esteja pra qualquer coisa que aconteça.

Limiar

O pássaro retrocede frustrando a arapuca

A deusa desmaia retardando o sacrifício

A roleta emperra adiando o infortúnio

A sentinela distrai-se favorecendo os bárbaros

O amante adormece entristecendo o companheiro

O trabalho amplia-se reduzindo as férias

A vidraça orvalha-se ocultando a paisagem

A mão arrepende-se recusando a esmola

A voz controla-se aliviando o patrão

O corpo arrepia-se temperando a febre

A água acaba exasperando a sede

A dor arrefece possibilitando certa razão

E o amor rejuvenesce privilegiando a paixão

Dúvida

Eu acho que o que você acha

Que eu acho que você acha

Ou vai ou racha...

E antes que a gente se perca

E você e eu não se achemos

Eu sugiro que a gente tome até uma cachaça

Pra acabar de vez com toda esta pirraça

E assim a gente rechaça

Esta coisa já sem graça

E a dúvida passa

Evitando qualquer desgraça.

Natureza Viva ou Morta

O Cristo coberto sob as nuvens

O monte insinuando-se um gigante

A tarde dando seus últimos suspiros

Os barcos imóveis na tarde cinzenta

A praia com poucos seres intrépidos

A lancha cobrindo as águas de rastros

Os prédios ocultos no que resta de verde

O farol vermelho antecipando-se à noite

A polícia em busca de amantes ocultos

O monumento aturdindo nossos vivos

Os carros avançando atônitos e febris

São sinais de uma velha e cansada cidade

Que se transfigura a cada segundo

Fazendo bailar loucamente as retinas.

Solidão

Eu ando pela vida de mansinho

Tentando enganar a solidão

Mas a qualquer momento, em qualquer esquina

Ela acorda ofegante

E vem reclamar o seu quinhão.

Fagulhas

Meu amor,

Perdoe-me, por favor,

Por eu rimar mais uma vez amor com dor

Mas é que estou muito carente da sua anestesia

Vem me abraçar com seus braços feitos agulhas

E não importa que saiam até fagulhas

Eu quero mesmo é ver a noite se entregar

E dar lugar ao dia.

Vingança

Afiando as facas

Preparando as esporas

Ultimando o patíbulo

Montando o cadafalso

Atando os nós da forca

Armando a guilhotina

Abrindo o cano de gás


Preparando a carnificina oficial

O homem faz do homem

O que a natureza não quis

Supondo cortar o mal pela raiz

Mal sabendo que nada mais faz

Do que aumentar o que já é demais

E a dor se alastrando

O desamor imperando

A vingança clamando

Faz da caça o caçador

À procura do amanhã

Que se fartou da noite

E mais nenhum açoite

O demoverá deste fim

Verão

Num dia claro

Bem claro

De verão

Verão

Tudo que tenho

O amor que mantenho

Ouvirão

A voz engasgada

A dor embargada

Serão

O que nunca souberam

Ou nunca quiseram

Terão

Primavera, Verão, Outono, Inverno

Em vez deste Inferno

Num mesmo dia claro

Bem claro

De verão

Ou não?

Testemunha Ocular

Essas luzes da cidade fortaleza

Tão acesas

Dão a idéia de umas vidas

Que se esvaem muito presas

Olho o menino do patamar azul turquesa

E ele sorri pra mim

Insinuando-se como criatura indefesa

Eu subo até a janela pronto a virar a mesa

E pulo ao céu-encontro

Que beleza!Que surpresa!

É o fim das incertezas

É o tempo das sutilezas.

Crescei-vos e Multiplicai-vos

Menino do tambor de lata

Cresça e apareça

Que a festa da vida

Não pode esperar

Não tenha medo

Pois se o medo matasse

Eu não estaria aqui

Vivo a te en-cantar

Vamos em frente, tente

Já não há mais tempo

Pra se lamentar

E o que vier a gente

Grita, traça, amansa

E eu vou ver esta criança

Toda cheia de esperança

Apostando alto até no azar.

Sementes

Será que esse aprendiz

Não enxerga um palmo diante do nariz?

Será que em vez de cortar o mal pela raiz

Só lançou novas sementes?

Traição

E a fala mansa, rouca, inquieta

Como um sorrateiro e tímido beijo

Desvendava os meandros da traição

E o olhar vago, atônito, aflito

Como um dissimulado e brilhante punhal

Sangrava como se suplicasse por perdão.

Cisma

E o fantasma da criatividade

Com seu dom de criar novos fantasmas

Contorce os neurônios deixando a mente pasma

E as palavras que precipitam loucas no branco

São atos falhos de ambições, senões e veleidades

Que deixam marcas indeléveis como um cancro

E tingem nossa vida de vertigem

E nos empurra para o poço da irrealidade.

X,Y,Z

Na equação do amor as igualdades diferem

As incógnitas se multiplicam

As soluções não convergem

Métodos triviais não se aplicam

X e Y perdem seus valores

X e Y se fundem

Ambos dependem e independem

Num conjunto universo de amores

X e Y se anulam

X e Y tendem ao infinito

X e Y variam

Numa exasperada gama de conflitos

Na equação do amor

X não é igual a Y

Ainda que sejam iguais a Z.

Lacuna Para Um Patrão

A passadeira passou mal

E foi...................embora.

Travessia

Ele, pobre pedestre

Ao atravessar um cruzamento

Faz dos olhos faiscantes dos motoristas

O seu verdadeiro semáforo

Face a face com o inimigo

Ele vocifera internamente, desafiante:

“Seu empedernido quadrúpede

Vai ter coragem de avançar sobre este mero bípede

Que lhe contempla?”

Intempestivo

O tempo, este carrasco

Que bebe a nossa vida

E nos esconde o frasco

Forçando o beco a ter saída

O tempo, este insensível

Que é a tudo alheio

Que não sabe o que é freio

E nivela o possível e o impossível

O tempo, este absurdo

Que brinca com a História

Que fica quieto e surdo

E torna a glória inglória

O tempo, este arlequim

Que ri sutil e terno

Que é como um trampolim

Pra tudo que é eterno.

Aniversário

Aniversário, esse delírio do calendário

Que instiga o imaginário

A fazer um inventário

Pra mudar o itinerário.

Web Sentimental

Computador, computador

Você que tudo computa

Será que computa a minha dor?

Ali-Inação

Eu não sei se é consciência demais

Eu só sei que não sou mais capaz

De acreditar nas promessas

De perder tempo à beça

Assistindo-o dançar

Conforme a cantilena

Que nos obriga a escutar

Que pena! Que pena!


Disputa

Que tristeza!

Poetas colocando o pau na mesa,

Para disputarem

Quem reluz maior beleza.

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Nelson Rodrigues de Souza

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