sexta-feira, 23 de julho de 2010

"A Doce Mulher Armada"- Um conto ( um filme?)




A Doce Mulher Armada

- Quando quebrei meu cartão magnético da conta corrente e passei a ansiar pela reposição, não imaginava as agruras que enfrentaria. Tendo trabalhado exaustivamente na sexta-feira, só à noitinha em casa é que me dei conta de que estava sem nenhum tostão para passar o fim de semana. É para eventualidades como essas que abri uma conta no banco do Aeroporto Santos Dumont, dado que aquela agência fica aberta até dez horas da noite. Peguei um táxi e para lá me dirigi antes que soasse as dez badaladas. Abasteci-me o suficiente de grana, entrei na interminável fila de táxi (o danado que me levou não quis esperar-me) e depois de algum tempo mofando (como é movimentada esta ponte-aérea!) consegui a tão sonhada condução. Entrei, dei o meu destino (Rua Benjamin Constant, Glória) e o que escuto?

Minha senhora eu não esperei tanto nesta fila de táxi para ir só à Glória.Tem de ser uma corrida pelo menos até Botafogo. Eu não posso...

- Eu não me intimidei: Olha aqui meu senhor, eu esperei bastante e tenho o direito de ser levada aonde desejar! Nestes tempos bicudos atuais deveriam é agradecer-nos por pegarmos táxi ainda! Ele argumentou:

Mas a senhora, já que era para ir tão perto, poderia ter pegado um táxi fora da fila. Os guardas quebrariam esse galho.” Eu rebati:

Por favor, vamos! Estou perdendo tempo!”

-E o motorista pôs o pé no acelerador e disparou cidade adentro, cortando tudo quanto era automóvel, brecando bruscamente nos sinais, deixando-me como que paralisada de medo com o que poderia acontecer. Eu pedi encarecidamente para que ele andasse devagar, com segurança, mas ele permaneceu irredutível. A sua cara amarrada não dizia uma só palavra. Estava como que determinado a matar-nos num acidente estúpido qualquer, por vingança. Se ele não tem amor à vida, eu tenho!Eu gritava a não mais poder. Cheguei até a sacudí-lo, dar-lhe um tapa no rosto para ver se acordava de sua insanidade e nada!Ele dirigiu com mais pressa ainda!Tirei o revólver da bolsa, ameacei-o e ele gritou que eu não fosse louca, que aí é que iríamos os dois mesmo para o beleléu. Foi então que não sei como a arma disparou.

- Como assim minha senhora, quer dizer que foi um disparo acidental?

- Eu juro inspetor, só queria assustá-lo! Eu não sabia aonde aquela louca corrida (sentia-me num autódromo!) iria nos levar! Eu pressentia o pior.

- E assim a senhora acertou o motorista de um carro que trafegava ao lado!

- Sim foi horrível! Eu jamais esquecerei aquela cena: o carro desgovernado batendo no poste, capotando. O motorista jogado, todo ensangüentado e estatelado no chão!

- Então?

- Só assim esse maldito aqui parou o táxi! Começou então a gritar comigo que eu era louca!Mas veja só... Se a culpa é toda dele!...

- Inspetor, eu fiquei quieto até agora nesta delegacia, mas eu não posso me calar mais não. Eu disse e repito: esta senhora é uma louca! Eu não estava correndo coisa nenhuma! Simplesmente naquela hora da noite o trânsito estava folgado e eu pude me movimentar com maior facilidade. Era uma corrida normal. Como uma louca dessas anda armada?

- É mentira! Ele fez das ruas uma corrida de Fórmula1. Devia estar pensando que estava em Monza, Interlagos, Monte Carlo e não no centro do Rio de Janeiro. Estava é querendo matar-me de susto ou num acidente mesmo!... Por favor, inspetor, esses gritos lá de dentro estão atrapalhando... Deixam-me mais nervosa ainda!

- Deixe isso pra lá minha senhora. Eu quero é saber por que é que a senhora conseguiu porte de arma?

- Inspetor, eu não gostaria de lembrar essa história aqui, mas vejo que serei obrigada.

- Ótimo, minha senhora...

- Depois que me separei do Augusto, eu não tive mais sossego. Foi uma separação muito dolorosa, nada amigável. Ele não queria pagar-me a pensão a que tinha direito. Chegou até a ameaçar bater-me, matar-me. A justiça concedeu-me o que tinha direito e ele passou a perseguir-me, ligava de madrugada lá pra casa, eu atendia e ninguém respondia. Várias vezes! Várias vezes! Eu tenho certeza que era ele! Eu não tinha mais sossego, sozinha naquela casa! Mas esses gritos continuam. Assim, eu não consigo falar inspetor..

- Deixa isso pra lá minha senhora! Continue...

- Com a ajuda de meu advogado eu consegui um porte de armas. E eu precisava defender-me. Além da ameaça eterna do Augusto, tem os assaltos. Já me roubaram três vezes. Assaltaram a casa do vizinho. Levaram tudo! Eu tenho de deixar as minhas jóias todas, escondidas no cofre do banco! Eu já não posso usar nem uma correntinha de ouro!

- É minha senhora!Você e seu vizinho, aliás, a população toda desta cidade está sendo vítima dos direitos humanos!Depois que os jornais publicaram aquela foto sensacionalista de um grupo de marginais negros atados por uma corda, igualzinho aos negros escravos, nos proibiram de dar batidas como se deve dar nos morros e agora já não se consegue prender muitos ladrões e traficantes que ficam impunes. Só uns privilegiados têm o direito a ações.

- O senhor veja bem então inspetor. Eu não sou nenhuma louca que andava armada não. Eu tenho as minhas reais necessidades de portar armas. Desculpe-me a franqueza, mas a policia não tem mais dado conta desses marginais...

- Não deixam nós darmos conta minha senhora. É diferente.

- Tudo bem inspetor, ela tem lá suas razões para andar armada, mas eu não tenho nada com isso. Eu estava apenas trabalhando. Eu reclamei que a corrida era pequena, mas não recusei a levá-la. Só que ela é muito afobada, nervosa!

- Por que o senhor não parou quando eu pedi?

- Eu achei um desaforo a senhora duvidar da minha perícia como motorista. Eu tenho anos na praça e nunca me aconteceu nada!... Esses gritos... Esse ambiente está insuportável...

- Quer dizer então que o senhor não estava correndo. Foi só uma impressão, uma auto-sugestão desta senhora?

- Foi isso mesmo!

- Este homem está mentindo!

- Pois bem. A senhora espere um pouquinho aqui que eu e ele vamos lá dentro conversar com o Olegário.

- O que o senhor pretende comigo?

- Venha!Nada de perguntas. Quem pergunta aqui somos nós!

- Por favor, eu tenho família! Vocês não podem fazer isso comigo! Eu sou inocente!

- Então o senhor não tem nada a temer. Vamos!

- Por favor, não!

- Vamos senão seremos obrigados a arrastá-lo.

- Está bem, eu confesso! Não precisa me levar lá dentro não. Eu só queria assustá-la um pouquinho. Eu estava tomando o máximo de cuidado. Apenas queria castigá-la um pouco pela sua arrogância. Só isso, nada mais. Eu não sabia...eu não poderia esperar que tudo isso fosse acontecer!

- Está vendo minha senhora, como é que se trabalha?

- Vocês não podem me culpar por tudo que aconteceu. Eu trabalho que nem louco o dia inteiro. Chega de noite minha cabeça está estourando e ainda por cima tenho de ouvir essas insolências. Eu estava apenas com muita raiva!

- Bem inspetor, o senhor agora já tem todos os elementos que configuram a minha inocência! Eu agi em legítima defesa como qualquer pessoa sensata faria! Eu gostaria de ir embora agora daqui. Estou muito cansada. Desde que passei cinco horas em frente ao Dakota em Nova York pra ver a Lauren Bacall que eu não me cansava desta maneira!Sou muito grata pela atenção e eficiência demonstrada.

- Espere só um momentinho minha senhora, tem de assinar alguns papéis.

- E eu inspetor?

- Eu não gostaria de estar na sua pele. Bem o senhor aí no canto, é o irmão da vítima, não? Aproxime-se. O senhor teria algo a acrescentar?

- Por favor, o senhor é minha única testemunha. Eu não causei a morte de seu irmão coisa nenhuma! O senhor tem de me ajudar. Eu fui obrigado a mentir, fui coagido! Fiquei com medo do que poderia me acontecer lá dentro! Eu estava andando depressa, mas não estava correndo!...

- Como?

http://www.94fm.com.br/userfiles/image/carro%20capotado%20g1.jpg

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Nelson Rodrigues de Souza

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