quarta-feira, 28 de julho de 2010

O Divino Drama Humano - François Truffaut- Cinco Filmes de Antoine Doinel








Atenção: O texto adiante contém spoilers, ou seja, detalhes fundamentais são revelados para uma análise mais aprofundada.

François Truffaut- Cinco Filmes de Antoine Doinel

O Divino Drama Humano

Carlos, sossegue,

o amor é isso que você está vendo:

hoje beija, amanhã não beija,

depois de amanhã é domingo

e segunda-feira ninguém sabe o

que será.

Carlos Drummond de Andrade

François Truffaut nasceu em Paris em 1932. Até os 8 anos foi criado com a avó e depois foi morar com a mãe e seu pai adotivo, a quem deve o sobrenome. Desde cedo se interessou por Cinema e Literatura (especialmente Balzac). Ele se refugiava na Cinemateca e a tinha como uma vida paralela. Sua relação com os pais sempre foi muito conturbada e acabou sendo enviado para um reformatório por iniciativa deles. Fugiu, abandonou os estudos, acabou trabalhando numa fábrica, envolveu-se com a militância do cineclubismo e contraiu dívidas. Seu encontro com o célebre crítico André Bazin marcou um turning point na sua vida, pois André passou a ser seu protetor e mentor, o que o salvou da marginalidade. Trabalhando no Cahiers du Cinéma, dirigido por Bazin, deu forma a idéias que estavam ali fervilhando e escreveu em 1953 “Uma certa tendência do cinema francês”, onde atacava o que chamava pejorativamente de “Cinema de qualidade francês”. Em 1959 fez seu primeiro longa-metragem, “Os Incompreendidos”, de forte cunho autobiográfico, com o qual ganhou o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes. Seu filme é considerado um marco da Nouvelle Vague. A partir de então dirigiu mais de vinte longas-metragens, escreveu dezenas de roteiros, para si e outros cineastas e também livros onde o mais festejado é “Truffaut-Hitchcock”, oriundo de muitas horas de entrevistas com o mestre do suspense, a quem o cineasta francês, junto com colegas do Cahiers, passou a dar o status de grande autor que merecia. Num texto-entrevista extraído do livro "O cinema segundo François Truffaut” (Textos Reunidos por Anne Gillain, Editora Nova Fronteira, 1988) suas idéias sobre o velho e o novo, podem ser assim sintetizadas:

“Os filmes dos jovens cineastas parecem bastante com quem os faz, pois são realizados em total liberdade. E realmente a liberdade é o único ponto que temos em comum. Há muito que os diretores franceses tinham perdido o hábito de escolher o assunto a ser filmado, isto é, uma concepção de filme que trouxesse dentro de si, algo que sentissem visceralmente, que existisse em suas cabeças. Ao se tornarem vedetes, os cineastas franceses passaram a ser muito solicitados. Então, passaram a escolher em função das propostas que recebiam.”

“Para nós, o importante é nossa maneira de ver a vida, é falar sobre o que conhecemos. À verdade estereotipada, marca do cinema francês, nós tentamos opor nossa própria verdade pessoal.”

De uma forma injusta, estas mesmas qualidades que Truffaut apontava nos filmes da chamada Nouvelle Vague foram por alguns críticos e cineastas (especialmente Jean-Luc Godard, para quem escreveu o argumento de “Acossado”) negadas para parte da obra de Truffaut, sendo que há até quem considere medíocre uma autêntica jóia sua que é “A Noite Americana” (1973), que chegou a ganhar o Oscar de melhor filme estrangeiro, o que para muitos pode ser imperdoável, um atestado de rendição ao cinema mais comercial, esquecendo-se que até mesmo Bergman, Fellini, Vitório De Sica em altas doses de Oscars, também têm esta mancha em seus currículos... Críticos de prestígio como Jean-Claude Bernadet se equivocam quando afirmam que Claude Chabrol e Truffaut dão continuidade ao “cinema de qualidade” ao qual tinham se oposto. O mais amado dos diretores franceses morre em 1984 e nós, seus grandes admiradores ficamos privados da continuidade de uma obra que exalava lirismo 24 quadros por segundo.

Não é sem razão que Truffaut é tido como o cineasta que mais explorou o amor e suas várias circunstâncias em seus filmes. Dedicou muito amor às mulheres, aos livros, às crianças e por que não dizer aos seres humanos em geral? Aos seus personagens masculinos também é endereçado uma boa dose de afeto. Há o incrível e obstinado “O Homem Que Amava as Mulheres” (1977), tanto que acaba morrendo justamente por uma desatenção, ao ficar vidrado também na enfermeira que dele cuida. Mas Truffaut mostra-se também bastante carinhoso com este homem. No dilema “nem com você, nem sem você” de “A Mulher do Lado” (1981) levado a extremos, a balança emocional do cineasta não pende para nenhum dos amantes. E não se pode deixar de ressaltar o grande amor dedicado a Antoine Doinel, seu alter-ego, vivido com extraordinária química diretor-ator por Jean-Pierre Léaud em cinco filmes que já se tornaram clássicos do cinema, ainda que não sejam todos obras-primas.

“Os Incompreendidos” (1959) nos mostra o garoto de 12 anos, Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud numa das mais belas e precisas interpretações do cinema já vistas para esta faixa etária) que mora com o pai não biológico Julien Doinel (Albert Rémy) e a mãe Gilbert Doinel (Claire Maurier). Antoine não suporta a indiferença dos pais, principalmente da mãe e a tirania do sistema de ensino que corrobora a idéia de Ingmar Bergman de que é estruturado na humilhação. Em casa afoga-se na leitura de Balzac e vai muito ao cinema, matando aula com seu amigo Petite Feuille (Guy Decomble), sendo que um dia chega a ver a mãe beijando um amante e esta se assusta com a presença inesperada e inconveniente do filho. Para justificar sua falta à aula chega a mentir que a mãe morreu. Descoberto é humilhado na frente de todos, como já havia acontecido antes. Dorme fora de casa numa gráfica. Os pais acabam reconduzindo-o à vida em família. Novamente humilhado na escola por ser acusado injustamente de ter plagiado Balzac (para o qual chegou até a criar um santuário num armário com vela acesa que provoca um pequeno incêndio, o que desta vez provocou a ira do pai e a contemporização da mãe), Antoine sai de casa, vai dormir escondido no apartamento de Petite Feuille. Um roubo mal sucedido de uma máquina de escrever do pai acaba conduzindo-o por iniciativa dos pais à prisão e depois a um reformatório.

O interrogatório de Antoine pela psicóloga, de forma ainda mais especial do que outras seqüências, nos mostra um jovem ator já plenamente maduro. Jean-Pierre Léaud se mostra bem jovem, um autêntico “bicho de câmera”. Seu riso malicioso quando ela pergunta se ele já dormiu com mulheres em “Os Incompreendidos” é um toque especial numa seqüência fantástica, onde sua condição perante a sociedade nos é desnudada. A fuga de Antoine do reformatório é antológica. Ele se esconde de um inspetor que o persegue. Depois corre... corre... Atinge o mar, vai em direção a ele, depois volta em direção a nós espectadores e a câmera para, seu olhar nos fixa. Tudo se passa como se nós fôssemos convidados a dar uma solução de continuidade para sua vida. Truffaut nos mostrou o que podia e nós, o que temos com aquela história, parece nos perguntar. Na vida real, fora da vivência de seu alter-ego, Truffaut encontrou André Bazin a quem é dedicado o filme. Mas e se ele não tivesse encontrado esse protetor, ficaríamos nós sem a obra desse gênio do cinema? Será que existem Truffauts por aí que ganharam a Rua da Amargura definitivamente? O filme é semi-autobiográfico, pois não se trata ali da transcrição literal dos eventos vividos por Truffaut. Este plano final surpreendente é um desafio lançado a nós para que especulemos sobre o que será a vida de Doinel doravante e um chamado à nossa responsabilidade.

“Antoine e Colette” é um episódio de “Amor aos Vinte Anos” (1962) onde Antoine num concerto aborda finalmente Colette (Marie-France Pisier) que já conhece há algum tempo e dá um jeito de morar em frente à família dela, ficando mais intímo da mãe (Rosy Varte) e do padastro (François Darbon). Numa refeição com esta família aparecerá o namorado de Colette, uma surpresa que provoca a primeira grande desilusão amorosa de Doinel.

Em “Beijos Proibidos” (1968) Antoine sai do quartel onde servia, por ”inadequação de caráter”, sendo expulso. Arruma um emprego de vigia noturno de um hotel e depois um de detetive. Ao mesmo tempo em que flerta com Christine (Claude Jade), tendo bom relacionamento com os pais dela, um trabalho extra que recebe, dentre outras tarefas bizarras, mexe com seus sentimentos: um dono de sapataria, Sr. Tabard (Michael Lonsdale), quer saber o porquê de não ser amado por ninguém e procurou a agência porque não quer saber de psicanalista. Antoine é infiltrado na loja e acaba se envolvendo com a mulher do cliente, Fabiane Tabard (Delphine Seyrig). Depois de um rápido flerte Antoine cai em si que deseja mesmo Christine. Namorando juntos num banco de rua terão a resposta para um intruso que os espiona hitchockniamente: está apaixonado por Christine e tem todo tempo do mundo para dedicar-lhe a vida.

Em “Antoine e Colette” e ”Beijos Proibidos” há uma constante que é importante ressaltar: Antoine não está em busca apenas de um grande amor, mas também de uma família, aquela que não teve e que gostaria de ter tido. De certa forma esta busca o atrapalhará na vida amorosa.

“Beijos Proibidos” começa com a cinemateca de Paris fechada e Christine vê cenas das lutas de maio de 1968 no final, antes que a televisão encrenque e ela tenha que chamar Doinel, depois de detetive trabalhando como técnico. O que se vê com clareza em “Os Sonhadores” (2003) de Bernardo Bertolucci, que é a demissão de Henri Langlois da diretoria da Cinemateca, os protestos e depois os movimentos nas ruas, aqui neste filme de Truffaut feito em 1968 nos é mostrado de forma bem elíptica. É uma forma de Truffaut afirmar o que sempre mostrou: os sentimentos humanos interessam-lhe muito mais que a política. Até mesmo em “O Último Metrô” (1980), onde se trata da resistência da classe teatral à ocupação nazista, as relações de amizade ou sentimentais entre os personagens estão em primeiro plano.

“Domicílio Conjugal” (1970) nos mostra Antoine e Christine casados e logo tendo um filho, Alphonse. Ela dá aula de violino. Ele trabalha de início tingindo flores e depois com manobras de pequenos petroleiros para uma maquete de uma empresa. Lá ele conhece e se encanta por Kyoto (Hiroko Berghauer), promovendo a sua separação.

Nesta obra como na anterior há também um homem misterioso que volta e meia se aproxima deles. Mas agora bem antes do fim se revela. É um comediante de televisão e nela é visto imitando a voz em off de “O Ano Passado em Marienbad“ de Alain Resnais. Depois é reconhecido na rua e o temor instalado se dissipa. Mais uma vez Truffaut brincou como Hitchcock.

Em “Domicílio Conjugal” depois de alguma discussão a separação passa a ser amigável. Antoine está escrevendo um livro. Há então uma longa e belíssima seqüência que vai do apartamento até a rua. Ele tenta beijá-la na escada, ela não permite. Na rua, Christine a propósito do trabalho dele como escritor, comenta que não entende bem de arte, mas considera que esta não pode ser um ajuste de contas com o passado. Ele diz que está se esforçando para que assim não seja. Ela reconhecendo que tem baixa auto-estima diz que o ama. Ele fala da chatice que está sua vida com a japonesa. No carro ela pede um beijo. Ele diz que ela é como irmã, como mãe para ele (confirmando a busca que ele tem por uma família). Ela diz que a ele faltou, a ter como sua mulher e o carro vai embora depois deste diagnóstico preciso.

No restaurante com Kioto à mesa, ele a todo o momento vai telefonar para a mulher comentando que não está suportando mais a companhia dessa pessoa estranha que a japonesa revelou ser: não suporta mais seus insistentes sorrisos. Chega um ponto em que ao voltar à mesa encontra uma mensagem de adeus bem simples, definitiva, com um necessário baixo calão. A partir daí os protagonistas de “Domicílio Conjugal” reatam a relação. O olhar duvidoso de um vizinho ao conversar com a mulher a respeito deste idílio vai colocar em dúvida a permanência dessa união.

Em “O Amor em Fuga” (1978) Antoine está com 35 anos e o vemos logo de início namorando Sabine (Dorothée). Saberemos depois que o incorrigível namorador chegou até ela através de uma foto despedaçada que recompôs e pela qual se apaixonou, depois que alguém numa cabine telefônica rompeu com ela a ponto de rasgar a foto. Está tão aparvalhado que sua mulher Christine (Claude Jade) é quem o avisa que o dia e a hora da assinatura do divórcio amigável chegaram. A advogada Colette (Marie-France Pisier) o reconhece. Ela compra o romance que Antoine escreveu. Numa viagem de trem Antoine e Collete relembram fatos do passado e discutem sobre o livro: o que ele teria de real ou de ficção. Desafiado a narrar um romance que não tenha nada a ver com sua vida ele mente, contando a história da foto como se ela se referisse a outra pessoa. Mas no livro seu que ela lê, ele escreve que por coincidência a família de Collete veio morar perto dele. Ela lembra que ele está mentindo: foi ele que veio morar perto deles. São os ardis da ficção de cunho autobiográfico que deve haver em muito mais alto grau em “Os Incompreendidos”, mesmo sendo a obra mais obviamente próxima do que Truffaut viveu, mas que tem uma autonomia artística forte. Se terminássemos a história com o encontro com alguém com a generosidade de André Bazin, o filme não teria a força que tem. Em “Oliver Twist” (2005) de Roman Polanski (para ficarmos nesta última e subestimada versão para o cinema deste clássico de Charles Dickens) o protagonista encontra um senhor rico que lhe dá ajuda. Mas este encontro se dá logo no primeiro terço do filme e está sujeito a recuos e mal-entendidos.

O jogo fascinante proposto por “O Amor em Fuga” é que além de flahsbacks da relação mais recente de Antoine e Christine temos aqueles que são cenas extraídas de “Beijos Proibidos” e “Domicílio Conjugal”, quando eles eram bem mais jovens. Estas seqüências aliadas às pertencentes ao curta-metragem “Antoine e Colette” e a “Os Incompreendidos” trazem uma graciosa originalidade ao filme. A estrutura da obra é tal que se não conhecemos os filmes originais não há perda maior de sentido, mas se já os tivermos vistos, um grande prazer adicional teremos ao acompanhar as transformações por que passam os personagens.

Em “Os Incompreendidos” Antoine flagra sua mãe com um amante na rua, num belo beijo. Em “O Amor em Fuga” este homem o procurará no trabalho e depois de certo estranhamento se reconhecerão. Trata-se de Lucien (Julian Berthau). A idéia que Lucien nos passa em “O amor em fuga” de que Antoine no fundo é muito parecido com a mãe faz sentido: ambos têm uma relação bastante conflituosa sobre o que é o amor a ponto de não amadurecerem e estarem sempre em busca de algo que não os satisfaz. O velho nos é apresentado como aquele que foi o amante mais importante da mãe de Antoine. Ele leva Doinel ao cemitério para visitar o túmulo da mãe. Quando do falecimento dela, Doinel estava preso no exército. Não se pode deixar de especular, extrapolar esta cena e enxergá-la como uma resolução para um possível drama que o próprio Truffaut poderia estar vivendo. Pode ter feito um ato de misericórdia e perdão através de sua arte.

“Os Incompreendidos” é a grande obra-prima deste conjunto de filmes sobre a saga de Antonie Doinel. Os demais são filmes de vários grandes momentos. “O Amor em Fuga” parte de uma idéia genial que é aproveitar o que já foi filmado de Doinel em outras fases de sua vida. O que é mostrado do passado mais distante tem um frescor, uma beleza que o que é filmado para o presente e passado recente de “O Amor em Fuga” se ressente.

Em “O Amor em Fuga” o retrato de Sabine todo rasgado e depois reconstituído é a representação do que as mulheres passaram a significar no imaginário do protagonista. Para quem o amor está em fuga, a mulher que procura está estilhaçada: no final do filme Sabine e Antoine se beijam num canto, como o casal que ouve a faixa “O Amor em Fuga” mais ao fundo na loja de disco. Antoine terá finalmente redescoberto o amor que lhe escapulia? Se Truffaut tivesse vivido mais, certamente nos brindaria com pelo menos mais um filme sobre este personagem tão fascinante: um dos maiores da História do Cinema.

Neste irregular, mas fascinante “O Amor em Fuga”, Collete é mostrada com a filha e o marido em “Beijos Roubados” encontrando-se casualmente com Doinel. Christine conta à advogada, mais uma da turma das ex-Doinel, conforme brincam elas, que soube deste encontro. A advogada diz que a filha morreu atropelada. Ela em flashback é vista em sua dor e desespero. Depois se separou do marido, não quis mais ter filhos e decidiu terminar o curso de Direito. Atualmente está sendo advogada de um cliente que matou o próprio filho. Este cliente tentou o suicídio e ela tem uma semana livre. O lado fatalista de Truffaut, mola mestra de alguns de seus filmes, comparece aqui.

Em “Beijos Proibidos” há o beijo que Antoine rouba de Christine na escada, segurando bem seu pescoço. Em “Domicilio Conjugal” é ela quem rouba o beijo dele, neste mesmo local. Estas duas seqüências de uma beleza sui generis são evocadas em “O Amor em Fuga” em reminiscências dela, quando estão a caminho da assinatura do divórcio.

Em “O Amor em Fuga”, Antoine é flagrado traindo a mulher com uma aluna dela. A mulher conta depois à Colette que ele alegou que foi por causa da amante ter colocado uma capa em seu livro. O personagem é capaz disso mesmo. Não há cinismo aí. Criando um personagem já adulto, sem nenhum machismo, com muita sensibilidade, inquietação, um romantismo gauche, uma melancolia disfarçada de bom humor, docemente revoltado, Jean-Pierre Léaud tem uma afinidade extraordinária com a câmera de Truffaut. Este encontro dos dois é algo mágico. Não poderiam imaginar que fariam tantos filmes juntos depois do trabalho em “Os Incompreendidos”. Jean Pierre com seu personagem nos passa muito bem uma idéia admitida por Truffaut: “eu sou um romântico que desconfia do romantismo”.

Nas obras de Truffaut costumamos ter um distanciamento do que é narrado, mas paradoxalmente não deixa de ser algo sempre caloroso. É um clichê crítico, mas nunca é demais repetir. Nenhum cineasta que eu conheça colocou tanto sua afetividade, seu coração nos filmes que fez. Não é à toa que Spielberg o chamou para ser o cientista que vai se comunicar com os extraterrestres em “Contatos Imediatos do Primeiro Grau”. Esta alquimia entre distanciamento e sentimentos aflorados sem frieza é realizada à perfeição por Truffaut

Seus filmes com Doinel começam e já temos de imediato a sensação de que é a vida que está continuando, fruto das ações de seus personagens e dos mistérios dos encontros. De imediato instala-se uma familiaridade mesmo para quem não tenha visto os outros filmes.

Nos trabalhos com Antoine se fala muito de amor, mas se tivesse que escolher apenas uma obra de Truffaut em sua filmografia, onde este tema reinasse soberano, seria a obra-prima “Duas Inglesas e o Amor” (1971). É aonde Truffaut vai mais fundo na abordagem deste sentimento e suas intermitências. O triângulo amoroso composto por Claude (Jean-Pierre Léaud), Anne e Muriel atinge nuances que a saga Doinel inteira não logra. “Os Incompreendidos” também é uma obra prima, mas o que nos mostra é a falta de amor na infância/pré- adolescência no meio familiar e escolar. Este meu culto particular de forma alguma desmerece o empenho dos filmes expostos neste texto, mas sim nos alerta para o quão excepcional “Duas Inglesas e o Amor” é.

Vistas em 2010 numa era em que há o mercado de partes do corpo humano na Internet como iscas para um relacionamento supostamente amoroso, as inquietações, angústias e hesitações de Doinel podem parecer naifs, mas não são. Truffaut vai fundo na questão amor/sexo, seus embricamentos, intercâmbios e de tal forma, que atinge camadas de afetividade do ser humano que podem estar soterradas. Este rendez-vous virtual de hoje é o equivalente dos encontros com as prostitutas de “Beijos Proibidos” e “Domicílio Conjugal”: é o sexo fácil sem amor, com raras exceções. Não vai aqui nenhuma apreciação de ordem moralista ou ética, mas a constatação de algo que pode representar uma banalização perigosa dos afetos, ferindo as pessoas mais do que promovendo autênticos e valiosos encontros, em mais uma conquista da modernidade que se transforma num tiro pela culatra. Doinel quer ir muito mais além destes encontros fortuitos. Os que estão estacionados na virtualidade não têm a coragem que Doinel mesmo com suas errâncias apresenta. Daí o grande interesse da saga, sua atualidade e perenidade.

Ps Este texto foi publicado originalmente no jornal eletrônico Montblãat. Aqui surge com cortes, correções e acréscimos.

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Nelson Rodrigues de Souza

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