domingo, 4 de julho de 2010

A Carteirinha de Estudante Falsa é Uma Metáfora das Hipocrisias da Sociedade Brasileira




O que pode passar na cabeça de quem falsifica uma carteirinha de estudante?

1- Estes produtores e exibidores são gananciosos e só vou poder ir ao cinema, ao teatro, aos shows, à ópera, aos concertos, aos espetáculos de dança, etc., se puder pagar meia-entrada.E algumas vezes a meia-entrada já é cara....

2- Aliás, é um favor fazer carteirinha falsa, pois assim freqüento a vida cultural da cidade. Melhor eles ganharem com a minha falsificação do que eu não sair de casa.

3- Muitos políticos cometem delitos infinitamente tão maiores que o que eu faço é brincadeira de criança

4- Se a gente deixa de falsificar eles não vão abaixar os preços mesmo.....

5-etc...

O que pode passar na cabeça dos produtores e exibidores:

1- Vou elevar, inflacionar os preços dos ingressos, pois assim com este enxame de carteirinhas falsas mantenho a margem de lucro que desejo.

2- A fiscalização rigorosa que volta e meia anunciam é ineficaz e vou manter então minha política.

3- Os custos envolvidos na minha produção/exibição são altos mesmo e vou manter os preços elevados. Exibir um filme mesmo em cópia digital (que alguns espectadores puristas dizem ser ruim...) é caro e vou manter os preços que pratico.

4- É claro que tem os justos que pagam pelos pecadores, mas eu não tenho saída. Paciência.

5-etc...

E assim E La Nave Va. Os exibidores/produtores fingem que estão fiscalizando com rigor e consumidores de cultura fingem que suas carteirinhas são verdadeiras.

De minha parte nunca ousei falsificar uma carteirinha, pois primeiro me vem um grande pudor, senso de honestidade e orgulho. Isto mexeria com a minha auto-estima às vezes já tão combalida por vicissitudes da vida. Além do mais estou com 55 anos, com ostensivos cabelos brancos. Já pensou se me param num evento e perguntam: “O senhor estuda o que mesmo e aonde?” Eu iria morrer de vergonha pego em flagrante. Iria gaguejar feio. Não teria cara de pau suficiente para insistir que a minha carteirinha é quente.

Mas esta minha honestidade tem seu preço. Como estou na faixa da “classe média empobrecida da Era Lula”, eu que era um amante inveterado do teatro, tendo visto o que pude do Teatro dos 4 em seus tempos áureos, vibrado com os trabalhos de Rubens Correia e Ivan Albuquerque, fora e no Teatro Ipanema, dentre outras delícias, agora tenho ido muito pouco ao teatro. Os monólogos proliferam em diferentes níveis de qualidade, mas os preços, de modo geral são inacreditáveis. Por que que com um só ator/atriz em cena os preços são tão altos? Logo me vem a resposta: ganância ou defesa das malditas carteirinhas falsas, ou as duas coisas...Tem gente que tem teatro, patrocínios e mesmo assim os preços são altos.Será que a manutenção de um teatro é tão cara assim? Quanto aos elevados preços dos shows e musicais, peças com grande ou razoável número de atores, de modo geral, se pode fazer comentários análogos.

Existem os espetáculos a preços populares. Mas confesso que não tenho paciência, com exceções saudáveis, para entrar na disputa por estes ingressos. Quando assim procedo, me sinto participando do “pavilhão dos humilhados e ofendidos”, conforme uma expressão que Arnado Jabor criou anos atrás.

Já deixar de ir ao cinema eu não agüento. Mas sou exigente. Não me arrisco a ver, por exemplo, uma comédia que me parece ser boba ou filmes de gênero terror que me parecem sensacionalistas. Escolho bem o que devo ver. Assim posso estar perdendo algumas pérolas conforme me comentam.

Esta situação da carteirinha e o encaminhamento do problema é algo bastante significativo da hipocrisia que permeia a sociedade brasileira. Produtores/exibidores têm as suas razões. Os consumidores/espectadores também as têm. Mas como são tortuosas e falaciosas estas razões!

Soluções para este problema eu até tenho. Mas não tenho vocação pra “polícia” e vou omiti-las aqui, pois no fundo se trata de um caso de falsificação muito sério: o indivíduo finge ser quem não é. Caso brabo de 171.

Do jeito que anda a carruagem, muito convenientemente a sujeira vai continuar sendo varrida para debaixo do tapete e finge-se que está tudo sobre controle.

Mas volta e meia me dá uma revolta. Até quando este estado de coisas vai continuar? Até quando “esta aparente boa ordem do mundo burguês”? Até quando esta tragicomédia vai ser encenada?

Abafo minha revolta e vou ver o que posso. Ainda bem que o que vejo muitas vezes é um bálsamo para a alma e me faz me reconciliar com a vida. Mas com a sociedade brasileira não há ainda reconciliação possível. É uma ilha cercada de hipocrisias por todos os lados. Preciso muitas vezes tomar cuidado para não ser contaminado também. Os tentáculos do polvo são muito fortes e ameaçam nos pegar no dia a dia.

Resta batucar na cabeça os versos de Caetano: “E o que se revelará aos povos surpreenderá a todos não por ser exótico, mas por poder ter sempre estado oculto quando terá sido o óbvio”

No Brasil a violação do óbvio é uma coisa inacreditável. Por exemplo, esta lei da ficha limpa só agora surge como um problema a ser resolvido. Levamos mais de quinhentos anos para aprender que um político para se candidatar tem de ser honesto...

Mas chega por aqui. Vou pegar um cineminha mesmo sabendo que me exploram. È o mínimo que posso fazer por mim nesta selva de gente esperta onde a única lei realmente eficaz é aquela do Gerson que gostava de ganhar vantagem em tudo.

Começam a surgir laivos de mau - humor. É melhor eu parar por aqui. Mas fica ecoando no ar a pergunta de Bertold Brecht em “A Alma Boa de Setsuan”: a saída, onde está a saída. Deve haver uma saída.....

http://direitounime.files.wordpress.com/2010/04/carteira-de-estudante.jpg

http://holyjunk.files.wordpress.com/2009/05/falsarios.jpg

http://www.livrarialeitura.pt/images//products/972-43-0753-0.JPG

Nelson Rodrigues de Souza

8 comentários:

  1. Nelson, o Cinemark não aceita carteirinhas falsas há tempos e o preço nçao foi reduzido (além de Cinemark ser uma das piores projeções do Brasil). Essa lógica do cinema, mal comparando, é a lógica dos CDs de jazz (e, de certo modo, de todo comércio) que prefere um produto caro que uma parcela mais estreita de consumidores compra do que popularizar. O cinema caro ainda tem gente que o sustente, creio.

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  2. Pura verdade, Nelson. Consegui assistir a "A Gaiola das Loucas" e "As Eruditas" graças a um amigo que arranjou convites através de pessoas que trabalhavam na produção desses espetáculos. No caso de "A história de nós 2" e "Tango, bolero e cha-cha-cha" paguei do meu bolso pois queria muito ver e o preço dessas duas últimas peças estava relativamente barato, levando em consideração o alto custo do aluguel das salas do shopping da Gávea. Depois reclamam e fazem campanha contra a pirataria dos dvds e afins, como se a maioria tivesse acesso a esse entretenimento, outrora barato, como o cinema. Não estou defendendo o "trabalho" dos que fazem as cópias piratas e sim os que compram esses produtos, do mesmo modo que, agora entendo, aqueles que falsificam carteiras de estudante por problemas financeiros e querem assistir a bons filmes e espetáculos.

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  3. Estamos dentro de um microônibus lotado. O motorista cobra as passagens, dirige passando o troco, e nunca pára no ponto para idosos e estudantes. Estamos dentro do sistema... pensamos... sem dizer ou fazer... queremos... chegar ao nosso destino.
    Porque usamos microônibus lotados, com motoristas que dirigem passando o troco, e que não param para idosos e estudantes?
    Porque pagamos ingressos (absurdos) de produções culturais que são patrocinadas com dinheiro de nossos impostos?

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  4. Estamos dentro de um microônibus lotado. O motorista cobra as passagens, dirige passando o troco, e nunca pára no ponto para idosos e estudantes. Estamos dentro do sistema... pensamos... sem dizer ou fazer... queremos... chegar ao nosso destino.
    Porque usamos microônibus lotados, com motoristas que dirigem passando o troco, e que não param para idosos e estudantes?
    Porque pagamos ingressos (absurdos) de produções culturais que são patrocinadas com dinheiro de nossos impostos?

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  5. O problema esta na lei. Por que voce produtor de teatro ou operador de cinema é obrigado a dar meia entrada a estudantes, idosos e professores?
    Isso devia ser decidido por quem produz o espetaculo. Dessa forma não havera aumento de preço e pode haver promoçoes de acordo com o publico alvo do espetaculos.
    Se o governo quer dar acesso a cultura a estudantes que ele arque com os custos e produza espetaculos populares

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  6. Sobre o comentário acima.
    Penso ser um absurdo achar que as empresas é que deveriam decidir as promoções. Eu pago meia, sou estudante, não tenho renda, sou sustentada pelos meus pais. Se não houvesse meia entrada, certamente teria muito menos acesso a este tipo de programação que gosto muito.

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  7. Concordo que o governo gosta de criar acesso a cultura, esporte, entreterimento com o dinheiro dos outros (empresas)e consequentemente o publico sem carteiras, pois esse custo será repassado para alguem pagar. Realmente o governo não se importa com os custos de uma empresa, com os impostos que ela paga, com os empregos que ela gera..... ele quer apenas criar medidas populistas, sem pensar nas consequencias. Só aqui no Brasil, o país das maravilhas é que ocorre esse tipo de coisa ( meia entrada, mãe paulistana, bolsa familia, etc..) aqui se dá o peixe em vez de ensinar a pescar..... e as pessoas sem educação ( falta de instrução) pensam somente no proprio umbigo, em vez de pensar no coletivo, pensamentos do tipo " eu não tenho renda, sou estudante, tenho q

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  8. que pagar meia".... tem nada, tem que estudar, ir em espetaculos gratuitos ou que vc possa pagar, ou estagiar/trabalhar para sustentar suas vontades..... eu tambem não ganho o que acho que eu mereço e nem por isso quero uma carteira pra pagar meio aluguel, meio mercado, meia qualquer coisa.....

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