segunda-feira, 23 de março de 2009

Parte 1- Para Acabar de Vez Com o Preconceito Contra as Letras/Poemas da Música Popular Brasileira-Uma Reflexão Suscitada por Palavra (En)Cantada


http://img.blogs.abril.com.br/1/asetimaarte/imagens/palavra-(en)cantada-(2008).jpg

Este post especial é uma homenagem aos mais de mil acessos que os leitores me proporcionaram nestes três meses de blog, ainda incompletos, sendo que nas duas primeiras semanas ainda não havia contador. Agradeço a todos que tem prestigiado este blog e a eles dedico este post.
Nelson


Para Acabar de Vez Com o Preconceito Contra as Letras/Poemas da Música Popular Brasileira- Uma Reflexão Suscitada por Palavra (En)Cantada

Qual o tema predominante de Palavra (En) Cantada ( Brasil/2008) de Helena Solberg? Acredito que a chave está com Adriana Calcanhoto que fala de sua alegria e emoção ao constatar que no exterior encontra pessoas que passam a se interessar pela língua portuguesa motivadas para entenderem o que dizem as letras das músicas brasileiras. Assim pode-se dizer que, em essência, o filme é o sobre as influências e fascínios, em vários níveis, que o cancioneiro popular, desde os cantadores provençais, exercem nas pessoas e contribuem para o aprendizado da língua portuguesa de uma forma lúdica, mais leve ( e em alguns casos, mais profundamente) com a força das melodias próprias das canções e suas metamorfoses históricas como o rap e o funk.

Chico Buarque chega a manifestar o receio de que a canção como nós a conhecemos pode tender a acabar. Um receio para mim que é tão infundado quanto a idéia de que o Cinema como o conhecemos vai acabar devido às novas mídias. A beleza intrínsica das canções é algo que veio para ficar e sempre haverá aqueles que se dediquem a elas e os que a elas querem ter acesso.

“Palavra (En)Cantada” articula-se com depoimentos cruzados de várias personalidades da MPB com diferentes estilos e nos mostra um magnífico mosaico de diferentes apegos às letras e às músicas a elas associadas. Adriana nos informa que passou a se interessar por Fernando Pessoa através da audição das interpretações/declamações que Maria Bethania introduz entre canções. Lenine nos fala da força que um ão, um inho, um ãe exerce sobre ele e canta uma música exemplificando ( sua sincera emoção e fascínio ao contar esta história é comovente). Ferréz se aproxima do rap e nos shows na periferia de São Paulo aproveita para “infiltrar” Literatura para as platéias. Num encontro com Zeca Baleiro, Hilda Hilst, sorridente, argumenta que não ganha dinheiro com sua Literatura e talvez agora com seus poemas sendo musicados por ele, isto aconteça.Chico Buarque explica porque não se considera poeta dado que em algumas letras insere certas palavras só por causa da música. Luiz Tatit nos fala da liberdade que o tropicalismo introduziu na música popular de modo que, por exemplo, Djavan passa a ser tributário do movimento, pois agora desfruta de possibilidades de construções nas letras e melodias antes inimagináveis. José Celso Martinez Correa com sua eloqüência habitual explica de forma bem sintética e potente o conceito de antropofagia, se referindo ao hemisfério norte que alimenta o hemisfério sul, apoiado em sua raízes, com gestos bastante expressivos. José Miguel Wisnick ressalta o público amplo que a música popular atingiu desde os provençais até hoje num nível muito acima do ocorreu com a Literatura.Tom Zé nos mostra uma impagável “Jimmy Renda-se”, com sua originalidade a toda prova. Antônio Cícero admite que se não fosse a idéia da irmã Marina musicar seus poemas/letras sua vida teria sido outra, pois ele veio de uma formação distinta da Música que é a Filosofia.

Assim uma teia de depoimentos é construída de forma que sintamos as correlações entre a língua portuguesa, as letras, a Literatura e a Poesia. Quando Arnaldo Antunes canta uma de suas canções em que busca o olhar de descoberta de um menino, há palavras que formam a nacionalidade brasileira expostas em relevo na tela como se fossem um poema concreto: judárabe, mestiços, mulatos, etc.. compondo uma das mais belas seqüências do filme. Ao encerrar a obra “Palavra (En)Cantada com um grafite com o nome dela sendo escrito meticulosamanente numa parede, ao som de “Metáfora” de Gilberto Gil, um poema que é uma autêntica Teoria da Literatura, Helena Solberg, um tanto escondida entre tantos depoimentos parece inconscientemente ou não, agora dar o seu: assim como grafite é uma forma de artes plásticas popular, as letras se inseririam em uma tradição de Poesia Popular Brasileira. Uma questão que Adriana Calcanhoto acha que é uma perda de tempo discutir, pois a vida é muito curta, acaba emergindo: afinal os letristas são também poetas?

Paulo César Pinheiro afirma que não há Teoria de Literatura que o faça aceitar a idéia de que Chico Buarque não seja um grande poeta. Infelizmente o filme o corta, deixando sua argumentação no ar e volta para Chico que diplomaticamente explica por que não se considera poeta. Ora as palavras que Chico diz introduzir nas letras para valorizar as músicas, não desautorizam de forma alguma o conjunto brilhante de poemas com que nos tem brindado.Sua atitude é a de quem procura a mosca num banquete. Quando Chico lançou seu romance “Estorvo” e fez grande sucesso tanto junto à crítica como em relação aos leitores, houve quem de certa forma rangesse os dentes. Não seria possível que alguém de tanto prestígio e sucesso na MPB pudesse também ser um grande escritor. Sente-se no filme que Chico de certa forma tanto quer valorizar seu grande trabalho como músico, merecidamente, ( algo que é eclipsado por seus poemas), como evitar conflitos com os poetas que só se manifestam em livros, recusando então a aura de poeta. Ora, a fenomenal qualidade poética da obra de Chico salta aos olhos e Paulo César Pinheiro merecia ter sido mais ouvido no filme, por mais que criaturas como os poetas Alexei Bueno, Jair Ferreira dos Santos ( e o falecido Bruno Tolentino) odeiem a idéia de considerar letristas também poetas. No fundo é uma questão de reserva de mercado...

Quando Caetano lançou o belíssimo “Cinema Falado” também ouviu vozes ferozes de Artur Omar e Suzana Amaral. Não podiam conceber que um grande artista da MPB também fizesse Cinema. Caetano não se deixou intimidar, reagiu e por outras razões não fez mais filmes até hoje. Saímos todos perdendo.”Cinema Falado” é repleto de citações mas se deixa curtir até por quem não as conhece.

Vinícius deixou de ser grande poeta quando passou a se dedicar a letras de música? Fernando Pessoa deixou de ser grande poeta quando passou a ser musicado por Tom Jobim, Dori Caymmi, Arrigo Barnabé, etc?

Quando Vinícius de Morais disse ao João Cabral que adora “Morte e Vida Severina”, João rebateu dizendo que fez este poema para a pessoa comum. Para Vinícius teria feito “Uma Faca Só Lâmina”. Pode-se diminuir a potência de “Morte e Vida Severina” no confronto com o outro poema? Quando Milton Nascimento musica e canta “Canção Amiga” de Drummond, um poema mais singelo (“Eu preparo uma canção que faça acordar os homens e adormecer as crianças”) pode-se dizer que é um poema muito inferior, ou que não é poema, em confronto com “Máquina do Mundo” por exemplo? Não seria algo como desprezar vários filmes da História do Cinema, quando passamos a ter como modelo “Cidadão Kane”? Desprezar letras/poemas da MPB no confronto com a poesia dos chamados grandes poetas de livros não seria uma atitude análoga?

Vamos colocar um pouco de ordem nesta questão, como se fosse a definição de um postulado matemático:

Nem toda letra de música é um poema acabado ou um contém partes poéticas, mas existem muitas letras de músicas na MPB ( e não são poucas) que podem ser consideradas autênticos poemas acabados e que prescindem de música para ser fruídas com toda emoção. Os letristas que atingem estes momentos sublimes do último caso por que não podem ser considerados poetas?

Como provar isto? Só Clarice Lispector explica: “Não se pode dar uma prova de existência daquilo que é mais verdadeiro. O jeito é acreditar. E acreditar, chorando.”

Não, não é uma fuga. Leiam os poemas acabados abaixo tirados do cancioneiro popular brasileiro e procurem sentir se há falta de uma música para ressaltar a força
que eles têm. São muitos os poemas. Caminhem até onde o êxtase e/ou cansaço permitir. E quem rege uma lei que diz que os posts devem ser curtos? Aqui eu me permito a tudo, sem amarras. Pode-se ler um post hoje e depois voltar a ele. O Blog do Ricardo Calil, por exemplo, está caindo na superficialidade. Muitos comentários interessantes estão carentes de um maior aprofundamento para agradar ao “mercado de blogs” que pede textos mais sucintos. Não me sinto com nenhum obrigação com este “mercado”.

O trabalho de seleção de poemas/letras completos ou não adiante ( o veredicto final fica com o leitor) é um presente. Não é uma tortura. Como é muito grande, sugiro uma leitura calma procurando se abstrair da música conhecida, indo até certo ponto e retomando mais tarde, em outra hora, outro momento. O blog é iterativo. E os posts estão no arquivo podendo ser sempre revisitados quando se desejar e em qualquer ponto.

Ao pesquisar a obra de Taiguara, deparei-me com alguns poemas que não conhecia musicados. São arrebatadores. Sim, Taiguara foi um grande poeta! Merece ter um CD tributo.Quem sabe a Biscoito Fino se habilita? Não é à toa que Maysa chegou a dizer quem falava sua língua num dado momento de sua vida era Taiguara.

Preparem-se que o show vai começar. Desliguem seus celulares. É proibido filmar ou fotografar...


Rosa
Tu és divina e graciosa, estátua majestosa, do amor
Por Deus esculturada e formada com o ardor
Da alma da mais linda flor, de mais ativo olor
Que na vida é preferida pelo beija-flor.
Se Deus, me fora tão clemente,aqui neste ambiente
De luz formada numa tela, deslumbrante e bela
O teu coração, junto ao meu, lanceado, pregado
E crucificado sobre a rósea cruz do arfante peito teu.
Tu és a forma ideal, estátua magistral
Oh ! alma perenal do meu primeiro amor, sublime amor
Tu és, de Deus a soberana flor
Tu és , de Deus a criação, que em todo o coração
Sepultas o amor, o riso, a fé e a dor em sândalos olentes
Cheios de sabor, em vozes tão dolentes como um sonho em flor
És Láctea estrela , és mãe da realeza.
És tudo enfim que tem de belo
Em todo resplendor da santa natureza.
Perdão, se ouso confessar que hei de sempre amar-te.
Oh ! Flor, meu peito não resiste, oh ! meu Deus quanto é triste
A incerteza de um amor que mais me faz penar
E esperar, em conduzir-te um dia ao pé do altar
Jurar, aos pés do onipotente em prece comovente
De dor, e receber a unção de tua gratidão
Depois, de remir, meus desejos em nuvens de beijos
Hei de te envolver até meu padecer, de todo fenecer



Pixinguinha

O Quereres

Onde queres revólver sou coqueiro, onde queres dinheiro sou paixão
Onde queres descanso sou desejo, e onde sou só desejo queres não
E onde não queres nada, nada falta, e onde voas bem alta eu sou o chão
E onde pisas no chão minha alma salta, e ganha liberdade na amplidão

Onde queres família sou maluco, e onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon sou Pernambuco, e onde queres eunuco, garanhão
E onde queres o sim e o não, talvez, onde vês eu não vislumbro razão
Onde queres o lobo eu sou o irmão, e onde queres cowboy eu sou chinês

Ah, bruta flor do querer, ah, bruta flor, bruta flor

Onde queres o ato eu sou o espírito, e onde queres ternura eu sou tesão
Onde queres o livre decassílabo, e onde buscas o anjo eu sou mulher
Onde queres prazer sou o que dói, e onde queres tortura, mansidão
Onde queres o lar, revolução, e onde queres bandido eu sou o herói


Eu queria querer-te e amar o amor, construirmos dulcíssima prisão
E encontrar a mais justa adequação, tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés, e vê só que cilada o amor me armou
E te quero e não queres como sou, não te quero e não queres como és

Ah, bruta flor do querer, ah, bruta flor, bruta flor

Onde queres comício, flipper vídeo, e onde queres romance, rock'nroll
Onde queres a lua eu sou o sol, onde a pura natura, o inseticídeo
E onde queres mistério eu sou a luz, onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro, e onde queres coqueiro eu sou obus


O quereres e o estares sempre a fim do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal, bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal, e eu querendo querer-te sem ter fim
E querendo te aprender o total do querer que há e do que não há em mim

Caetano Veloso

As Aparências Enganam


As aparências enganam, aos que odeiam e aos que amam
Porque o amor e o ódio se irmanam na fogueira das paixões
Os corações pegam fogo e depois não há nada que os apague
a combustão os persegue, as labaredas e as brasas são
O alimento, o veneno e o pão, o vinho seco, a recordação
os tempos idos de comunhão, sonhos vividos de conviver
As aparências enganam, aos que odeiam e aos que amam
porque o amor e o ódio se irmanam na geleira das paixões
Os corações viram gelo e, depois, não há nada que os degele
e a neve, cobrindo a pele, vai esfriando por dentro o ser
não há mais forma de se aquecer, não há mais tempo de se esquentar
Não há mais nada pra se fazer, senão chorar sob o cobertor
As aparências enganam, aos que gelam e aos que inflamam
Porque o fogo e o gelo se irmanam no outono das paixões
Os corações cortam lenha e, depois, se preparam pra outro inverno
Mas o verão que os unira, ainda, vive e transpira ali
Nos corpos juntos na lareira, na reticente primavera
No insistente perfume de alguma coisa chamada amor...

Tunai /Sérgio Natureza

Nem cais nem barco

O meu amor não é o cais,
Não é o barco.
É o arco da espuma
Que, desfeito, eu sou.
É tudo e coisa nenhuma,
Entre a proa e a bruma, o amor.
É a lembrança que enfuna
Velas na escuna que naufragou.
Não é no livro antigo o olor
De rosa que eu recebi.
Não é a ode, a loa,
Em Fernando Pessoa,
Mas é a nostalgia
Do que eu não li.
Não é camafeu,
Exposto na vitrine, em loja de penhor,
Mas é o que doeu
No peito feito um crime
Ao homem que o trocou.
É o olhar de um instante
Fixando o amante
Em plena traição
Que há em noivas degoladas no caramanchão.
É o vulto de mulher,
Há muito tempo morta,
Em frente à penteadeira.
É o vazio que a
Ausência dela ocupa ao ver sua cadeira.
A chuva dessa tarde trouxe o Tito Madi
E apenas eu ouvia...
Ah, o amor é estar no inferno ao som de Ave Maria!

Guinga/Aldir Blanc

Eu e a Brisa

Ah! se a juventude que esta brisa canta
Ficasse aqui comigo mais um pouco
Eu poderia esquecer a dor de ser tão só
Pra ser um sonho
E aí então quem sabe alguém chegasse
Buscando um sonho em forma de desejo
Felicidade então pra nós seria
E depois que a tarde nos trouxesse a lua
Se o amor chegasse eu não resistiria
E a madrugada acalentaria nossa paz
Fica, oh! brisa fica
Pois talvez quem sabe
O inesperado faça uma surpresa
E traga alguém que queira te escutar
E junto a mim, queira ficar,
Queira ficar, queira ficar.

Johnny Alf


Resposta ao Tempo

Batidas na porta da frente é o tempo
Eu bebo um pouquinho pra ter argumento
Mas fico sem jeito, calado, ele ri
Ele zomba do quanto eu chorei
Porque sabe passar e eu não sei
Um dia azul de verão, sinto o vento
Há folhas no meu coração é o tempo
Recordo um amor que perdi, ele ri
Diz que somos iguais, se eu notei
Pois não sabe ficar e eu também não sei
E gira em volta de mim, sussurra que apaga os caminhos
Que amores terminam no escuro sozinhos
Respondo que ele aprisiona, eu liberto
Que ele adormece as paixões, eu desperto
E o tempo se rói com inveja de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor pra tentar reviver
No fundo é uma eterna criança que não soube amadurecer
Eu posso, ele não vai poder me esquecer
No fundo é uma eterna criança que não soube amadurecer

Aldir Blanc/Cristóvão Bastos.

Rota do Indivíduo

Mera luz que invade a tarde cinzenta
E algumas folhas deitam sobre a estrada
O frio é o agasalho que esquenta
O coração gelado quando venta
Movendo a água abandonada
Restos de sonhos sobre um novo dia
Amor-es nos vagões, vagões nos trilhos
Parece que quem parte é a ferrovia
Que mesmo não te vendo te vigia
Como mãe, como mãe que dorme olhando os filhos
Com os olhos na estrada
E no mistério solitário da penugem
Vê-se a vida correndo, parada
Como se não existisse chegada

Djavan

Amor Amor

Quando o mar
quando mar tem mais segredo
não é quando ele se agita,
nem é quando é tempestade,
nem é quando é ventania...
Quando o mar tem mais segredo
é quando é calmaria...

Quando o amor
Quando o amor tem mais perigo
não é quando ele se arrisca,
nem é quando ele se ausenta
nem quando eu me desespero
o amor tem mais perigo
é quando ele é sincero...

Sueli Costa

Loucura

E aí
Eu comecei a cometer loucuras
Era um verdadeiro inferno
Uma tortura
O que eu sofria
Por aquele amor
Milhões de diabinhos martelando
O meu pobre coração que agonizando
Já não podia mais de tanta dor
E aí
Eu comecei a cantar verso triste...
O mesmo verso que até hoje existe
Na boca triste de algum sofredor
Como é que existe alguém
Que ainda tem coragem de dizer
Que os meus versos não contem mensagens
São palavras frias, sem nenhum valor
Oh! Deus, será que o senhor não esta vendo isso
Então, porque é que o senhor mandou Cristo
Aqui na terra semear amor
E quando se tem alguém
Que ama de verdade
Serve de riso pra humanidade
É um covarde, um fraco, um sonhador
Se é que hoje tudo está tão diferente
Porque não deixa eu mostrar a essa gente
Que ainda existe o verdadeiro amor
Faça, ela voltar de novo pro meu lado
Eu me sujeito a ser sacrificado
Salve seu mundo com a minha dor

Lupicínio Rodrigues

Melodia Sentimental

Acorda, vem ver a lua
Que dorme na noite escura
Que surge tão bela e branca
Derramando doçura
Clara chama silente
Ardendo meu sonhar
As asas da noite que surgem
E correm o espaço profundo
Oh, doce amada, desperta
Vem dar teu calor ao luar
Quisera saber-te minha
Na hora serena e calma
A sombra confia ao vento
O limite da espera
Quando dentro da noite
Reclama o teu amor
Acorda, vem olhar a lua
Que dorme na noite escura
Querida, és linda e meiga
Sentir meu amor e sonhar

Dado Villa Lobos/Dora Vaconcellos

Não Há Cabeça

Não há cabeça que o coração não mande
Não há amor que o ódio não desande
Não há rancor que o perdão não esqueça
Nem humor que nunca se aborreça
Não há bebida que beba a saudade
Nem maldade que vença a bondade
Não há princípio que resista ao fim
Nem temor ou medo que resida em mim
Eu fui, eu vim, eu vou te amar vivendo
Eu fui, eu vim do desamor morrendo
E essa tristeza que o amor me deu
É a coisa mais bonita dentro do meu eu
Que bom, ai, que bom, que nunca vai haver talvez
Pra quem tudo na vida sentiu, disse e fez
Prefiro ficar só com a minha ilusão
Que matar a esperança de amar no meu coração

Ângela Ro Ro

A Seta e o Alvo

Eu falo de amor à vida, você de medo da morte.
Eu falo da força do acaso e você de azar ou sorte.
Eu ando num labirinto e você numa estrada em linha reta.
Te chamo pra festa mais você só quer atingir sua meta.
Sua meta.
É a seta no alvo mais o alvo na seta não te espera.
Eu olho pro infinito e você de óculos escuros.
Eu digo eu te amo, e você só acredita quando eu juro.
Eu lanço minha alma ao espaço, você pisa os pés na terra.
Eu experimento o futuro e você só lamenta não ser o que era.
E o que era a seta no alvo mas o alvo na seta, não te espera.
Eu grito com liberdade
Você deixa a porta se fechar.
Eu quero saber a verdade e você se preocupa em não se machucar.
Eu corro todos os riscos
Você diz que não tem mais vontade.
Eu me ofereço inteiro e você se satisfaz com metade
É a meta de uma seta no alvo mas o alvo na seta não te espera.
Então me diz qual é a graça de já saber o fim da estrada.
Quando se parte rumo ao nada.
Sempre a meta de uma seta no alvo mas o alvo na seta não te espera.
Então me diz qual é a graça de já saber o fim da estrada
Quando se parte rumo ao nada.

Zeca Baleiro


O Silêncio

antes de existir computador existia tevê
antes de existir tevê existia luz elétrica
antes de existir luz elétrica existia bicicleta
antes de existir bicicleta existia enciclopédia
antes de existir enciclopédia existia alfabeto
antes de existir alfabeto existia a voz
antes de existir a voz existia o silêncio
o silêncio
foi a primeira coisa que existiu
um silêncio que ninguém ouviu
astro pelo céu em movimento
e o som do gelo derretendo
o barulho do cabelo em crescimento
e a música do vento
e a matéria em decomposição
a barriga digerindo o pão
explosão de semente sob o chão
diamante nascendo do carvão
homem pedra planta bicho flor
luz elétrica tevê computador
batedeira, liquidificador
vamos ouvir esse silêncio meu amor
amplificado no amplificador
do estetoscópio do doutor
do lado esquerdo do peito, esse tambor

Carlinhos Brown/Arnaldo Antunes

Nem O Sol, Nem A Lua, Nem Eu

Hoje eu encontrei a Lua
Antes dela me encontrar
Me lancei pelas estrelas
E brilhei no seu lugar
Derramei minha saudade
E a cidade se acendeu
Por descuido ou por maldade
Você não apareceu

Hoje eu acordei o dia
Antes dele te acordar
Fui à luz da estrela-guia
Pra poder te iluminar
Derramei minha saudade
E a cidade escureceu
Desabei na tempestade
Por um beijo seu

Nem a Lua, nem o Sol, nem Eu
Quem podia imaginar
Que o amor fosse um delírio seu
E o meu fosse acreditar

Hoje o Sol não quis o dia
Nem a noite o luar. nine

Pérolas aos poucos

Eu jogo pérolas aos poucos ao mar
Eu quero ver as ondas se quebrar
Eu jogo pérolas pro céu
Pra quem pra você pra ninguém
Que vão cair na lama de onde vêm

Eu jogo ao fogo todo o meu sonhar
E o cego amor entrego ao deus dará
Solto nas notas da canção
Aberta a qualquer coração
Eu jogo pérolas ao céu e ao chão

Grão de areia
O sol se desfaz na concha escura
Lua cheia
O tempo se apura
Maré cheia
A doença traz a dor e a cura
E semeia
Grãos de resplendor
Na loucura

Eu jogo ao fogo todo o meu sonhar
Eu quero ver o fogo se queimar
E até no breu reconhecer
A flor que o acaso nos dá
Eu jogo pérolas ao deus dará

Zé Miguel Wisnik/ Paulo Neves

A Estrada e o Violeiro

Sou violeiro caminhando só, por uma estrada caminhando só
Sou uma estrada procurando só levar o povo pra cidade só
Parece um cordão sem ponta pelo chão desenrolado
Rasgando tudo que encontra a terra de lado a lado
Estrada de sul a norte eu que passo, penso e peço
Notícias de toda sorte de dias que eu não alcanço
De noites que eu desconheço de amor, de vida e de morte
Eu que já corri o mundo cavalgando a terra nua
Tenho o peito mais profundo e a visão maior que a sua
Muitas coisas tenho visto nos lugares onde eu passo
Mas cantando agora insisto neste aviso que ora faço
Não existe um só compasso pra contar o que eu assisto
Trago comigo uma viola só, para dizer uma palavra só
Para cantar o meu caminho só, porque sozinho vou a pé e pó
Guarde sempre na lembrança que esta estrada não é sua
Sua vista pouco alcança mas a terra continua
Segue em frente violeiro, que eu lhe dou a garantia
De que alguém passou primeiro na procura de alegria
Pois quem anda noite e dia sempre encontra um companheiro
Minha estrada, meu caminho, me responda de repente
Se eu aqui não vou sozinho, quem vai lá na minha frente
Tanta gente tão ligeiro que eu até perdi a conta
Mas lhe afirmo, violeiro, fora a dor, que a dor não conta
Fora a morte quando encontra, vai na frente um povo inteiro
Sou uma estrada procurando só levar o povo pra cidade só
Se meu destino é ter um rumo só, choro em meu pranto é pau, é pedra, é pó
Se esse rumo assim foi feito sem aprumo e sem destino
Saio fora desse leito, desafio e desafino
Mudo a sorte do meu canto, mudo o norte dessa estrada
Em meu povo não há santo, não há força e não há forte
Não há morte, não há nada que me faça sofrer tanto
Vai, violeiro, me leva pra outro lugar
Que eu também quero um dia poder levar
Toda gente que virá
Caminhando, procurando

Sidney Miller

Azulejo

Era uma bela, era uma tarde, o casaril.
Era um cenário de um poema de Gullar
Tão de repente ela sumiu numa viela
Eu no sobrado ví uma sombra em seu lugar
Cada azulejo da cidade ainda recorda
E cada corda onde tanjo a minha dor
No alaúde da saudade, num velho banho,
Num bandolim chorando o fim do nosso amor.
A primavera nem virá depois do inverno
A flora em festa nos trará outro verão
Eu fecho a casa do adeus ao gelo eterno
Vou viver de brisa, arder em brasa no calor do Maranhão...

Zeca Baleiro

Asas


Suas asas
Amor
Quem deu fui eu
Para ver
Você conquistar o céu
Observe tudo embaixo
Ser menor do que você
Como tudo é,
E enquanto arde a coragem
Dos desejos seus,
Sem véus (Proteus)
Abra seus poros e papilas e pupilas
À luz da manhã
E muito acima de Ipanema
Tão pequena tão vã
Viva o prazer
O som
O estrondo de uma onda
Na arrebentação
Enquanto eu piro à sua espera
Na esfera do chão

Adriana Calcanhoto/Antonio Cícero

$ Cara

Jamais foi tão escuro
No país do futuro
E da televisão

E nesse labirinto
O que eu sinto eu sinto
E chamam de paixão

E me apaixonam questões ardentes
Que nem consigo assim de repente
Expor

Mas entre elas há coisas raras
Que são belezas, loucuras, taras
De amor

Há sonhos e insônias
Ozônios e Amazônias
E um novo amor no ar

Entre bilhões de humanos
E siderais enganos
Eu quero é te abraçar

Mil novecentos e não sei quanto
É fim de década e no entanto
É meu
Meu cada gesto cada segundo
Em que te amar é um claro assunto
No breu

Marina Lima/Antônio Cícero

Nem Réu, Nem Juiz

Que nem serpente
Até meus pés
Se rastejou
Me seduziu
Meu coração fragilizou
Me envenenou, feriu

Depois cruel, me seqüestrou
Me confinou no seu covil
E me entreguei ao seu amor
Me escravizei, servil

Tornou-se meu feitor
Cambono, capataz
Um anjo protetor
Com ar de satanás
Me fez seu prisioneiro
Deixei-me acorrentar
E o meu resgate eu sei
Nem penso estipular

É um delinqüente, marginal
Desabusado transgressor
Que se elegeu para ser algoz
De um atormentado amor

Mas nessa estória há um porém
Me escravizei porque eu quis
Se dele hoje sou refém
Jamais serei juiz, juiz...

Martinho da Vila/ Hermínio Bello de Carvalho

Sentimental

Quem liberta o furacão
Desamarra o mar da praia
Desarruma o rumo, entorta o prumo
Erra sem destino, amor
Quem desata o céu da terra.
Desfere a flecha, rasga o ar
Tira a luz da treva, razão aterra.
Erra, desatina, amor
Quem move o mundo todo apenas sendo
Sentimental
Sentimental

Quem me tira o chão dos pés
E movimenta as marés, quem
Semeia o pé de vento do pensamento,
Erra sem destino, amor
Desintegra o grão na terra,
Desagrega o coração
Tira o véu dos olhos
Desperta os poros
Erra, desatina, amor

Quem move o mundo todo sendo
Sentimental
Sentimental

Quem desarrazoa, quem?
Abraça o rio, arrasta o raio, quem?
Avassala o medo, repete o erro,
erra sem destino, amor
Faz qualquer coisa de mim.
Quebra a pedra com o seu sim,
Arrepia o pêlo,
Derrete o gelo,
Erra, desatina, amor

Quem move o mundo todo sendo
Sentimental
Sentimental

Arnaldo Antunes/Lenine /Lula Queiroga

Ave Maria

Maria que rosou o meu rosário de risos
Maria amante amada de lua clareada
Eu rogo o teu amor
Seja agora ou quando for
Ave Maria
Maria eu te queria como todo o homem quer
A alma quer a santa e o corpo a mulher
Eu quero a tua paz mas eu te quero bem mais
Ave Maria
Solta entre os dias
Entre os bosques, entre as ruas
Entre as sombras, entre as luas
Entre minhas mãos vazias
Que se apertam se juntando
Se unindo pra rezar
Ave Ave Maria

Roberto Menescal /Paulinho Tapajós


Dentro de Mim Mora um Anjo

Quem me vê assim cantando
Não sabe nada de mim
Dentro de mim mora um anjo
Que tem a boca pintada
Que tem as unhas pintadas
Que tem as asas pintadas
Que passa horas à fio
No espelho do toucador

Dentro de mim mora um anjo
Que me sufoca de amor
Dentro de mim mora um anjo
Montado sobre um cavalo
Que ele sangra de espora
Ele é meu lado de dentro
Eu sou seu lado de fora

Quem me vê assim cantando
Não sabe nada de mim
Dentro de mim mora um anjo
Que arrasta suas medalhas
E que batuca pandeiro
Que me prendeu em seus laços
Mas que é meu prisioneiro

Acho que é colombina
Acho que é bailarina
Acho que é brasileiro
Quem me vê assim cantando
Não sabe nada de mim

Sueli Costa/Cacaso

Antes Que Amanheça

Passa da uma, tudo emudeceu.
A lua é um cd de luz no céu
E aqui o meu apê é um deserto.
Agora cada um está na sua.
Você sumiu, você que é de lua,
E eu te queria tanto aqui por perto.

Meu bem, meu doce bem, minha senhora,
Eu poderia declarar agora
Meu grande amor, minha paixão ardente.
Em minha mente insone, só seu nome ecoa
Só não soa o telefone;
E a sua ausência se faz mais presente.

Passa das duas na cidade nua;
Ao longe carros rugem para a lua
E alguma coisa fica mais distante.
Eu sinto a sua falta no meu quarto;
Será que você volta antes das quatro?
É tudo que eu queria nesse instante.

Chico César/Carlos Rennó

Condenados

Ah, meu amor, estamos condenados
Nós já podemos dizer que somos um
Nós somos um
E nessa fase do amor em que se é um
É que perdemos a metade cada um
Ah, meu amor, estamos mais safados
Hoje tiramos mais proveito do prazer
E somos um
Quando dormimos juntos, sonhos separados
Que nós não vamos confessar de modo algum
Ah, meu amor, ah, meu amor
Quantas pequenas traições
Pobres mentiras diplomáticas de puras intenções
Estamos condenados
Ah, meu amor, de discretos pecados
Formamos esse ser tão uno divisível
Parece incrível
Que nós tentemos que ele dure eternamente
Nessas metades incompletas

Fátima Guedes

Pra Poder Te Amar

O amor não tem cor
O amor não tem idade
O amor não vê cara nem religião
Não faz diferença do rico e do pobre
O amor só precisa de um coração
O amor não tem tom nem nacionalidade
Dispensa palavras, basta um olhar
O amor não tem hora
Nem fórmula certa
Não manda recado, chega pra ficar
O amor entrou na minha vida
Quando te encontrei
Olhei no teu olhar e apaixonei
Foi tanta emoção, não deu pra segurar
O amor contigo ao meu lado é cada vez maior
Quero me batizar no sal do teu suor

Martinho da Vila

Pedaço de Mim

Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar

Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais

Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu

Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi

Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Leva os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus

Chico Buarque

Flor da Bahia

Dor da Bahia
Chega a machucar meu peito
Na garganta dá nó
Conviver com preconceito
Dá revolta e dá dó
Quem no coração
Não faz distinção
Compreende a minha dor

Cor da Bahia
É a paixão da minha vida
Quando olho em redor
A cidade construída
Misturando suor
Quanta história então
De sangue e paixão
Sobre o chão de Salvador

Na Bahia
Grão de amor é forte medra
E eu sou flor da Bahia
Semeada em chão de pedra
Flor da Bahia
Que oferece a primavera
Desse grão
Dessa flor
Desse chão
Desse amor

Flor da Bahia
É flor que ninguém arranca
Quando o amor é maior
Pele escura, pele branca
Flor da pele é uma só
Corpos que se dão
Mais sementes são
Sobre o chão de Salvador

Dori Caymmi/Paulo César Pinheiro

Aquidauana

O que há
E o que não há
Em okayama e okinawa
Pro povo de aquidauana
Eu vou ter de perguntar
Se tem pé de juazeiro
Pra poder nascer juá
Se tem bode pai-de-chiqueiro
Que é pra cabra bodejar
Se a galinha no poleiro
À tardinha vai deitar
Pouco ou muito pé de cana
Pro povo de aquidauana
Eu vou ter de perguntar
Se é em pé que se dorme
Como é se levantar
Se a forma do sonho é disforme
Como um porre de aluá
Se é nu ou de uniforme
O civil e o militar
Se vale mais fé ou grana
Pro povo de aquidauana
Eu vou ter de perguntar
Se beijar é proibido
Ou se é dejá-vu beijar
Se o beiju é comprimido
Como pó de guaraná
Se a besteira do sabido
Tem poder de governar
Se eu não passo na aduana
Pro povo de aquidauana
Eu vou ter de perguntar
Amor livre livramento
Livro feito pra estudar
Jura de amor juramento
Noivado antes de casar
Será que tem cabimento
Quem puder responda já
Se a sorte não me engana
Pro povo de aquidauana
Eu vou ter de perguntar
Se é quase tudo acre-doce
Pro gosto se equilibrar
Pro que é parecer fosse
Como a praia e o mar
Cristal que espatifou-se
Na correnteza do ar
Se a japonesa é bacana
Pro povo de aquidauana
Eu vou ter de perguntar
Se tem gente boa e ruim
Se tenente usa quipá
Se um equipamento de som
E um amigo de confiar
E um carro do ano bom
Posso ter sem trabalhar
Sete dias por semana
Pro povo de aquidauana
Eu vou ter de perguntar
Se tudo é certo e perfeito
Beleza de admirar
Peixe que já vem no jeito
Nem precisa temperar
Penso até em ser prefeito
Para os pobres visitar
Feito a lady diana
Pro povo de aquidauana
Eu vou ter de perguntar
Se os rios de lá têm
O cheiro de sanhauá
Se um real vale um yen
Vela se a luz faltar
Se posso levar meu bem
Um pandeiro e um ganzá
Maracatu de goiana
Pro povo de aquidauana
Eu vou ter de perguntar
Se existe vaquejada
Mode eu poder aboiar
Pruma vaca enlatada
Me ouvir ressuscitar
Tridimensionalizada
Catolé taperoá
Adeus ô paraibana
Pro povo de aquidauana
Eu vou ter de perguntar
Adeus adeus
Adeus catolé e patos
Adeus eros e tanathos
Eu preciso viajar
Adeus adeus
Adeus ô paraibana
Pro povo de aquidauana
Eu vou ter de perguntar

Chico César

Olhos Profundos

Feito um menino que permite ao coração
Sair correndo sem destino ou direção
Que vire vento e sopre feito um furacão
Que nesse fogo por amor eu ponho a mão
E até permito as cantorias da paixão

O velho barco toda vez que vê o mar
Fica confuso, com vontade de zarpar
E ver o mar às vezes bem que é preciso
Pra ter certeza de ainda estar-se vivo
Mesmo que o casco esteja velho e corroído

Por uma estrada que vai dar não sei aonde
Por meu destino o coração é quem responde
Braços abertos pra acender a luz do peito
Com grande amor que seja puro amor refeito
Olhos profundos não me olhem desse jeito

Renato Teixeira

Calor

Tarde turquesa, quarenta graus
Talvez porque você não esteja, tudo lateja
Tarde sem nuvens, cinqüenta graus
Talvez por sua ausência, tudo derreta...
Noite sem ninguém, nada se mexe
Meu sonho, nosso amor é sério
E você em outro hemisfério
Enquanto tudo derrete, enquanto tudo derrete,
Enquanto tudo parece derreter

Adriana Calcanhoto


Sonho Meu

Sonho meu, sonho meu
Vai buscar quem mora longe, sonho meu
Vai mostrar esta saudade, sonho meu
Com a sua liberdade, sonho meu
No meu céu a estrela-guia se perdeu
A madrugada fria só me traz melancolia
Sonho meu

Sinto o canto da noite na boca do vento
Fazer a dança das flores no meu pensamento
Traz a pureza de um samba
Sentido, marcado de mágoas de amor
Um samba que mexe o corpo da gente
E o vento vadio embalando a flor

Dona Ivone Lara

Esfinge

De Estilhaços
Oh! Ironia...
Era um poeta que um dia
Assobiou ao acaso...
E por surpresa, quem diria...
Era eu sua montanha desmoronada
Sua vitória derrocada
Sua honestidade tardia
Me desmorono, pela vontade, pela potência
E me transformo numa esfinge de estilhaços
Dando graças a algum deus muito distante
Ou o representante de todas as mortes no céu...
Um céu, há muito tempo, morto de estrelas...
Morto, morto, morto
E quem sabe?! Pela força da sua traição
Pelo sangue jorrando de uma só veia
De uma transbordada paixão!
A medida sendo a falta, seja lá qual for a falta:
Falha, amor, infâmia, elegância
Eu amo duelar com todas as partes da existência:
Vida, morte, vitória, fracasso, vazio...
Um derradeiro sopro de audácia
Dessa indecifrável coragem
Reerguendo com a astúcia de um gesto lento
Uma inevitável eternidade

Lobão

Pedra Bruta

A pessoa bruta não liga pra nuance das coisas
Por onde ela passa ela arrebenta
Pois ela é uma pedra em movimento
Que se move com o tempo e que se movimenta
E a pedra que rola pela vida vai rolando
E ao rolar aos pouquinhos ela se fragmenta
Ela rola e se esfola e vai se erodindo
E vão surgindo grãos de areia a seus pés
Podem chamar isso de experiência de vida
De erosões, iluminações e de axés
Mas eis que de repente quem era a pedra bruta
Virou a própria flor do amor em forma absoluta
Por isso que eu digo que essa vida vai nos levando
E ao levar ela nos leva nos eleva e vai nos transformando
Ê ê ê ê ê ê
Ô ô ô ô ô ô
Eu aprendi a ler no abc do amor
Ê ê ê ê ê ê
Ô ô ô ô ô ô
Pra onde for você é pra lá que eu vou

Jorge Mautner

O Que Você Faria?

Meu amor o que você faria?
Se só te restasse um dia
Se o mundo fosse acabar
Me diz o que você faria?

Ia manter sua agenda
de almoço hora apatia
Ou ia esperar os seus amigos
Na sua sala vazia

Meu amor o que você faria?
Se só te restasse um dia
Se o mundo fosse acabar
Me diz o que você faria?

Corria pra um shopping center
Ou para uma academia
Pra se esquecer que não dá tempo
Pro tempo que já se perdia

Meu amor o que você faria?
Se só te restasse esse dia
Se o mundo fosse acabar
Me diz o que você faria?

Andava pelado na chuva
Corria no meio da rua
Entrava de roupa no mar
Trepava sem camisinha

Meu amor o que você faria?o que você faria?
Abria a porta do Hospício
Trancava a da delegacia
Dinamitava o meu carro
Parava o tráfego e ria

Meu amor o que você faria?
Se só te restasse esse dia
Se o mundo fosse acabar
Me diz o que você faria?

Meu amor o que você faria?
Se só te restasse esse dia
Se o mundo fosse acabar
Me diz o que você faria?

Lenine/ Moska

Ilusão à Toa


Eu acho engraçado quando um certo alguém
Se aproxima de mim
Trazendo exuberância que me extasia
Meus olhos sentem, minhas mãos transpiram
É um amor que guardo há muito dentro em mim, dentro em mim
E é a voz do coração que canta assim, assim
Olha, somente um dia longe dos teus olhos
Trouxe a saudade de um amor tão perto
E o mundo inteiro fez-se tão tristonho
Mas embora agora eu te tenha perto
Eu acho graça do meu pensamento
A conduzir o nosso amor discreto
Sim, amor discreto pra uma só pessoa
Pois nem de leve sabes que eu te quero
E me apraz essa ilusão à toa

Johnny Alf


Como Nossos Pais

Não quero lhe falar meu grande amor das coisas que aprendi nos discos
Quero lhe contar como eu vivi e tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar, eu sei que o amor é uma coisa boa
Mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa
Por isso cuidado meu bem, há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal está fechado pra nós que somos jovens
Para abraçar seu irmão e beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço, o seu lábio e a sua voz
Você me pergunta pela minha paixão
Digo que estou encantada com uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade, não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento o cheiro da nova estação
Eu sei de tudo na ferida viva do meu coração
Já faz tempo que eu vi você na rua, cabelo ao vento, gente jovem reunida
Na parede da memória essa lembrança é o quadro que dói mais
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais
Nossos ídolos ainda são os mesmos e as aparências não enganam não
Você diz que depois deles não apareceu mais ninguém
Você pode até dizer que eu 'tô por fora', ou então que eu 'tô inventando'
Mas é você que ama o passado e que não vê
É você que ama o passado e que não vê
Que o novo sempre vem
Hoje eu sei que quem me deu a idéia de uma nova consciência e juventude
Tá em casa guardado por Deus contando vil metal
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo o que fizemos
Nós ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
como nossos pais

Belchior

Ingênuo

Eu fui ingênuo quando acreditei no amor
Mas, pelo menos, jamais me entreguei à dor ...
Chorei o meu choro primeiro
Eu chorei por inteiro pra não mais chorar
O meu coração permaneceu sereno
Expulsando o veneno pelo meu olhar...
. Eu procurei me manter como Deus mandou
Sem me vingar que a vingança não tem valor
E depois também perdoar a quem erra
É ser perdoado na terra, sem ter que pedir
Perdão no céu.
Eu não quis resolver
Eu não quis recusar
Mas do amor em ruína, uma força termina
Por nos dominar e depois proteger
Dos abismos que a vida traçar
Quando o tempo virar o único mal
E a solidão começa a ser fatal ...
Eu não quis refletir, não
Eu não quis recusar, não
Eu não quis reprimir , não
Eu não quis recear...
Porque contra o bem nada fiz
Eu só quero algum dia
Ser feliz como eu sou infeliz...

Pixinguinha/Benedito Lacerda/ P.C.Pinheiro

Carne e Osso


Eu quero sim
Eu quero coisas novas
Mas o que eu procuro mesmo são mais vidas
Eu grito sim
Mas grito meu lirismo
E o meu grito vai sanar minhas feridas
E a música e a mística
Aplicam sangue novo no meu ser
Calo a minha dor
E o lúcido, e o válido e o sólido
Vão matar você que evita o seu amor
Por isso eu vou
Trazer você comigo
Programar o amor em seus computadores
Vou mais além
Eu morro mas consigo
Germinar a minha flor em seus rancores
Nem dúvidas, nem dívidas
Jamais vão destruir a minha flor dentro de você
Que cérebro, que máquina?
Conseguem fazer mais que um grande amor dentro de você
Saiba quem agride a minha lira
Quanto mais ferida, mais diz o que sente
Ainda vou ouvir você dizer pra mim, eu amo sim
Sou carne, sou osso, sou gente

Taiguara

As Asas

um homem em pé
um anjo caído
um corpo que cai em desgraça
uma alma que rola no chão
pode um anjo ou um homem
renunciar a essa condição?
não
o marmanjo é um anjo
com um arranjo de flores
pra uma mulher
feito com as asas cortadas
que deus lhe deu
esse anjo tosco
é você
sou eu
vital trespassado lodo iluminado
é você
sou eu
voar sem asas
lavar-se com as brasas
que o amor acendeu

Chico Cesar

Rock Comendo Cereja

Tem desejo de amor
Até mesmo na flor e na planta
E na voz de quem fala
E na voz de quem canta
Seja como seja
É tão bom quando você me beija
Beijo seus olhos caídos
Por entre as latas de cerveja
Piso na sombra às vezes
Quando quero que ninguém me veja
Volto pro meu quarto à meia-noite
Fico sozinho, ouço rock comendo cereja
São pirilampos as luzes
Dentro desse apartamento
Viva a vida querida
Aqui, agora, nesse momento
Adonai hosana saravá axé-kolofé

Jorge Mautner /Nelson Jacobina

Começaria Tudo Outra Vez

Começaria tudo outra vez
Se e preciso fosse, meu amor
A chama em meu peito ainda queima,
saiba nada foi em vão
a cuba-libre da coragem
em minhas mãos
A dama de lilás
me machucando o coração
Na sede de sentir seu corpo inteiro
coladinho ao meu
então eu cantaria a noite inteira
como já cantei, eu cantarei
As coisas todas que já tive
tenho e sei um dia terei
A fé no que virá e a alegria de poder
olhar pra trás e ver que voltaria com você
de novo viver nesse imenso salão
Ao som desse bolero vida, vamos nós
e não estamos sós veja meu bem
a orquestra nos espera
por favor, mais uma vez recomeçar
mais uma vez e sempre recomeçar
todo dia recomeçar

Gonzaguinha

Inquietação

Quem se deixou escravizar
E no abismo despencar
Por um amor qualquer
Quem no acesso da paixão
Entregou o coração a uma mulher
Não soube o mundo compreender
Nem a arte de dizer
E nem chegou mesmo a perceber
Ai, meu Deus
Que o mundo é sonho, fantasia
Desengano, alegria
Sofrimento, ironia
Nas asas brancas da ilusão
Nossa imaginação
Pelo espaço vai....vai....vai
Sem desconfiar
Que mais tarde cai
Para nunca mais voar

Ary Barroso

A Força do Amor

Chamou minha atenção o jeito que o amor
Tocando o pé no chão alcança as estrelas
Tem poder de mover as montanhas
Quando quer acontecer, derruba as barreiras
Para o amor, não existem fronteiras
Tem a presa quando quer
Não tem hora de chegar
E não vai embora

Chamou minha atenção a força do amor
Que é livre pra voar, durar para sempre
Quer voar, navegar outros mares
Dá um tempo sem se ver, mas não se separa
A saudade vem, quando vê não tem volta
Mesmo quando eu quis morrer
De ciúme de você
Você me fez falta

Sei, não é questão de aceitar
Sim, não sou mais um a negar
A gente não pode impedir
Se a vida cansou de ensinar
Sei que o amor nos dá asa
Mas volta pra casa

Chamou minha atenção o jeito que o amor
Tocando o pé no chão alcança as estrelas
Tem poder de mover as montanhas
Quando quer acontecer, derruba as barreiras
Para o amor, não existem fronteiras
Tem a presa quando quer
Não tem hora de chegar
E não vai embora

Chamou minha atenção a força do amor
Que é livre pra voar, durar para sempre
Quer voar, navegar outros mares
Dá um tempo sem se ver, mas não se separa
A saudade vem, quando vê não tem volta
Mesmo quando eu quis morrer
De ciúme de você
Você me fez falta

Sei, não é questão de aceitar
Sim, não sou mais um a negar
A gente não pode impedir
Se a vida cansou de ensinar
Sei que o amor nos dá asa
Mas volta pra casa

Cleberson Horsth /Ronaldo Bastos

Confessional

Amar, amei. Não sei se fui amado,
pois declarei amor a quem odiara
e a quem amei jamais mostrei a cara,
de medo de me ver posto de lado.

Ainda odeio quem me tem odiado:
devolvo agora aquilo que declara.
Mas quem amei não volta, e a dor não sara.
Não sobra nem a crença no passado.

Palavra voa, escrito permanece,
garante o adágio vindo do latim.
Escrito é que nem ódio, só envelhece.

Se serve de consolo, seja assim:
Amor nunca se esquece, é que nem prece.
Tomara, pois, que alguém reze por mim…
Arnaldo Antunes/Glauco Matoso

Dos navegantes

Desculpe senhora se eu sigo viagem
Passei por aqui de passagem
Meu jeito amoroso não quis te enganar
Não era pra te apaixonar
Não foi aventura, loucura, mentira, miragem
Um vento vadio é que fez meu navio
Perder o mar
Por isso senhora, perdão
Eu não vim pra ficar
Não sou feliz
Se me deixo criar raiz
Como os navais
Que a vida é o revés do cais
Agora senhora são tantos anseios
Promessas de amor delirantes
Mais tarde agonias, silêncios, receios,
Mistérios só dos navegantes
Não foi fantasia, feitiço, suspeita, presságio
O vento vadio é que fez meu navio
Voltar pro mar
Por isso senhora, perdão

Edu Lobo

Carta


Eu preciso mandar notícia
pro coração de meu amor me cozinhar
pro coração de meu amor me refazer
me sonhar
me ninar
me comer
me cozinhar como um peru bem gordo
me cozinhar como um anum-tesoura
um bezerro santo
uma nota triste.
me cozinhar como um canário morto
me cozinhar como um garrote arrepiado
um pato den´d´água
um saqué polaca.
Eu escrevo minha carta num papel decente
quem se sente
quem se sente com saudade não economiza
nem à guisa
nem dor nem sentimento que dirá papel
o anel
o anel do pensamento vale um tesouro
é besouro
é besouro renitente cuja serventia
já batia
já batia na gaiola e no envelope
e no golpe
e no golpe da distância andei 200 léguas
minha égua
minha égua esquipava, o peito me doía
quando ia
quando ia na lembrança, vinha na saudade.

Tom Zé

Feito Mistério


Então
senti que o resumo
é de cada um
que todo rumo
deságua em lugar comum
então eu monto num cavalo
que me leva a Teerã
e não me perco jamais
quando desespero vejo muito mais
Essa canção me rói, feito um mistério
essa tristeza dói
meu fingimento é sério
como aéreo é sempre todo amor

Lourenço Baeta/Cacaso

Feira Das Almas

Olha a raiva, olha o crime, olha a inveja, olha o medo
Quem pegar um amor maduro, vai ganhar um ciúme azedo
Ouça o grito dessa carne
Decepado coração
Quem der mais por sua alma
Leva junto uma paixão
Leva um orgulho sofrido
Um ciúme passado
Esse soluço tão fundo, pedindo pra ser usado
Raiva, crime, inveja, medo, decepado coração
Quem der mais por minha alma
Leva junto uma paixão
Olha a cidade, olha a feira
Olha o mundo, olha o mercado
Olha o dinheiro mudando o comprador em comprado
Olha a vida se ofertando em morte por um trocado
Olha a justiça inventando o inocente e o culpado
Raiva, crime, inveja, medo, decepado coração
Quem der mais por minha alma
Leva junto uma paixão

Francis Hime/Carlos Queiros Telles

Cruel


Tudo cruel, tudo sistema
Torre babel, falso dilema
É uma dor que não esconde o seu papel
São Carlos, morro, Borel
Eu subo e nunca estou no céu

Tudo João, nada na mesa
Deu no jornal, mãos na cabeça
Um marginal que já não pode mais fugir
Vai reagir
Menino é bom ficar de olho aí

Que tudo é desse mundo
Surpresa também
Espinho é bem mais fundo
Destino também
O amor tá quase mudo
Minha voz também
Cruel é isso tudo

Tudo tão mal, tão sem beleza
Doce de sal, lágrima presa
O que eles falam não se deve nem ouvir
Verbo mentir
Menino é bom ficar de olho aí

Sérgio Sampaio

Vampiro

Eu uso óculos escuros pras minhas lágrimas esconder
E quando você vem para o meu lado, ai, as lágrimas começam a
correr
E eu sinto aquela coisa no meu peito
Eu sinto aquela grande confusão
Eu sei que eu sou um vampiro que nunca vai ter paz no coração
Às vezes eu fico pensando porque é que eu faço as coisas assim
E a noite de verão ela vai passando, com aquele seu cheiro louco
de jasmim
E eu fico embriagado de você
Eu fico embriagado de paixão
No meu corpo o sangue não corre, não, corre fogo e lava de
vulcão
Eu fiz uma canção cantando todo o amor que eu sinto por você
Você ficava escutando impassível e eu cantando do teu lado a
Morrer
E ainda teve a cara de pau
De dizer naquele tom tão educado
"Oh! pero que letra más hermosa, que habla de un corazón
apasionado"
Por isso é que eu sou um vampiro e com meu cavalo negro eu
apronto
E vou sugando o sangue dos meninos e das meninas que eu
encontro
Por isso é bom não se aproximar
Muito perto dos meus olhos
Senão eu te dou uma mordida que deixa na sua carne aquela
ferida
Na minha boca eu sinto a saliva que já secou
De tanto esperar aquele beijo, ai, aquele beijo que nunca
chegou
Você é uma loucura em minha vida
Você é uma navalha para os meus olhos
Você é o estandarte da agonia, que tem a lua
E o sol no meio dia.

Jorge Mautner

Aconteceu

Aconteceu quando a gente não esperava
Aconteceu sem um sino pra tocar
Aconteceu diferente das histórias
Que os romances e a memória
Têm costume de contar
Aconteceu sem que o chão tivesse estrelas
Aconteceu sem um raio de luar
O nosso amor foi chegando de mansinho
Se espalhou devagarinho
Foi ficando até ficar
Aconteceu sem que o mundo agradecesse
Sem que rosas florescessem
Sem um canto de louvor
Aconteceu sem que houvesse nenhum drama
Só o tempo fez a cama
Como em todo grande amor

Péricles Cavalcante

A Meu Deus Um Canto Novo

Bem de longe na grande viagem
Sobrecarregado para o descansar
Emergi de paragens ciganas
Pelos mãos de Elmana, santos como a luz
E em silêncio contemplo, então
Mais nada a revelar
Fadigado e farto de clamar às pedras
De ensinar justiça ao mordo pecador
Oh lua nova quem me dera
Eu me encontrar com ela
No pispei de tudo
Na quadra perdida
Na manhã da estrada
E começar tudo de novo
Topei in certa altura da jornada
Com um qui nem tinha pernas para andar
Comoveu-me em grande compaixão
Voltano o olhar para os céus
Recomendou-me aos Deus
Senhor de todos nós rogando
Nada me faltar
Resfriando o amor a fé e a caridade
Vejo o semelhante entrar em confusão
Oh lua nova quem me dera
No pispei de tudo
Na quadra perdida
Na manhã da estrada
É começar tudo de novo
Boas novas de plena alegria
Passaram dois dias da ressurreição
Refulgida uma beleza estranha
Que emergiu da entranha
Dos plaas azuis
Num esplendor de glória
Avistaram u'a grande luz
Fadigado e farto de clamar às pedras
De propor justiça ao mordo pecador
Vô prossiguino istrada a fora
Rumo à istrêla canora
E ao Senhor das Searas a Jesus eu lôvo
Levam os quatros ventos
Ao meu Deus um canto novo

Elomar

Clara

Quando a manhã madrugava
Calma, alta, clara
Clara morria de amor
Faca de ponta
Flor e flor
Cambraia branca sob o sol
Cravina branca, amor
Cravina, amor
Cravina e sonha
A moça chamava Clara
Água
Alma
Lava…
Alva cambraia no sol
Galo cantando cor e cor
Pássaro preto dor e dor
O marinheiro amor
Distante amor
Que a moça sonha só
O marinheiro sob o sol
Onde andará o meu amor
Onde andará o amor
No mar, amor
No mar sonha
Se ainda lembra o meu nome
Longe, longe
Onde, onde se vá numa onda no mar
Numa onda que quer me levar
Para o mar
De água clara, clara, clara, clara
Ouço meu bem me chamar
Faca de ponta
Dor e dor
Cravo vermelho no lençol
Cravo vermelho amor
Vermelho amor
Cravina e galos
E a moça chamada Clara, Clara, Clara, Clara
Alma tranqüila de dor

Caetano Veloso

Iracema

Iracema eu nunca mais eu te vi
Iracema, meu grande amor foi embora
Chorei, eu chorei de dor porque
Iracema, meu grande amor foi você
Iracema, eu sempre dizia
Cuidado ao atravessar essas ruas
Eu falava, mas você não escuitava não
Iracema você atravessou na contra-mão
E hoje ela vive lá no céu
E ela vive juntinho de Nosso Senhor
De lembrança guardo somente suas meias
E seu sapato
Iracema, eu perdi o seu retrato

Adoniran Barbosa

Fico Assim Sem Você

Avião sem asa, fogueira sem brasa
Sou eu assim sem você
Futebol sem bola. Piu-Piu sem Frajola
Sou eu assim sem você

Por que é que tem que ser assim?
Se o meu desejo não tem fim
Eu te quero a todo instante
Nem mil alto-falantes
Vão poder falar por mim

Amor sem beijinho,
Buchecha sem Claudinho
Sou eu assim sem você
Circo sem palhaço, namoro sem amasso
Sou eu assim sem você
To louca pra te ver chegar
To louca pra te ter nas mãos
Deitar no teu abraço, retomar o pedaço
Que falta no meu coração

Eu não existo longe de você
E a solidão é o meu pior castigo
Eu conto as horas pra poder te ver
Mas o relógio tá de mal comigo Porque? Pooooooorque?

Neném sem chupeta, Romeu sem Julieta
Sou eu assim sem você
Carro sem estrada, queijo sem goiabada
Sou eu assim sem você

Por que é que tem que ser assim?
Se o meu desejo não tem fim
Eu te quero a todo instante
Nem mil alto-falantes
Vão poder falar por mim

Eu não existo longe de você
E a solidão é o meu pior castigo
Eu conto as horas pra poder te ver
Mas o relógio tá de mal comigo

Abdulah/Cacá Moraes

Brigitte Bardot

a saudade
é um trem de metrô
subterrâneo obscuro
escuro claro
é um trem de metrô
a saudade
é prego parafuso
quanto mais aperta
tanto mais difícil arrancar
a saudade
é um filme sem cor
que meu coração quer ver colorido

a saudade
é um trem de metrô
subterrâneo obscuro
escuro claro
é um trem de metrô
a saudade
é prego parafuso
quanto mais aperta
tanto mais difícil arrancar
a saudade
é um filme sem cor
que meu coração quer ver colorido

a saudade
é uma colcha velha
que cobriu um dia
numa noite fria
nosso amor em brasa
a saudade
é Brigitte Bardot
acenando com a mão
num filme muito antigo

A saudade vem chegando
A tristeza me acompanha!
Só porque... só porque...
O meu amor morreu
Na virada da montanha
O meu amor morreu
Na virada da montanha
E quem passa na cidade
Vê no alto
A casa de sapé
Ainda...
A trepadeira no caramanchão
Amor-perfeito pelo chão
Em quantidade...

Zeca Baleiro

Vila Esperança

Vila Esperança, foi lá que eu passei
O meu primeiro carnaval
Vila Esperança, foi lá que eu conheci
Maria Rosa, meu primeiro amor
Como fui feliz, naquele fevereiro
Pois tudo para mim era primeiro
Primeira rosa, primeira esperança
Primeiro carnaval, primeiro amor criança
Numa volta no salão ela me olhou
Eu envolvi seu corpo em serpentina
E tive a alegria que tem todo Pierrô
Ao ver que descobriu sua Colombina
O carnaval passou, levou a minha rosa
Levou minha esperança, levou o amor criança
Levou minha Maria, levou minha alegria
Levou a fantasia, só deixou uma lembrança.

Adoniran Barbosa/Marcos César

Pra Terminar


Pra começar
Dizer que o amor chegou ao fim
Esqueça de me perguntar
Se ainda há amor em mim
Pra te enganar
escondo no sorriso a dor
Que sinto ao te ver passar
Na rua com seu novo amor
Se eu te encontrar
Não me pergunte como estou
Não saberia te explicar
Pra mim, ainda não terminou
Pra terminar
Dizer que o amor chegou ao fim
Esqueça de me perguntar
Se ainda há amor em mim
Pra te enganar
escondo no sorriso a dor
Que sinto ao te ver passar
Na rua com seu novo amor
E pra terminar
Dizer que o amor chegou ao fim
Esqueça de me perguntar
Se ainda há amor em mim
Pra te enganar
escondo no sorriso a dor
Que sinto ao te ver passar

Herbert Vianna

Copo vazio

É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar

É sempre bom lembrar
Que o ar sombrio de um rosto
Está cheio de um ar vazio
Vazio daquilo que no ar do copo
Ocupa um lugar

É sempre bom lembrar
Guardar de cor
Que o ar vazio de um rosto sombrio
Está cheio de dor

É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar

Que o ar no copo ocupa o lugar do vinho
Que o vinho busca ocupar o lugar da dor
Que a dor ocupa a metade da verdade
A verdadeira natureza interior
Uma metade cheia, uma metade vazia
Uma metade tristeza, uma metade alegria
A magia da verdade inteira, todo poderoso amor
A magia da verdade inteira, todo poderoso amor

É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar

Gilberto Gil

Continua no próximo post acima...

5 comentários:

  1. Nelson,

    Bonita, exaustiva e cansativa sua imensa seleção de letras de música. Como todo corte pessoal, obviamente, revela suas preferências e torna discutível se tudo o que você arrolou pode fundamentar seus argumentos. Considero plenamente desnecessária e dispensável a discussão se é poema ou não tais discursos poéticos. É pretenciosa sua colocação "para acabar de vez com o preconceito...". Sim, você parte do princípio de que seus argumentos são definitivos. São? Preconceito, reserva de mercado? Minha pergunta é: por que tal questão lhe incomoda? Eu prefiro ouvir música (com ou sem letra), enriquecer meu cotidiano com minhas leituras e saber que "a vida é cheia de som e fúria".
    Peço-lhe que corrija, por favor, algumas falhas em suas citações. Em rápido passar d'olhos notei algumas omissões:
    - "Lero Lero" - Edu Lobo e Cacaso(letra);
    - "Gitâ" - Raul Seixas e Paulo Coelho(letra);
    - "Luiza" - Tom Jobim(música e letra);
    - "Marcha da Quarta-Feira de Cinzas" - Carlos Lyra e Vinícius de Moraes(letra);
    - "Ave Rara" - Edu Lobo e Aldir Blanc(letra);
    - "Rosa" - Pixinguinha - Otávio de Souza(letra);
    - "A Rota do Indivíduo (Ferrugem)" - Djavan - Orlando Moraes(letra).
    Percebeu que você esqueceu justamente dos letristas.
    No mais, meu afetuoso abraço

    Aldo

    PS.: Parabéns pelo blog.

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  2. Nelson Rodrigues de Souza2 de abril de 2009 às 14:38

    Aldo,

    Como diz Adriana Calcanhoto no filme a vida é muito curta para ficarmos discutindo se letra pode ser poema ou não. Depois de meu esforço hercúleo de buscar tantas letras/poemas, eu procurarei me estender pouco sobre o tema aqui. Pelo menos por ora. Mas algumas observações são indispensáveis.

    O que gostaria que os leitores fizessem era mergulhar nas letras/poemas sem tanta preocupação com autoria ou com qual melodia elas estão associadas e procurassem sentir o êxtase estético que as letras/ poemas nos dão. Mas para isto tem que haver paciência e conforme frisei no texto do post, espero aproximações, fugas e retomadas pelos leitores, para não se sentirem cansados. Você em vez de fazer este mergulho ficou atento às autorias.

    Por que me interesso pelo tema? Primeiro por uma questão de justiça: alguém que nos deu “As Rosas Não Falam”, ”Cordas de Aço”, dentre outras maravilhas, como Cartola, além de grande músico merece ser chamado de grande poeta. Segundo, porque é uma forma que eu tenho de prestar tributo a um enorme aparato afetivo que de certa forma me constitui. Me pego na vida muitas vezes em situações em que as letras/poemas têm grande influência sobre mim, o que fica patenteado na correlação delas com muitos poemas que escrevo. Quando terminei com um namorado com quem acabei reatando depois de muito sofrimento, dando-me conta da bobagem que havia feito, ficou ecoando na minha cabeça tanto “Sonhos” de Peninha como “A Primeira Manhã” de Alceu Valença que ele colocou para que eu ouvisse, depois que lhe dei a notícia de que tudo acabou. Muitas vezes me pego pensando: ”Só não lavei as mãos, mas é por isso que me sinto cada vez mais limpo”. E outros exemplos podem surgir aos borbotões.

    Na pesquisa me deparei com letras/poemas belíssimos como alguns de Guilherme Arantes e principalmente Taiguara, em que não conheço ainda as músicas associadas. Vários outros casos poderiam ser apontados.

    O título do post vem de uma provocação inspirada em “Pra Acabar com o Juízo de Deus” de Antonin Artaud montada aqui no Rio por José Celso Martinez Correa no Centro Cultural Hélio Oiticica. Um pouco da ira santa de Artaud me possuiu, mas sem querer mesmo provar nada definitivamente. Nem na ciência muitas vezes isto é possível. Quanto mais na arte.

    Obrigado pelos erros detectados. Foi falta de memória minha combinada com traição dos sites de letras. Tomara que os leitores leiam o seu comentário. Os problemas de edição destes dois posts enormes foram tantos (com descarrilamentos de letras dentre outros) que prefiro não mexer neles mais. Tenho receio que haja algum problema que não possa reverter.

    Apesar das divergências, gostei muito, sinceramente, de ter sua presença aqui e espero mais comentários seus aos meus posts, principalmente sobre aquele com referência a Cidadão Kane, que você está me “devendo”....

    Um grande abraço,
    Nelson

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  3. Nelson,

    Pode parecer pedante, mas conheço aproximadamente 80% das letras de música citadas. Não me prendi em autorias, entretanto, fico incomodado quando os criadores não são citados ou omitidos, por isso, a "sugestão impositiva" de correção.
    O mergulho que você solicita, procuro sempre fazer ao escutar música. É, pois, para mim, redundante seu pedido. Você bem sabe como prezo a palavra, o trabalhar a palavra.
    Sua pesquisa é esplendorosa, mas creio que ela perde um pouco do vigor ao ser colocada para nós em abundância. Podia ser nos dada em capítulos. Claro, é só uma opinião.
    Uma pergunta: você deixaria de se deliciar com "mas na voz que canta tudo ainda arde/ tudo é perda, tudo quer buscar, cadê?/ tanta gente canta, tanta gente cala/ tantas almas esticadas no curtume/ sobre toda estrada, toda sala/ paira, monstruosa, a sombra do ciúme" (Ciúme, de Caetano Veloso)ao saber que não é poesia segundo a classificação de "alguns catedráticos" do conhecimento literário?
    Para mim, a questão é inócua. Continuarei a ler João Cabral, Drummond, Yeats, Keats, Walt Whitman, Adélia Prado, Oswald, Rilke, Cortazar, Borges e a "escutar" Aldir Blanc, Chico Buarque, Caetano, Cartola, Candeia, Noel Rosa, Vinícius, Cacaso, Ronaldo Bôscoli, Tom Jobim, Márcio Borges, Fernando Brant e tantos outros com um prazer imenso, sem me preocupar com "taxinomias".

    Um terno abraço

    Aldo

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  4. Nelson Rodrigues de Souza3 de abril de 2009 às 09:05

    Aldo,

    Para não nos estendermos muito em polêmicas só umas observações:

    1- "O mergulho que você solicita, procuro sempre fazer ao escutar música"

    O que gostaria é que este mergulho fosse feito pelas pessoas também sem as músicas, só com as letras. Durante anos escutei embevecido Elza Soares cantando "Se Acaso Você Chegasse" de Lupicínio Rodrigues. Mas a força do canto de Elza é tanta, chamando a atenão, que só ao ler bem a letra é que me dei conta de que história realmente se tratava. Lupicínio é um excepcional contista/poeta. Poderia dar outros exemplos. Faça um teste: conte rapidamente para si que história a letra citada tem...

    Ao contrário de você, eu acho sempre importante questionar o poder de alguns catedráticos do saber literário. Podem exercer influências nefastas sobre o público/leitor, principalmente o universitário. Pra mim a questão das letras/poemas não é inócua porque faço alguns poemas que dialogam com estes aspectos da MPB. Quando publicar meus livros será que vão dizer que isto não é poesia?

    Claro que não deixaria de me deliciar com “O Ciúme” nas condições que você descreve. Mas olhe só que dado interessante: o poeta, professor, ensaísta e hoje acadêmico Antônio Carlos Secchin, numa Roda de Leituras no CCBB-RJ trouxe para estudarmos em conjunto, umas poucas páginas de poemas onde havia João Cabral, Drummond, “Sampa” de Caetano, “Vitrines” de Chico ( desta trouxe até uma letra alternativa que saiu no CD “Almanaque”), dentre outros e nós que já tínhamos nos deliciado com o canto destas músicas, quando isto foi colocado no papel descobrimos camadas antes insuspeitadas. Outro exemplo: quando ouço Titãs me perco na massa sonora pesada. Já quando leio algumas letras/poemas deles considero fantásticas.

    Bem, chega que Adriana deve estar querendo puxar minhas orelhas. E viva Paulo Sérgio Pinheiro, outro grande poeta da MPB!
    Abraços,
    Nelson

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  5. Nelson,

    Por gentileza, compreenda: eu "escuto" as músicas e letras, ou seja, procuro mergulhar em música, nos arranjos, no trabalho da palavra. Sim, eu as leio independentemente da melodia.
    Eu questiono tanto o "saber" dos doutos que nem perco meu tempo com eles. Deixe de ser messiânico, eles continuarão a exercer influências nefastas e não será sua discussão que as diminuirá.
    É você que se incomoda. Para mim, os discursos poéticos se desdobram de tantas formas e ocupam meus espaços em música, livros, blogs e falas.
    Valeu a troca de comentários, pois nossas diferenças nos enriquecem. Quem sabe, elas se tornem um poema.

    Forte abraço

    Aldo

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