terça-feira, 10 de março de 2009

"Nada Será Como Antes"- Um Conto “Noir”


Nada Será Como Antes

Aquela tinha sido uma tarde de extenuantes reuniões. Sérgio, o diretor da Empresa Schindler, chegou ao hotel na Avenida Paulista estourado. Entretanto, os carinhos de Fernando foram tão ostensivos, insistentes, que os amantes, apesar das peregrinações do dia que quase colocaram Sérgio a nocaute e da viagem iminente de São Paulo, onde estavam, para o Rio de Janeiro, onde moravam, não conseguiram evitar que uma hora possível ainda restante na cidade fosse empregada numa candente, esfuziante festa do corpo. O desejo em Fernando apresentava-se tão voraz que enquanto os sêmens de ambos jorravam aos borbotões, fundiam-se, fecundando-se, perdidos no espaço, ele, incontrolável, mordia a mão do amante em excesso, cravando-lhe os dentes e roçando o limiar da dor no parceiro em meio a delirante prazer. Sérgio assustou-se:

- Nossa, até parece que é a nossa ultima vez! Fernando, que loucura! Não fique assim. Tudo dará certo conforme planejamos!

Eram seis horas da tarde quando os dois embrenharam-se na via Dutra com destino ao Rio. Fernando dirigia o carro que o companheiro lhe dera. Enquanto o homem de negócios viera a São Paulo de avião, o companheiro, ora sem ocupação fixa, percorrera a Dutra no sentido inverso em que agora trafegava. Dois dias intensos a contatar clientes já haviam se passado, mas uma reunião ao meio dia do dia seguinte ainda esperava o primeiro e único filho do velho Schindler, o qual já sem o vigor de antes preferiu deixar de vez os negócios da empresa na mão do rebento, enquanto dava-se ao luxo de apenas se reter a periódicas supervisões, que o faziam abandonar o refúgio da casa de Búzios onde gostava de esconder a sua solidão desde que enviuvara. Sérgio recomendou muita cautela ao amigo, enquanto preparava-se para dormir como pudesse no banco traseiro:

- Desculpe-me se o deixo sozinho, mas lembre-se que nessa próxima madrugada mesmo, teremos que voltar. Sobre todos os aspectos é da maior importância que eu não perca essa reunião. Você compreende, não?

Fernando aquiesceu com a cabeça e desejou bons sonhos ao companheiro, se o incômodo permitisse.

Conforme haviam planejado, chegaram pouco depois da meia noite no apartamento de Copacabana que Sérgio alugara para o companheiro, apartamento este, cujas paredes acompanharam a evolução da vertiginosa relação até a temperatura de então, quando a atração que os lançava um ao outro era forte o suficiente, para permitir que Sérgio pensasse agora em abandonar de vez mulher e filhos, enfrentar a inevitável ira do pai e embarcasse numa quimera que lhe parecia decisiva aos 48 anos. Antes do passo definitivo, certas precauções, entretanto, se faziam necessárias e era este o objetivo do camuflado retorno ao Rio de Janeiro que empreendera, sem o comprometedor cadastramento das passagens de avião marcadas.

Depois de um terno beijo recebido do companheiro, Sérgio engajou-se na pequena viagem por sua conta e risco à Búzios, com seu próprio carro.

O clandestino filho pródigo que voltou ao reduto paterno não foi visto por nenhuma alma da região. Eram três horas da manhã. Os boas-vidas dormiam cedo para usufruírem das ondas propícias ao surfe na praia próxima, logo pela manhã. Era o que pensava Sérgio. O cão feroz da casa do pai, o verdadeiro e único caseiro que o velho Schindler permitia que lhe fizesse companhia, conhecia Sérgio o suficiente para não se alarmar com a sua chegada e evitar o escândalo que denunciaria a curiosos vizinhos a extemporânea visita que efetuava.

Silencioso, com uma chave pessoal, Sérgio abriu a porta e entrou casa adentro com os passos medidos, o coração batendo mais forte, mas sem se exaltar excessivamente. Afinal tudo estava transcorrendo como planejara: o pai dormia e ele podia já dar início à operação.

Como primeiro passo, abriu a geladeira e numa das garrafas d’água adicionou algumas razoáveis, mas letais gotículas do conta-gotas com o veneno potente que trouxera. Devolvida a garrafa verde junto às demais na geladeira, foi até a gaveta do armário do banheiro, onde o pai reunia os diversos remédios que tomava, colocou o comprometedor conta-gotas lá dentro, como se naquela casa fizesse parte da ordem natural das coisas tais medicamentos estarem acompanhados de tão infame frasco, tudo com o cuidado de usar luvas para evitar qualquer impressão digital.

O pai assustou-se quando foi acordado pelo filho. Não pode evitar o clássico “O que é que você está fazendo aqui e a essa hora?”

- Há alguns negócios extremamente duvidosos que estão me propondo lá em São Paulo. Eu preciso conversar com o senhor urgente. O senhor se lembra do Francis não?

Assim, apresentando um problema cuja decisão já havia sido pensada e dispensava a agora tardia opinião do pai, os dois iniciaram depois uma longa noite de reminiscências que poderiam explicar a frieza e insinceridade que permeavam a relação.

As soluções apresentadas pelo pai foram praticamente as mesmas que o filho já havia adotado: Francis realmente deveria ser encarado com bastante cautela. Passaram então a falar sobre a saúde do velho:

- O senhor tem tomado os seus remédios direito? Eu não sei por que o senhor insiste em viver aqui sozinho. Seria interessante ter pelo menos alguém que cuidasse da comida.

- Eu prefiro eu mesmo cuidar da comida a ter de cuidar de quem a prepara. Só eu sei o tempero que me agrada. Já não basta a Mercedes que vem uma vez por semana aqui e deixa tudo de pernas para o ar e depois eu não acho nada daquilo que eu quero...

- É. Mamãe faz muita falta aqui.

A lembrança da mãe trouxe à baila sentimentos que Sérgio sempre fingira estarem soterrados:

- Eu me lembro bem dos fins de semana em que passamos aqui. Eu ainda rapaz, desaparecendo nas águas, fingindo que tinha me afogado, deixando vocês desesperados.

- É...Você aprontou mil e umas pra mim e sua mãe. Se não fôssemos nós dois sei lá que caminho você teria trilhado hoje. Você preferia qualquer atividade ordinária por aí, mas não queria de jeito nenhum se envolver na Empresa. E pensar que até em psicólogo tivemos de levar você!

- Mas aí eu fui mesmo por outras causas!

- Eu sei... eu sei ...Mas nem me lembre...

Os olhos de Sérgio faiscaram. Ele sentiu uma compulsão irrefreável de tocar e esmiuçar este assunto. Nem que fosse pela ultima vez.

- Agora que já passou não tem nada demais a gente lembrar. É até engraçado. O senhor temia que o seu filho se tornasse um pederasta não é?

- Não vamos nos lembrar dessas coisas agora!

Sérgio, ignorando a súplica do pai, como que possuído pelo tema, fez a titânica questão de seguir em frente:

- O senhor se lembra quando me surpreendeu com o filho do seu amigo Chaves, aqui mesmo no quarto de hóspedes?

- Eu já disse que não quero me lembrar dessas coisas. E essas luvas para que servem? – acrescentou o contrariado pai tentando forçar o filho a mudar de assunto.

Sérgio não se deixou perturbar pela observação:

- Tem feito muito frio em São Paulo. Eu estou curtindo um pouco o uso de luvas. Mas deixa isso pra lá. Essas lembranças são interessantes.

O velho Schindler se contorcia em esgares, pressionava a mandíbula, nervoso. O filho prosseguia insensível ao mal estar provocado:

- Quando você e mamãe nos surpreenderam, eu pensei que ia levar a maior da surras. Mas não...

- Foi sua mãe que me segurou!

- É. E resolveram então me levar ao psicólogo. De inicio o tal cara disse que isso era normal na idade. Todos os rapazes cometem essas brincadeiras. Mas quando o senhor lembrou-lhe que eu já ia alcançar os dezesseis anos e não tinha ainda nenhuma namoradinha, o doutor resolveu tomar providencias. Receitou-me uma boa dose de hormônios e eu os tomei com esperança.Afinal queria ser normal como todo mundo. Eu só me vi livre desses hormônios quando apresentei a Eunice à família. O senhor já reparou como eu tenho pêlos no corpo todo, até nas costas? Na nossa família ninguém é assim... Logo entrei na faculdade e um pouco antes de me formar administrador de empresas, a Eunice engravidou. Noivado e casamento rápido, essas coisas...

- Tudo bem. Mas isso já passou. Agora você está casado, tem dois filhos lindos. Tem uma mulher que cuida bem de você. Eu não entendo por que você toca neste problema já superado?

Sérgio mantém olhar distante. Por mais dolorosas que essas lembranças se configurassem ao pai, ao filho adquiriam a dimensão de exorcismo, de purificadora catarse.

- Eu ainda hoje me lembro das perguntas que o psicólogo insistia em fazer, quando estávamos a sós, como se fosse realmente guardar segredo:

- Quantas vezes isso já aconteceu antes, rapaz?

- Eu não me lembro mais.

- Você já teve relações sexuais com uma mulher?

- Já.

- Gostou?

- Não! Por que?

- Quando você folheia essas revistas com mulheres nuas, o que você sente?

- Não sinto nada.

- E o rapaz com quem você foi visto, lhe atrai?

- Sim. Por que?

- Nada... isso passa...

O pai interveio, colérico:

- Mas isso passou. Foi nos anos 60! Tanto passou que você está aqui, uma pessoa com a cabeça no lugar. Incapaz de cometer loucuras!

- O senhor sabia que já há um bom tempo, eu não me dou mais ao trabalho de dormir com Eunice?

- É. Ela me disse que vocês estão tendo alguns problemas. Mas isso é uma crise eventual. Você não pense que a minha vida com a sua mãe foi um mar de rosas.

- Eu sei. Eu já tive muito sono perturbado pela discussão de vocês. Mas o problema é mais complexo, entendeu?

O velho Schindler preparou-se para filosofar rotineiramente (“se a vida fosse fácil...”), o filho, entretanto, o interrompeu, encarando-o firmemente, procurando angustiosamente a cumplicidade:

- Mas a questão é que não tenho o menor interesse por Eunice agora, nem nunca tive!

- Você não a ama o suficiente? Mas o amor meu filho, amor conforme dizem, isso é coisa de poetas alucinados. A vida a dois é sempre árdua!

Sérgio procurou então expressar-se o mais claramente possível, para que não pairasse mais nenhuma dúvida no espírito do pai:

- Mas meu pai! Entenda de uma vez por todas! Eu não tenho, nem nunca tive nenhuma atração sexual por Eunice, nem por outra mulher alguma!

O velho silenciou alguns instantes e como que pescando as palavras, contra-atacou:

- Mas vocês tiveram um filho, tão apressados que estavam.

- Mais tarde, eu confirmei minhas suspeitas. Eunice premeditou o nosso casamento querendo engravidar logo, porque sabia da posição que me esperava. Afinal eu iria logo logo assumir o controle da Empresa Schindler!

- Você vai querer me fazer acreditar que o namoro de vocês, foi iniciativa dela, que você não queria?.

- Aí sim! A culpa foi em parte minha; eu fiz questão de arrumar logo uma namoradinha, como todos os rapazes da minha idade. Mas o que eu queria mesmo era me ver livre daquele maldito hormônio que me humilhava! Eu já estava farto de tudo aquilo! Aquelas reuniões com aquele psicólogo, aqueles interrogatórios! Eu já não podia mais tomar aquele hormônio! Será que o senhor não entende? Só dessa maneira eu pude me ver livre dessa tortura!

- Se você não tivesse interrompido a dose...

Essa observação ferina do pai foi a gota d’água que faltava para os ânimos do filho explodirem:

- Pois saiba que nem com mil garrafas de hormônios eu mudaria a minha cabeça, entendeu?

A insensibilidade do pai detonou ainda mais a provocação do filho. O affair atual de Sérgio irrompeu, inevitavelmente, na contenda:

- Saiba o senhor que eu, depois de anos perambulando pelos becos mais sórdidos, pelas vielas mais suspeitas, pelos banheiros mais torpes, pelas calçadas mais intransitáveis, pelos cinemas mais lúgubres, me escondendo como um vampiro, finalmente encontrei alguém que pode realmente dar um sentido à minha vida. E estou disposto a tudo para tê-lo perto de mim. Eu não vou deixar escapar por nada deste mundo essa grande chance!

- Você está louco! E seus filhos? Você não pensa neles?

- O mais novo já tem a minha idade quando eu caí nas garras daquele psicólogo. Os dois já estão em condições de compreender melhor essa vida!

O velho Schindler investiu com veemência, disposto a utilizar os principais trunfos que tinha:

- E o seu trabalho? Você acha que poderá chefiar a empresa com todo esse escândalo pairando no ar? Não foi para isso que eu lhe preparei para ocupar o meu lugar! Para ver o nome dos Schindlers assim de graça na sarjeta!

- Eu saberei manter minha vida particular nos devidos limites. Esse é um problema apenas da nossa família!

- Você não se atreveria a uma coisa dessas nem que eu morresse!

O senhor Schindler sentiu-se propenso a dar o veredicto final, a arremessar a ameaça definitiva, mas conteve-se. Pensou apenas. Mas o silêncio foi suficiente para que Sérgio, que media o pai nos menores gestos, compreendesse telepaticamente o que se passava pela cabeça do velho e falou arremedando a voz do pai:

- “Eu prefiro deserdá-lo, afastá-lo de todos os afazeres da Empresa, a permitir que cometa essa loucura!”.

Schindler pai tossiu então como se fosse expelir os pulmões, uma inquietante falta de ar o acometeu. Sem tirar os olhos do pai, o filho dirigiu-se à geladeira, encheu um copo com água da garrafa verde. Pegou depois dois comprimidos adequados na gaveta de remédios do armário do banheiro e se aproximou do velho, solícito, os olhos fixos, com idéias compenetradas, as mãos hábeis. Contrariando um ímpeto de tremedeira, caminhou com passos equilibrados como se por dentro não lhe consumisse nenhuma vertigem.

O pai acompanhou os movimentos do filho, atento. Sérgio tentou adivinhar-lhe o que lhe ocorria no espírito naquele momento. Uma leve esperança assomou o ânimo do filho e num átimo de segundos teve a impressão que o velho Schindler fosse abraçá-lo e dizer-lhe: “Que é isso meu filho? A vida é curta para nos perdemos com essas tolices”... A impressão logo se dissipou. A expressão do rosto do venerando senhor era mais do que enigmática. Não era apenas uma única tendência, um sentimento fácil que ali se escondia. Era uma gama de emoções contraditórias. Ora transmitia uma ternura alentadora, ora um ódio fulminante, ora um desespero paralisante.

Schindler pai tomou o copo da mão do filho e olho no olho, sorveu pacientemente a água que suavizou a passagem dos comprimidos pela garganta. Recomendando-lhe que fosse deitar, Sérgio o acompanhou até o quarto. Despediu-se, com o pai já sonolento, dizendo que negócios impreteríveis o esperavam na capital paulista. Sérgio deitou um pouco no sofá da sala e fumou um cigarro pausadamente.

Antes de sair, Sérgio tomou o cuidado de fechar bem a garrafa verde e trazê-la consigo. Fez um carinho apressado no cão. Ninguém na vizinhança o viu abandonar a casa de praia. Era quatro e dez da manhã e as almas locais ainda dormiam.

Enfim Sérgio se via livre da influência do pai. O temor de se ver despojado dos bens paternos finalmente tinha sido debelado. O cuidado que o pai tivera em se casar com separação de bens, ele não pode ter. Mas agora poderia cumprir todas as exigências de Eunice para a separação e ainda muito lhe sobraria para compartilhar com o amante. Daria a Fernando uma vida digna que os seus vinte e cinco maltratados anos jamais conhecera. Por alguns instantes, enquanto maníaco, desfiava as suas amarguras ao pai, quase acreditou que este poderia compreendê-lo, perdoá-lo (se é que era necessário perdão) e amá-lo. Quase acreditou que o plano traçado fosse se tornar desnecessário. A evolução dos acontecimentos negou-lhe tal desfecho. A compreensão, o perdão e o amor teriam que partir dele mesmo. Mas estava por demais calejado, com a alma por demais perfurada por ressentimentos para que essa grandeza lhe tivesse acometido.

Beirando as seis e quinze da manhã, Sérgio atingiu o apartamento do amante em Copacabana. Eram tantas as chaves que compunha seu molho que impaciente, atrapalhado, optou por tocar a campainha insistentemente e acordar bruscamente o companheiro. O seu coração que até então mesmo nos momentos mais críticos daquela madrugada, havia se comportado com razoável frieza, bateu alucinado. “Mas como, por que diabo Fernando não abre essa porta?” – balbuciou atarantado. Com dificuldade descobriu a chave adequada e abriu a porta, disposto a gritar: “Mas que sono filho da puta esse seu, heim Fernando?...” O grito, entretanto, foi para dentro. O apartamento estava vazio. No armário deparou-se apenas com as suas próprias roupas. Do amigo, jogada num canto apenas uma cueca de lycra vermelha, um tanto já desbotada. Foi com raivosa ansiedade que ele se pôs a ler a carta abandonada sobre a fronha de estampa caleidoscópica de um dos grandes travesseiros da cama. Era aquele predileto com o qual passara memoráveis noites com o amigo agora desaparecido.

“Querido, você sabe como foi uma pessoa importante e maravilhosa na minha vida. Quando eu lhe conheci, eu pensei que fosse como todos os outros que sempre estiveram apenas interessados no meu belo corpo, no meu atrevido traseiro. Mas não. Desde o primeiro momento eu senti que com você seria algo diferente. Você fez questão que eu abandonasse essa vida louca que tinha, essa minha via-crúcis das calçadas. Tudo bem. Sou-lhe grato por tudo isso. Desde que fugi da intolerável pressão lá de casa que eu não tinha tido uma vida, vamos dizer assim, familiar. Foram maravilhosos os momentos que passamos juntos. Eu nunca havia me sentido tão gente como com você. Você me trouxe para morar aqui, comprou um carro pra mim.Eu o devolvo delicadamente, sem nenhuma intenção oculta. È apenas uma questão de pudor. As chaves estão sobre a escrivaninha. Enfim, você fez o que pode por mim e sei que ainda faria muito mais. A visita de seu pai, entretanto, há uma semana atrás, antes de irmos à São Paulo ( sim, sua mulher Eunice e ele estavam na nossa cola) me fez compreender coisas que o meu deslumbramento não permitia enxergar... Querido, seu pai tem razão quando diz que é uma loucura você abandonar mulher e filhos agora e nos aventurarmos desse jeito. Dois sérios perigos comprometem o futuro da nossa relação. Mais cedo ou mais tarde descobririam a vida que levamos e isso seria muito ruim para o seu trabalho, sua liderança seria abalada. A outra questão diz respeito à nossa relação mesmo. Quem nos garante que o nosso amor não se desgastaria com o cotidiano diabólico? Tanto eu poderia encontrar uma outra pessoa que fizesse mais a minha cabeça ou você, o que é mais provável, dado as suas melhores condições, poderia se enamorar de um outro bofe que lhe daria mais carinhos do que eu e você se veria em apuros para ver-se livre de mim, assim como atualmente você deseja livrar-se de Eunice.... O que eu sei fazer, a não ser oferecer esse corpo que você conhece tão bem, mas que não conservará eternamente essas lindas curvas que você tanto adora?...

Desculpe-me, perdoe-me se você puder. Mas eu não pude recusar a grande quantia que seu pai me ofereceu para abandoná-lo. Eu sei que agora você pode sofrer muito, mas é melhor para o nosso futuro. Você merece uma pessoa muito melhor que eu. Alguém que tenha estudado, que seja do seu nível.

Não se preocupe, eu não revelei ao seu pai os seus planos mirabolantes. Disse-lhe apenas que tivesse uma conversa séria com você e o tratasse com bastante carinho, que você precisaria muito disso. Disse-lhe apenas que você estava tão desnorteado, que talvez fosse capaz de cometer uma loucura. Não me atrevi a dizer mais nada.

Sabe, querido, de posse do dinheiro, eu quase pensei em deixar o velho Schindler pra lá, contar tudo a você para enfrentarmos os dois, a sua família. Mas além de temer que você passasse a me desprezar por ter aceitado esse dinheiro, eu tive medo das ameaças que o velho me fez. Ele me disse que tinha uns amigos policiais que sabiam muito da vida que eu tinha levado e que a um leve sinal dele eu poderia ser interrogado seriamente. Poderiam ir mais a fundo na questão de alguns “boa-noite cinderela” que andei dando para sobreviver. Minha vida agora é outra. Com base em que provas eles podem me recriminar? Nunca se sabe. E você sabe, querido, o pavor que eu tenho de tiras... A mim só me restou ficar o máximo de tempo com você para não morrer de saudades depois.

Serginho, eu peço a Deus que neste momento você e seu pai já tenham se reconciliado e que você encontre alguém que possa lhe fazer realmente imensamente feliz.

Um beijo afetuoso,
(nunca lhe esquecerei)
Fernando”

Sérgio leu a carta do amigo de uma assentada só, num só fôlego. Sentiu-se como se houvesse ingerido o conteúdo do fatídico conta-gotas e agora as vísceras quisessem escapulir pela boca. Era seis e quarenta e sete da manhã e ele tinha reunião marcada ao meio dia em São Paulo. Comprometeu-se em não pensar em mais em nada, a ter apenas uma nova idéia fixa: teria que ter forças para chegar a São Paulo a tempo de consolidar o álibi preparado.

Por mais que procurasse desvencilhar-se, ater-se aos cuidados do trânsito, a fisionomia ora sorridente, ora assustada de Fernando o arrepiava pela estrada afora como se a cabeça dele estivesse presa a um anzol, como um peixe cuja vara que o cerceia estivesse amarrada na dianteira do carro e insistentemente o encarasse.

Em Aparecida do Norte resolveu parar um pouquinho. Na beira da estrada enquanto os demais veículos passavam atordoantes, Sérgio contemplou por um momento a enorme Basílica, imaginou-se por alguns estantes lá dentro, pegou a garrafa verde de dentro de porta malas, contemplou-a indiferente aos reflexos que lhe cegavam os olhos e lançou-a matagal a dentro, um tanto aliviado. As luvas queimaria mais tarde.

Bastante suado, os cabelos um tanto eriçados, desculpando-se como pode pelo atraso de quarenta e cinco minutos (“não estou ainda familiarizado com essa cidade”), Sérgio iniciou a reunião. Quando Francis levantou algumas objeções, Schindler filho lembrou-se da conversa que travara com Schindler pai e ainda conseguiu rir um pouquinho por dentro.

Nem uma hora de reunião havia decorrido e dois agentes policiais apareceram com uma ordem de prisão contra Sérgio: logo após o encontro com Fernando, o pai enviou a um amigo de Búzios uma carta em que lhe confidenciou que estava com problemas sérios com o filho e que este seria capaz até de matá-lo! Foi esse amigo do pai que o encontrou morto na cama.

Na viagem de volta ao Rio de Janeiro, o que mais inquietava Sérgio, escoltado no avião pelos policiais, não era essa carta ao amigo que o pai deixou, nem a possibilidade de ao encontrarem o carro abandonado na Avenida São João, conseguirem associar o nome cadastrado do proprietário Fernando com o mesmo provavelmente mencionado na carta que o velho Schindler escreveu. Se a justiça iria considerar o acontecido como assassinato ou suicídio na ausência de maiores provas, pouco lhe importava, pelo menos naquele instante. Sem dúvida esta seria a questão crucial com a qual teria de enfrentar mais tarde, pois alegou ao ser preso que não sabia de nada e talvez pudesse ter sido um momento de loucura do pai, paranóico que estaria com a solidão que se auto impôs.

O que o inquietava realmente era por que o pai aceitou o copo com veneno tão docilmente, sem nenhuma objeção. Afinal se ele já estava alertado pela fatal imprudência de Fernando de que o filho “poderia cometer qualquer loucura”, por que, lúcido como ainda estava, confiou de modo irrestrito no filho?

Sérgio não pode deixar de lembrar-se dos hormônios que consentira em tomar. Teria o pai se suicidado, se deixado enganar, assim como ele, filho obediente, matou uma parte essencial de sua vida ao permitir que a história dos hormônios fosse adiante com o namoro, o noivado e o ritual de acesso ao comando dos bens paternos? Afinal, um envenenamento inexorável ou consentido?

Nelson Rodrigues de Souza

24 comentários:

  1. O que uma pessoa não faz por amor. Amor alucinado ! Amor contido ! Amor marginal !.Um texto angustiante ...

    Oswaldo

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  2. Nelson, li e refleti ...voltei a ler e conclui que na verdade o pai foi um grande articulador e premeditou tudo até a possibilidade de castigar o filho para sempre...Cruzes,que viagem porque rejeitar e querer punir a si próprio e o filho pelo fato de ter outra escolha para satisfazer seus desejos...Pois na verdade percebi que o filho e o pai tinham tanto em comum que até me veio a questão:Será que o pai de Sérgio também era Gay??Parabéns pelo texto e pelo final magistral!!!uma vez mais e, cada vez mais, me convenço que Amor e Òdio ou òdio e Amor são de fato a mesma energia.

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    Аnԁ аfter this article ""Nаda Seг� Ϲomo Anteѕ"- Um Conto "Νoir"".
    I was moѵed еnοugh to create a thought
    ;-) I ԁο havе a cοuplе оf
    questіonѕ fог you if it's allright. Could it be just me or do some of these responses appear as if they are left by brain dead visitors? :-P And, if you are posting at additional places, I would like to keep up with anything fresh you have to post. Could you list all of all your social pages like your linkedin profile, Facebook page or twitter feed?

    Here is my webpage :: wiki.fabrikaglamura.ru

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    Take a look at my web blog: green smoke promo Codes

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    I wouldn't mind publishing a post or elaborating on a few of the subjects you write with regards to here. Again, awesome website!

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