domingo, 22 de agosto de 2010

O Novo Mundo,Os Desejos e Cobiças que Afloram, A Eterna Força da Natureza e O Trabalho Incontornável do Tempo/Novas Diretrizes para Velhos Preconc.












O texto a seguir contém spoilers, ou seja, detalhes são revelados para uma melhor análise.

“O Novo Mundo” de Terrence Malick

O Novo Mundo, Os Desejos e Cobiças que Afloram, A Eterna Força da Natureza e O Trabalho Incontornável do Tempo.

“Tão de repente a certeza de que ali

a Natureza percebeu que eu percebi

juntou-se o nada, a água, a terra, o fogo e o ar

e eu consegui, por puro instinto despertar.”

Sérgio Natureza

Quando se soube que Terrence Malick estava por filmar o mito de Pocahontas, ”a primeira Eva americana” (uma índia que no século XVII, no que viria a ser o Estado de Virgínia nos EUA, salvou e teve um caso amoroso com um colonizador europeu, acabou casando depois com um nobre inglês, criou fama, foi convidada até a conhecer a corte inglesa e anos depois de morta em 1617, acabou recebendo este nome) já se podia imaginar pela pequena, mas muito singular cinematografia do diretor, que não teríamos uma história comum e passaríamos à distância do trabalho da Disney de 1995 sobre ela. Um crítico americano descreveu o filme como sendo “Pacahontas com ácido”. Como este nome não é citado no filme (só veio à tona anos depois da história narrada) só vamos nos referir neste texto à índia ou então a Rebecca, nome que recebe ao ser aculturada.

Estamos em 1607. Depois de uma índia (Q’ Onianka Kilcher) se relacionar em preces com o sagrado da natureza, há um corte e nos deparamos com o expedicionário John Smith ( Colin Farrell) prestes a ser enforcado por ser considerado um rebelde. Logo neste início deste “O Novo Mundo” (EUA/2005) já temos uma síntese das dicotomias com as quais o filme irá operar. Não são maniqueísmos fáceis, nem uma retomada simplória da idéia do bom selvagem de Rosseau (um mito que Hector Babenco destrói com grande potência em seu subestimado e esplêndido “Brincando nos Campos do Senhor”), mas uma visão que decorre do temperamento do artista e seus modos de expressão. Em “Terra de Ninguém” (1973), primeiro e cultuado filme de Malick, ao acompanhar a trajetória de um serial killer e sua namorada que se marginaliza também, há ambigüidades de sobra que evitam qualquer simplismo imediatista e constamos que o cineasta não desaprendeu as próprias lições que já nos deu. “Cinzas no Paraíso” (1978) ao nos mostrar belos, ambíguos, frios e ao mesmo tempo “quentes” arrivistas também é um filme que nos passa estas sensações.

Capitão Newport (Cristopher Plummer) sente que este homem preste a morrer será muito mais útil vivo, para ajudar a construir uma comunidade naquelas novas terras, o salva e dá-lhe uma missão. John cuidará da manutenção dos víveres já escasseando e acompanhará a edificação de um forte, marco zero da colonização de um lugar que daria mais tarde ao surgimento do Estado de Virgínia. Mas logo descobrem que não estão sós. Há um tribo de índios chefiada por um rei (August Schellerberg ) que é pai da índia ( que vemos logo no início). Em uma de suas explorações, John é feito prisioneiro e só não morre porque a índia coloca-se na frente do corpo dele e com seu prestígio faz o pai rever sua sentença. Os dois, em belos rituais de aproximação, terão aprendizados mútuos, dando início a uma relação amorosa que fará história (há sites que aventam a possibilidade de cenas eróticas mais explícitas filmadas terem sido cortadas da montagem final, distribuída no EUA e mundo afora). Até detalhes estratégicos daquela sociedade ele acaba aprendendo. Quando o rei o liberta para que volte ao seu povo e o convença a ir embora daquela região, há até os que não concordam com a idéia dado que ele conhece segredos demais da tribo.

John volta e é mal-recebido. Os que almejam seu poder o tratam como traidor. Ele é preso e depois passa a ser um trabalhador braçal. Para quem conhece um pouco da história dos EUA e acompanha o beco sem saída em que esta sociedade está se atolando, não há porque enxergar maniqueísmo de Malick aqui. A luta pelo poder que se vê no século XVII, bem como a selvageria com que a tribo indígena será atacada adiante, com fogos do ódio e da cobiça é um espelho distante da era Bush e suas seqüelas que chamuscam a era Obama. Por mais lírico que seja, Malick não desautoriza esta leitura.

A índia visitará o amado, o idílio recomeçará, mas logo será expulsa de sua tribo pelo próprio pai por traição, vindo a conviver com os ingleses. Seus gestos e sorrisos antes potentes e generosos vão cedendo vez a uma mulher, não amarga, mas mais comedida, de uma tristeza camuflada. John desaparece de forma consentida para outras missões, com o pretexto de que morreu, sendo que esta é a versão que a ela é contada. A chegada de John Rolfe (Christin Bale) proporcionará a ela um marido com ritual cristão e um filho, sendo ela agora batizada como Rebecca. Esse novo mundo não lhe será colado à pele de índia sem dor, conforme veremos depois e não representa nenhum clichê ou banalização ressaltar isso. Numa das mais belas seqüências do filme ela, tomando conhecimento de que John Smith ainda vive, diz ao marido que não pode ser dele, pois está ainda casada: ela é fiel aos seus sentimentos e não às convenções sociais. Este tema é abordado de uma forma ainda mais objetiva, gloriosa e elucidativa em um dos grandes filmes de Werner Werzog: “O Enigma de Kaspar Hauser”: um homem é criado desde criança durante anos numa casinha na floresta, com água e comida apenas, sem contacto com o mundo exterior e depois é “lançado às feras”, agora adulto, num povoado, segurando uma carta lacônica de apresentação nas mãos, imóvel como uma estátua.

Tudo é muito singular em “O Novo Mundo”: a estrutura narrativa do filme não é linear e avança com oposições e atrações de ordem poética, sendo que tudo o que foi exposto anteriormente e contribui para a idéia de narração foi apreendido por esta lógica; o perfeccionismo de Malick que numa carreira de mais de trinta anos só dirigiu quatro filmes até este em questão, é palmar aqui; o realismo do filme aqui e ali irrompe (ainda que em batalhas sem sangue explícito) por mais que haja suas intervenções lisérgicas, zen-budistas, new-age ; há no conjunto um trabalho que evolui não no sentido da construção de um mito mas na revelação paulatina de emoções genuínas de pessoas de carne e osso, que se nos parecem estranhas se deve realmente ao nosso desconhecimento do universo onde elas estão imersas, do que a uma tentativa de fazer da realidade e suas metamorfoses, um desbunde riponga datado; há em “O Novo Mundo” a captação dos movimentos dos corpos, das almas, do processo de colonialismo e a violência desencadeada, das forças da natureza e do tempo.

Se o filme já havia nos deslumbrado com sua beleza convulsiva e onipresente, nos 15 minutos finais, ela cresce ainda mais de uma forma indescritível e inesquecível. A integração entre elipses dramáticas, música que vai num crescendo e desaparece, emoções à flor da pele, movimentos de câmera ousados e a qualidade da fotografia ainda mais evidente, formam algo que dá vontade de pedir bis incontáveis vezes. No DVD podemos fazer isso. Mas estaremos longe da força que o Cinema em tela grande tem para nos envolver com obras tão assim próximas de um camafeu portentoso.

A índia tornada a Senhora Rebecca, casada, com um filho, reencontra sua grande paixão John Smith, mas não pode agir como se nada tivesse acontecido antes (intui que ele também foi cúmplice no processo que culminou com a separação deles). Ela se afasta de seu genuíno e verdadeiro amor e depois a veremos face a face com John Rolfe: ela o beijará como gostaria de ter beijado o outro. Mas seu drama interior ainda que não extravasado é enorme: ela resolverá este conflito atraindo e somatizando uma doença mortal para si. Mas a elegância e sobriedade com que Malick nos mostra isto tudo são inexcedíveis no Cinema Americano de hoje.

Há quem diga que “quando morre o cineasta nasce o fotógrafo”. No caso de Terrence Malick esta maldade não faz o menor sentido. Sim temos um grande diretor de fotografia aqui, mas antes de tudo há por trás um grande cineasta que a tudo orquestra, dentre outros predicados, com grandes improvisos visuais. Uma ave que voa, por exemplo, pode ser focada e cortar a dramaticidade convencional de uma cena, mas quem decide isto é Malick, não é seu diretor de fotografia.

É surpreendente como em “O Novo Mundo”, Malick não deixa de comentar o que foi a pilhagem dos bens materiais e espirituais dos índios promovida pelos europeus colonizadores. Mas tudo nos parece muito novo aqui e a história de amor entre John e a índia se sobrepõe: é ela que está em primeiro plano. Os jogos lúdicos desta relação amorosa tendem a ficar mais fortes em nossas lembranças do que as batalhas.

O teatro é mais a arte do ator, o cinema é mais a arte do diretor. Colin Farrel não é realmente um ator de primeiríssima linha do cinema americano mas tem talento e não há porque desprezar o seu trabalho com sendo “simples alterações nos movimentos das pestanas”....Ele nos faz compreender seu personagem, sua inocência , seu amor pela índia e sua cultura, sua angústia, sua consciência e divisão interior por estar envolvido numa situação de colonizador que o faz correr o risco de ser um predador daquela nova civilização com a qual se depara e passa a admirar. Para um filme em que o trabalho de direção é extraordinário e original não há porque “apontarmos o dedo” para o trabalho de Colin como calcanhar de Aquiles da obra. Seria como se diminuíssemos este monumento do cinema que é “Barry Lyndon” de Stanley Kubrick (outro grande perfeccionista como Malick) porque ele procura extrair o melhor (e consegue) de Marisa Berenson e Ryan O’Neall ....

Costumo trabalhar muitas vezes com spoilers mas “O Novo Mundo” tem uma integração entre imagens e sons (trilha com muito Wagner e Mozart), numa montagem que é imprevisível mas não aleatória (segue uma lógica mais poética do que dramatúrgica; esqueçamos os famigerados manuais de roteiro aqui...) que o que acontece com todo grande filme, aqui tem uma força maior ainda: ao vê-lo cada um terá um filme diferente na cabeça e ao revê-lo (experiência a qual não resisti e fiz) novos sentidos se farão. O que impressiona e comove em “O Novo Mundo” é que este efeito poliédrico é conseguido com simplicidade: não houve aqui a necessidade da intensa elaboração formal de um clássico como “O Ano Passado em Marienbad” de Alain Resnais, por exemplo.

Sorrisos telepáticos, gestos amplos, aves que cortam a paisagem, águas rolando, vegetação abundante, sons da natureza, lutas cruciais, Wagner e Mozart na trilha sonora...tudo isso nós já vimos em outros filmes mas da forma orquestrada por Malick não.Há um tal nível de delicadeza aqui que é suis generis (que até os grandes diretores americanos Francis Ford Copolla e Martin Scorsese por exemplo não têm, ou apresentam raramente ) e ao contrário do poeta Rimbaud, “por delicadeza o filme não perde sua vitalidade...”

Conforme já foi comentado, quando Rebecca descobre que John ainda está vivo, diz ao marido que não pode receber seu carinho pois está casada. São esses seus sentimentos nobres. Por mais embates que tenha havido entre o velho e o novo mundo, esta inocência de Rebecca não se perde. Quando está para morrer diz ao marido com muita coragem que o que importa é que o filho deles sobreviva. É o velho dando lugar ao novo. É uma aceitação do poder transformador da natureza que está em sua cultura de origem, não naquela que a traveste como uma lady: um papel que ela jamais assume de fato e o marido, calejado por perdas pessoais compreende.

Para exibição comercial nos EUA e mundo afora um corte de 20 minutos foi feito. Mas dado que Terrence navega na contramão de qualquer conceito óbvio mercadológico podemos estar perdendo momentos de ouro. Para quem mergulha na proposta quase que esotérica do filme (a índia faz autênticos e simples rituais com as mãos, por exemplo) 20 minutos a mais seria muito bem vindo. A estrutura dramática do que assistimos comporta um tempo adicional.

Com toda beleza formal inebriante da obra, nem por isso há banalização nos combates entre europeus e índios e até mesmo nos dissensos internos. Mas tudo é relativizado pela supremacia da natureza e do tempo. Duas cenas que se complementam são emblemáticas disso: primeiro vemos um prisioneiro num dispositivo que lhe prende a cabeça e as mãos. A índia aproxima-se e dá algo para que ele coma. Mais tarde veremos este dispositivo vazio. O tempo operou mudanças de ponto de vista. O prisioneiro pode até ter sido enforcado, mas ali passamos a ter uma nova configuração operada pelo tempo.

“O Novo Mundo” na melhor tradição de David Lean (realizador de “Lawrence da Arábia” e “Passagem para a Índia”, dentre vários clássicos) e para exemplificarmos com um diretor mais novo e recente (já falecido), Anthony Minghella (de “O Paciente Inglês”, “Could Moutain”) trabalha magnificamente sentido épico e intimismo concomitantemente. Mas se Terrence neste ponto se aproxima destes cineastas , em outros diverge: a ousada montagem de suas seqüências está mais próxima do que Pasolini chamou de Cinema de Poesia do que do Cinema de Prosa. Malick, entretanto, nos brinda com um caos organizado, ao contrário de Rogério Sganzerla em “O Signo do Caos” onde o caos é caos mesmo ( o que este não faz no extraordinário “O Bandido da Luz Vermelha”).

O encantamento dos monólogos interiores seja da índia, John Smith ou John Rolfe, bastantes presentes, é mais uma dádiva da obra. Neste ponto Malick está sendo até bem realista, pois se pensarmos bem, passamos muito mais tempo na vida com nossos monólogos interiores do que dialogando com nossos semelhantes, mesmo que seja a pessoa amada.

No extinto site No Mínimo, Ricardo Calil admite que não tem dúvida que confrontado com “O Novo Mundo” está diante de um trabalho de artista mas não saberia dizer se este quadro em movimento deveria ser exposto no Museu de Arte Moderna ou na feira hippie de Copacabana (sic). Eu não tenho dúvida alguma: este filme deveria ser enviado ao espaço sideral como já fizeram com outras obras de arte, para que extraterrestres no futuro, se acontecer o pior com este planeta tão convulsionado por ações e omissões de toda ordem, saberem que, além das baratas sobreviventes, tinha outra forma de vida que é inteligente, sensível e delicada.

Que na temporada de prêmios para filmes de 2005, este filme grandioso só tenha conquistado o prêmio de melhor atriz revelação pelo “National Board Review” para Q’ Onianka Kilcher e uma só indicação ao Oscar ( melhor fotografia para Emmanuel Lubezki (de “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” de Tim Burton), aqui num trabalho antológico em que filma grandes planos e seqüências só ao sabor de luz natural, isso depõe contra os próprios organizadores destes prêmios e não em relação ao filme. Este filme de grande mestre foi muito mal recebido nas bilheterias dos EUA. Não se pode esperar outra coisa de uma sociedade hiper-massificada no que diz respeito a uma obra tão out-sider, out-of-order, aparentemente boder-line , sociedade esta que criou platéias cinematográficas, com honrosas exceções, ávidas por prestigiar bobagens em que se destacam o humor caricato e fácil, o horror de fundo de quintal, o cinema de sangue e tripas, os quais são elevados fácil fácil à categoria dos Top Ten ( dez maiores bilheterias da semana). O pior é que este é um modelo que querem nos impingir e ...conseguem...Às vezes surge um Spike Lee com seu “O Plano Perfeito” mas é uma das exceções que confirma uma regra nefasta para a economia do cinema não só americano como em muitas outras partes do mundo. Há blockbusters de qualidades variadas que também são uma forma de exceção, mas mesmo nestes, apesar de evidentes qualidades, há em alguns uma tendência à infantilização das platéias que é muito incômoda e perniciosa.

No Brasil há o mito de que nós aqui não valorizamos com devíamos nossos artistas ao contrário do que aconteceria com os EUA. O fato de um artista da qualidade de Malick levar mais de vinte anos para de “Cinzas do Paraíso” (tido por muitos como um tendo um dos mais belos trabalhos de fotografia da história do cinema, feito por Nestor Almendros, fiel escudeiro de muitas obras de Eric Rohmer e Truffaut ) chegar a “Além da Linha Vermelha” e depois mais oito para termos esta jóia cinematográfica que é “O Novo Mundo”, nos mostra muito descaso com os artistas também nos EUA, não sendo pois uma desqualificação apenas nossa ( e poderia citar aqui vários outros exemplos que vão além de Malick). Pode-se argumentar que Malick é arredio, não gosta de dar entrevistas, é recluso (seria uma espécie de J.D.Salinger do cinema). Não compareceu ao festival de Berlim de 2006 para acompanhar a exibição de seu filme e satisfazer curiosidades da mídia (no seu lugar quem brilhou foi Q’ Onianka Kilcher que tinha dezesseis anos durante as filmagens; a tela do cinema sugere um mulherão; faz parte da magia do autor-diretor transformar o menos em mais, o pequeno em grande). Mas o roteiro de “O Novo Mundo” já estava sendo trabalhado desde a década de 70. Assim pelo seu dom para o cinema mais do que sublime, sua aura de artista americano ourives raríssimo, deveriam ter aparecido muitos produtores doidos e insistentes para que ele filmasse com carta branca, sem essas longuíssimas esperas, que transcendem qualquer noção de maturação dos projetos. Tomara o próximo Malick surja logo, pois adaptando Vinícius, sem querer incorporar nenhum vestígio de arianismo ( não me entendam mal por favor..): “A feiúra que me desculpe mas beleza é fundamental”...

Ps1. Quem se encantou com a epígrafe recomendo o CD “ Um Pouco de Mim” de Sérgio Natureza e Amigos, ponto de partida para o Projeto Poetas da Canção, através do selo SESCRIO.SOM. Os versos foram extraídos da canção “Interiores” de Cristóvão Bastos e Sérgio Natureza, interpretada por Ná Ozzetti, uma das duas ou três melhores cantoras brasileiras vivas. Que pela sua grandeza tenha gravado relativamente pouco, remetendo a Malick e o Cinema, é mais um dos escândalos culturais brasileiros.

Ps2 Este texto foi publicado originalmente no jornal Montblãat. Aqui encontra-se com cortes, atualizações e acréscimos.

O texto adiante contém spoilers, ou seja, detalhes são revelados para uma melhor análise.

“Novo Mundo” de Emanuele Crialese”

Novas Diretrizes para Velhos Preconceitos

Uma sinopse curta de “Novo Mundo” (Itália/França/Alemanha/2006) de Emanuele Crialese do tipo “um homem vende tudo o que tem para viajar com sua família à América e recomeçar sua vida” sugere aquilo que já foi muito mostrado e à priori condena a obra a repetir clichês. A grande façanha deste “Novo Mundo” é que uma visão solidamente poética se instala do começo ao fim com novas imagens e óticas originais de observação para este tema tradicional.

Caracterizando com força uma primeira parte do filme, logo na abertura destaca-se numa paisagem árida e pedregosa da Sicília do início do século XX, um homem, o viúvo Salvatore Mancuso (Vincenzo Amato) e seu filho Angelo (Francesco Casisa), com pedras na boca, chegando ao topo de um monte onde esperam um sinal de Deus para a idéia de viajarem à América onde já se encontra um irmão de Salvatore. Na região inóspita onde vivem, a matriarca Fortunata (Aurora Quattrochi) pratica medicina à sua maneira e a vemos como uma entidade ancestral capaz até mesmo de tirar uma cobra que se instala na barriga de uma mulher. De posse de fotografias montadas onde há aves gigantes e árvores que dão dinheiro, a América passa a ter uma idealização onírica com pessoas que carregam frutas e legumes enormes, surgindo até mesmo uma chuva de moedas no rosto de quem se dispõe a ficar com o corpo enterrado. Há uma influência nítida do cinema dos irmãos Paolo e Vittorio Taviani (“Kaos” (1984,, “A Noite de São Lourenço” (1882), dentre outros), mas longe de ser mera mimetização temos aqui uma pujante e comovente retomada do universo camponês com sua mitopoética, sua ingenuidade que se mescla a uma particular sabedoria.

Numa segunda parte temos a viagem para a América na terceira classe de um navio, onde se junta aos Mancuso a enigmática inglesa Lucy (Charlotte Gainsbourg) que precisa arrumar um casamento para poder completar a imigração. Salvatore encanta-se por Lucy nesta travessia com a mãe Fortunata, em princípio arredia, o filho Ângelo, o mais novo Pietro (Filippo Puccilo) que é surdo-mudo e mais duas camponesas a que lhe foi confiada a guarda. As condições desumanas da viagem que remetem a um navio negreiro são mostradas sem escamoteações, mas sem sensacionalismo, permitindo ainda grandes brechas para a poesia em planos de detalhes e gerais marcantes. Há uma representação que remete agora a “América, O Sonho de Chegar (1994) de Gianni Amélio, uma obra sobre a sofreguidão de emigrantes albaneses que num mundo pós-muro de Berlim, procuram a Itália como a terra prometida.

Na terceira parte com a chegada do navio a Ellis Island o filme mostra o que tem de mais original. Não vemos nada de Nova York, apenas corredores, salas e aposentos kafkianos onde se fazem entrevistas, exames médicos, testes de inteligência, checagem de casamentos necessários, para enfim detectarem, num jogo de perversa eugenia, os que são bons o suficiente para merecerem entrada no novo mundo. Fortunata é quem se mostra mais refratária aos métodos inquisitoriais. Objetivamente diz que ninguém ali é Deus para separar “o bom do ruim”. Criado impasses para a imigração da família Mancuso são elementos da cultura siciliana que se vão contrapor à cultura capitalista deste novo mundo em que as pessoas são coisificadas e tornadas interessantes apenas pelo seu valor de lucro. As soluções que se apresentam para os Mancuso tem a ver com a sabedoria das origens, o que os testes de inteligência a que são submetidos não conseguem captar de forma alguma.

A lembrança do filme de Amélio sobre albaneses não surge à toa em nosso imaginário. Em uma das grandes ironias da História, a Itália que exportou imigrantes para várias partes do mundo, hoje encara como fazendo parte da ordem natural das coisas a discriminação de imigrantes do Leste Europeu, da África, do Oriente Médio, da América do Sul. Hoje a Itália, país enriquecido da Comunidade Européia, barra embarcações de imigrantes ilegais no Mar Adriático e Mediterrâneo.

Com uma leitura política nítida, em que o que se observa hoje é simplesmente uma reciclagem, novas diretrizes para um velho preconceito conveniente dissecado na tela, “Novo Mundo” não se esgota nesta vertente. Em entrevista a Flávia Guerra no O Estado de São Paulo, Emanuele Crialese, um romano que estudou cinema na Universidade de Nova York, foca mais seu filme:

O tema da imigração e da busca por um futuro melhor é universal. No entanto, mais universal ainda é o tema do sonho. É em busca de um sonho que se deixa tudo em uma terra e se parte para outra desconhecida”

Em “Novo Mundo” Crialese cria imagens de sonho simples, mas magistrais, de personagens mergulhados num mar de leite, com trilha sonora aliciante de Nina Simone. Em “Respiro” (2001), seu filme anterior, o mar se torna um santuário onde passa a viver Grazia (Valeria Golino), como uma criatura mitológica, ela que era discriminada na comunidade de pescadores da ilha de Lampedusa, a sudoeste da Sicília, por seu jeito livre de viver e suas crises de euforia e depressão, marcando seu inconformismo, o que a leva até a soltar todos os cachorros presos da comunidade, para desespero do marido Pietro (o mesmo Vincenzo Amato) e o apoio quase que incestuoso do filho mais velho Pasquale (Francesco Casisa). Com a força com que se aferram às suas próprias leis, cada uma ao seu modo bem particular, de forma independente das pressões sociais, Grazia e Fortunata são personagens da mesma falange espiritual.

Tanto em “Novo Mundo” como em “Respiro” tem-se um diretor que é um fabuloso construtor de imagens poderosas que transcendem o realismo das narrativas. Em ”Novo Mundo”, Leão de Prata de Revelação, além de outros cinco prêmios no Festival de Veneza de 2006 tem-se uma sintonia com os grandes mestres do cinema italiano. A nostalgia de termos perdido tantos diretores de uma cinematografia maior é em parte compensada pela ascensão de Emanuele Crialese junto aos relativamente poucos grandes cineastas italianos de hoje (numa comparação com a era de ouro já vivida), como Nanni Moretti, Gianni Amélio e o sobrevivente genial Marco Bellocchiio. Seu próximo filme é algo a não se perder de vista de forma alguma. A contribuição de Crialese ao Cinema enquanto grande arte áudio-visual, espera-se, será ainda mais notável.

Ps1 Segundo informação do site críticos.com.br, o primeiro filme de Emanuele Crialese, “Once We Were Srangers”(1997) é uma comédia sobre o choque cultural entre um imigrante siciliano e um indiano em Nova York, tendo sido exibido no Rio Cine Festival de 1998, sem exibição comercial no país.

Ps2 Este texto foi publicado originalmente no jornal Montblãat. Aqui encontra-se com cortes, atualizações e acréscimos.

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Nelson Rodrigues de Souza

Um comentário:

  1. Nelson,estou de volta e para minha alegria e perplexidade vejo que preciso de mais uns dias para por a leitura do seu Blog em dia.Como sempre uma lingugem forte,clara e reflexões muito inteligentes.

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