quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Natureza: Uma Faca de Dois Gumes Afiada por Deus/“O Homem Urso” de Werner Herzog






Atenção: O texto contém spoilers, ou seja, detalhes fundamentais são revelados para uma análise mais aprofundada.

“O Homem Urso” de Werner Herzog

Natureza: Uma Faca de Dois Gumes Afiada por Deus

Metáfora

Uma lata existe para conter algo

Mas quando o poeta diz: "Lata"

Pode estar querendo dizer o incontível



Uma meta existe para ser um alvo

Mas quando o poeta diz: "Meta"

Pode estar querendo dizer o inatingível



Por isso, não se meta a exigir do poeta

Que determine o conteúdo em sua lata

Na lata do poeta tudo nada cabe

Pois ao poeta cabe fazer

Com que na lata venha caber

O incabível



Deixe a meta do poeta, não discuta

Deixe a sua meta fora da disputa

Meta dentro e fora, lata absoluta

Deixe-a simplesmente

Metáfora

Gilberto Gil

Timothy nasceu em 1957 numa família de classe média de Long Island nos EUA. Era um ótimo nadador e chegou a ganhar uma bolsa para estudos superiores na área. Tentou ser ator, obtendo segunda colocação num teste em que o primeiro lugar foi Woody Warrelson. Sentindo-se fracassado, em crise existencial, inadaptado ao meio em que vivia, tornou-se alcoólatra, vivendo como surfista na Califórnia. Chegou a criar um novo sobrenome e outra origem: Treadwell e Austrália. Fez alguns amigos.

O despertencimento de Treadwell no mundo, seu mal-estar na vida em sociedade só se resolveu quando teve uma epifania: descobriu a vida selvagem dos ursos-pardos do Alasca no Parque e Reserva Natural Katmai, os quais no verão desciam a montanha em busca de salmões. A partir daí passou a ter um projeto de vida: sem nenhum curso específico na área, apenas movido pela simpatia, voluntarismo e paixão, sempre desarmado, passou a ser um zelador destes animais, defendo-os do que julgava serem os sorrateiros homens predadores e da indiferença dos funcionários do parque. Criado um acampamento para lá ia todos os verões. Tudo isto durou 13 anos. Nos últimos 5 anos através de uma câmera de vídeo digital filmou cem horas de sua vida junto aos ursos-pardos. Dava-lhes carinhosamente nomes como Chocolate, Baderneiro. Chamava-lhes a atenção como se fossem crianças. Ficava bem próximo deles (o que não era recomendado). Zangava-se, emocionava-se, exasperava-se, pedia a Deus (se existisse) por chuva. Tudo gravado sob o olho da câmera que ligava. Tornou-se uma celebridade nos EUA. Tinha um blog e fundou com amigos uma ONG : Grizzly People. Era uma organização devotada a preservar ursos e seus habitats selvagems e elevar estes animais ao estado semelhante ao das baleias e golfinhos, através de apoio educacional na esperança de que os seres humanos aprendessem a viver em paz com os ursos selvagens, tendo-os como amigos dos homens.

Treadwell dava palestras sobre os ursos-pardos sem ganhar nada e chegou a ir ao programa de David Letterman, onde este logo de cara já lhe perguntou se não tinha receio de ser morto pelos ursos, o que ele negou um tanto sem graça. Nos últimos anos passou a levar consigo para o acampamento sua namorada Annie Huguenard. Em outubro de 2003 restos de Treadwell e de Annie foram encontrados perto do acampamento pelo piloto Willy Fulton que sempre os levava e buscava para aquela região em todo verão. O urso assassino tinha voltado depois que os outros foram embora e os atacado. Este urso suspeito foi morto por oficiais do parque e foram encontrados restos dos dois nele.

Werner Herzog nasceu em 1942 em Munique e cresceu numa remota vila montanhosa na Bavaria (Alemanha). Segundo o site de “Grizzly Man” (EUA/2005), título original de “O Homem Urso (que incorpora a especificidade dos ursos-pardos) Herzog enquanto criança nunca viu filmes, televisão, nem deu telefonemas, sendo que só aos 14 anos começou a conhecer um pouco mais do mundo viajando a pé. Fez sua primeira ligação telefônica aos 17 anos. Enquanto fazia o colegial, trabalhou como soldador numa indústria de aço no turno noturno, para produzir seus primeiros filmes e fez um com a idade de 19 anos.

Para quem cresceu nestas condições e com extraordinária vocação para o Cinema não é surpreendente que dos cineastas vivos seja um daqueles que cria os universos mais pessoais como se estivesse inventando o mundo, um autêntico demiurgo, com imagens nunca antes vistas nem imaginadas. A carência de imagens cinematográficas na infância representou perdas e ganhos. Ela explica como havia universos guardados dentro de si que explodiram em filmes que correram o mundo, principalmente suas obras de ficção dos anos 60, 70 e 80 do século passado. François Truffaut, crítico e cineasta calejado impressionou-se sobejamente com a obra-prima “O Enigma de Kaspar Hauser” (1974) que lembra um pouco a vida do próprio Herzog, ao contar a história de uma pessoa criada longe de todo contato humano, a não ser quem lhe trazia comida e água e quando adulta é jogada às feras da chamada civilização. Não é surpreendente que Herzog seja o cineasta dos pontos de vistas altamente incomuns, nada convencionais: seus filmes são janelas para um mundo particular, as quais penetramos através de seus olhos não contaminados; são obras que surpreendem muito tanto em forma como conteúdo. Assim podemos ver Kaspar Hauser fazendo tricô junto com as mulheres ou então desconcertando um professor de lógica; um personagem de “Aguirre, a Cólera dos Deuses” (1972) com uma flecha cravada no corpo dizendo: ”Pensei que doesse mais”; um vampiro que inspira mais misericórdia que pavor em “Nosferatu- O Vampiro da Noite” (1979); a repetição abusiva de movimentos controlados de uma galinha no fim de “Stroszeck” (1977), para nos mostrar a mecanicidade e crueldade da sociedade em que o protagonista quer mudar de vida, etc.

Herzog como nenhum outro cineasta, dentre os que conheço, procurou entender melhor a lógica/ilógica que move personagens extravagantes, mergulhados em abismos pessoais, que procuram ao seu modo romper barreiras, mesmo pagando caro por isso: Aguirre em busca do Eldorado na Amazônia, arriscando a vida de todos numa embarcação, acabando solitário reinando para macacos; Fiztcarraldo na obra homônima lidando com grande energia humana de índios para mover um barco até o alto de uma montanha, com o intento de construir um teatro em plena Amazônia, onde sonha levar uma ópera com Enrico Caruso para as populações locais; Woyzeck no filme homônimo transmutando as humilhações que sofre em violência; Nosferatu melancólico, sentindo a eternidade como um fardo, buscando saída na morte com a mesma ansiedade com que se busca a vida; Kaspar Hauser lutando para que sua ótica especial de ver o mundo não sucumba a desígnios da civilização estabelecida; Stroszeck querendo vencer na vida com as armas da ingenuidade no mais ferrenho país capitalista do mundo; os atores sem dublê praticando ousado alpinismo em “No Coração da Montanha”(1991); os aborígenes rejeitando signos fáceis do progresso em suas terras tidas como sagradas em “Onde Sonham as Formigas Verdes”(1984),etc.

Com estes históricos de Timothy Treadwell e Werner Herzog chega a constituir-se quase que um fenômeno de sincronicidade junguiana que eles acabassem se encontrando (como Klaus Kinski com Herzog), mesmo que sob a forma de um filme após a morte do primeiro aos 46 anos de idade de uma forma tão trágica que esmaece qualquer comicidade que possa haver em sua história de ser literalmente devorado por um urso-pardo. Jewel Palovak, primeira namorada e secretaria de Timothy herdou as cem horas de vídeo do amigo. Um projeto dela, da Lions Gate e do Discovery Channel sobre a vida de Timothy acabou parando nas mãos de Herzog. Este provavelmente deve ter sentido que o tema lhe era familiar: os difíceis e tênues limites entre o homem e a natureza, ainda mais que o homem também é parte desta natureza. Este tema é forte tanto na ficção do cineasta como em seus aclamados documentários vistos em sua maioria no Brasil, apenas no turbilhão de filmes que o festival “É Tudo Verdade” apresentou em 2006, organizado por Amir Labaki (uma retrospectiva deles em época de calmaria seria muito bem vinda). Assim chegamo a este filme em que o calafrio só não é permanente porque Herzog procura extrair poesia desta crônica de uma morte permanentemente anunciada, feita com muito carinho em relação ao protagonista, seus sonhos, seus auto-enganos e por que não dizer, sua irresponsabilidade, seu descolamento progressivo da realidade, que culminou até mesmo na morte de sua companheira.

Logo no início do filme já sabemos que o projeto de Timothy redundou em tragédia. Herzog não cria suspense. Assim a obra é entremeada com falas de Timothy, cenas com os ursos-pardos e algumas pequenas raposas, gravadas pelo próprio cuidador. Este é o mestre de cerimônias daquele espetáculo que criou para si e que progressivamente se mostra um desvario tão grande quanto o de Aguirre, Fitzcarraldo, acompanhado da inocência de Stroszeck e Kaspar Hauser. Junta-se ainda entrevistas com os pais dele, amigas, um biólogo especializado em ursos, o médico legista, o piloto que o transportava e um servidor do parque completamente contra a lenda que ele criou, considerando que de certa forma ele teve o que mereceu, sendo uma pena que tivesse arrastado consigo a namorada. Tudo isso é narrado com novas imagens de Herzog que não destoam muito esteticamente do que Timothy filmou, de forma a mostrar que quando se tem um tema forte como este, bem desenvolvido, as perdas da projeção digital são perdoáveis, pois agilidade e senso de oportunidade do que é filmado é muito mais importante do que qualquer problema de granulação. Quem for assistir ao filme procurando contato com as extraordinárias direções de fotografia que Herzog já teve para seus filmes anteriores vai se decepcionar.

Herzog mostra inegável respeito, simpatia e solidariedade humana com “seu personagem” de fortes acentos teatrais: este ri, lamenta-se, é um bom contador de histórias com tempos dramáticos delineados, faz sua reza cética em relação aos deuses e Deus para que chova na região, dirige-se a seus ursos ( tocando até no nariz deles), fala sobre a onipresença da morte que paira sobre ele, comove-se e chora com as raposas, faz um caminho especial para os peixes que alimentarão os ursos, é histriônico, etc. Em suma: um ator do espetáculo que criou para si e que quer transmitir aos outros, contemporâneos ou pósteros, não se importando se seu relacionamento com os ursos- pardos tem o mesmo grão de delírio de Aguirre ao procurar o Eldorado ou Fitzcarraldo com sua sonhada ópera com Caruso na Amazônia, para populações locais ( o belíssimo teatro Amazonas de Manaus não lhe serve, provoca-lhe tédio, assim como o convívio social em Timothy que só o tolerava à base de muito álcool). Aliás, é de se perguntar que sociedade é essa que lhe provocava tanto mal-estar e o porquê. Herzog em “Stroszeck” com o mesmo Bruno S. (ator intuitivo extraordinário, saído de sanatórios, que interpretou também Kaspar Hauser) nos mostra um EUA que é totalmente “um conto do vigário”, para quem nele deseja ascender socialmente, com trailers bem equipados oferecidos facilmente para moradia e escondendo-se que uma boa conta será cobrada depois de um mês, isto muitos anos antes deste mal-estar ficar bem patente como em obras do quilate de “Menina de Ouro”(2004) de Clint Eastwood, onde até este grande ator/diretor republicano, enquanto artista, cada vez melhor com o tempo, como os bons vinhos, sabe com quantos pesadelos se faz o american way of death...

Em muitos sites que li, Timothy é apresentado como ator frustrado. Há que se tomar cuidado com esse adjetivo, pois ele pode insinuar uma falta de talento para as artes dramáticas que talvez nosso herói não tenha. Conforme já comentado ele ganhou um concurso em segundo lugar, onde o primeiro foi de Woody Harrelson, um ator que tem estimável carreira nos EUA (em “O Povo Contra Larry Flint”/1996 de Milos Forman está soberbo). Não houve um lugar ao sol como ator para Timothy mesmo que ele tivesse talento. Conforme já comentou Millôr Fernandes, num campeonato de natação um atleta pode, por exemplo, percorrer uma piscina com 1 minuto e trinta segundos, outro com 1 minuto e 29 segundos. A este último será reservada toda glória possível, principalmente ótimos anunciantes; ao primeiro será reservado o ostracismo. São as leis da tão admirada sociedade da concorrência perfeita. E por falar em concorrência lembremos que este magnífico “O Homem Urso” nem concorreu ao Oscar de documentário em 2006. Sou um dos entusiastas da dura beleza plástica de “A Marcha dos Pingüins” (2005) captada com maestria e meticulosidade por Luc Jacquet, aonde se vê um filhote depois de toda odisséia dos pais para gerá-lo acabando assassinado por uma ave de rapina, mostrando que mesmo para os adoráveis pingüins, a natureza não é inocente ( antes vimos uma mãe que perdeu o filhote tentando roubar o de outra mãe...). Mas “O Homem Urso” é muito superior e foi injustiçado. Herzog não se surpreendeu com o ocorrido. Está acostumado a ver fatos assim acontecerem com muitos de seus filmes.

Por entrevista com o biólogo comprovamos o que já intuíamos: os ursos-pardos, ao contrário de outros animais, não estavam sofrendo nenhum perigo de extinção. A caça predatória e clandestina estatisticamente não estava em nenhum nível preocupante. Ou seja, Timothy fantasiava uma missão salvadora que estava só em sua cabeça e mesmo que assim não fosse, teria de ter tomado muitos cuidados de segurança com os ursos. Ele chega a filmar à distância, estranhos que chegam em barcos ao seu recanto e enxerga em todos, predadores potenciais do santuário que criou. Uma seqüência é ainda mais sintomática desse alheamento do “personagem”, cuja ONG que tinha e seus objetivos se mostram totalmente surreais: como é comum, um urso-pardo macho mata um filhote pois assim a fêmea sairá do período de lactância de sua cria e poderá transar com este macho indócil. Mas a ficha de Timothy não cai: em vez disso, se deixa mostrar apalermado, abatido com o destino do filhote, enxergando mais uma travessura de seus queridos ursos.

Herzog, obviamente, não é caudatário das idéias de ambientalista improvisado que é Timothy. Com seu inglês de sotaque alemão o diretor comenta que ao contrário do que o outro mostrava e acreditava, a natureza é composta de caos e conflitos. Já havia feito antes um paralelo com sua experiência de amor e ódio com seu grandioso ator fetiche Klaus Kinski, a quem já ameaçou até com um revólver nas filmagens de “Aguirre, a Cólera dos Deuses” (uma relação tortuosa mostrada em “Meu Melhor Inimigo” (1999), um dos poucos documentários de Herzog, como este agora, que conseguiu furar o bloqueio do mesquinho mercado exibidor brasileiro). Eis o paralelo:

O ator do filme sobrepujou o cineasta. Já vi esta insanidade antes num set de filmagem. Mas Treadwell não é um ator se opondo ao diretor ou ao produtor. Ele combate a própria civilização.”

Assim Treadwell é o anti-herói mais trágico de Herzog, se é que se pode comparar tragicidades. Na seqüência de maior impacto do filme, o diretor se enquadra junto com a sempre comovida Jewel Palovak, amiga de Treadwell. O que restou dos últimos momentos de vida do casal foi só um áudio. As imagens se perderam. Nós somos poupados, com sabedoria e respeito, dos gritos de Treadwell e de Annie. Nós vemos Herzog ouvindo o áudio e suas evidências (soubemos antes que Treadwell tentou ajudar Annie a escapar, o que foi em vão: a força da natureza do urso-pardo faminto foi mais forte). Terminada a audição ele recomenda a Jewel que não ouça nada e destrua esta tristíssima memória. Arremata dizendo que seria um elefante branco. Se ela o guardasse seria algo que pairaria por sua vida, paralisando-a.

Treadwell costumava às vezes tirar mais de um take de si para se mostrar mais espontâneo. Mas muitas vezes intuía que o pior estava por vir. Chega a dizer com lucidez algo deste teor: “Se eu mostrar fraqueza eles podem me atacar e matar”. Em outros momentos comenta que se fosse gay sua vida seria mais fácil, com uma lógica incompreensível. Curiosamente sua namorada não é mencionada em suas falas e só aparece duas vezes em suas imagens, algo que é comentado por Herzog narrador: uma vez com o rosto escondido pelas mãos, outra vez camuflada com um mosquiteiro. Herzog pela movimentação de algumas poucas imagens acredita que ela estava por trás da câmera de vídeo. Mas a relação dos dois é um dos mistérios que ainda permanecem insolúveis ao término da projeção.

Com seus personagens, ao terminar seus filmes, por mais que Herzog tenha mergulhado em suas almas de acordo com sua sensibilidade, coragem, intuição, muito fica em aberto. E não poderia ser diferente para grandes obras de arte. De certa forma Herzog nos fala de uma espécie rara de artistas malgré-lui-même, de poetas malditos, ainda que em alguns casos não tenhamos a menor simpatia por eles e da evidente falta de ética e tonalidades de loucura que apresentam. Com outros nos sentimos totalmente enternecidos, como Kaspar de “O Enigma de Kaspar Hauser”, para mim, sua obra máxima, dentre as que vi. As últimas cenas deste filme são muito elucidativas: Kaspar é morto tão misteriosamente quanto apareceu no povoado com seu olhar assustado, com uma lacônica carta na mão, depois de uma vida como selvagem. Na autópsia descobrem que seu cérebro tem uma conformação especial. Um dos legistas sai dali exultante. Dispensa até sua condução e resolve caminhar a pé, enviando apenas o chapéu. Havia enfim descoberto o que fazia de Kaspar um ser tão avesso aos ditames civilizatórios convencionais....Temos aí uma grande ironia de Herzog. O tamanho do cérebro partido de Kaspar, não significa nada para nos explicar as singularidades de sua alma. O que está havendo é estultice e arrogância. Saímos do cinema ainda com uma grande sensação de enigma.

De qualquer forma com todas suas diferenças, suas idiossincrasias, suas consideradas loucuras (uma palavra com a qual se deve ter muito cuidado, pois é muito redutora) os anti-heróis de Herzog, cada um ao seu modo, nos agradando ou não, sintonizam com a condição do artista, especialmente o poeta. Conforme a epígrafe, “quando o poeta diz: “Meta”, pode estar querendo dizer o inatingível....deixe a meta do poeta, não discuta, deixe a sua meta fora da disputa, meta dentro e fora, lata absoluta, deixe-a simplesmente metáfora.” A rigor, não há como entendermos a fundo a meta dos seres centrais de Herzog. Este genial cineasta alemão é um místico suis generis (que impregna seus personagens com particularidades enigmáticas) ainda que, por exemplo, dê como subtítulo para seu filme sobre Kaspar Hauser essa frase pinçada de “Macunaíma” de Joaquim Pedro de Andrade: Cada um por si e Deus contra todos.

Herzog é fascinado por pessoas que buscam atingir o inatingível. São seres que habitam a terceira margem do rio. E dessa condição ele extrai uma beleza rara e inconfundível. Como não podia deixar de ser, seu “O Homem Urso” termina com Treadewell caminhando com seus ursos-pardos que ele julgava serem seus amigos. Na narração o diretor já havia afirmado que onde o outro via amizade, ele via estampado no rosto dos ursos crueldade e animosidade. Por que Treadwell sintonizava com esses animais selvagens, considerando-os bons companheiros, por mais que o filme tenha se empenhado em nos “explicar” isso, sairemos do cinema inquietos, sem ter respostas claras, definitivas, mas certos de que a emoção que Treadwell sentia por esses animais era genuína e nos emociona de certa forma também. Sua alma não era pequena, mas o que fez não valeu a pena. Ou não? Ele passou treze anos felizes com os ursos-pardos. Ele conseguiria algo equivalente numa vida longa em sociedade? Que sociedade é essa que nos angustia com este paradoxo?

Nelson Rodrigues de Souza

Ps1. Em pesquisas sobre a vida de Werner Herzog deparei-me com outra versão para sua infância que o mostra cinéfilo aos quatorze anos. Optei pelas informações oficiais do site do filme “Grizzly Man”, por acreditar que o artista tenha mais controle sobre ele.

Ps2 Num encontro com o publico na década de oitenta no Estação Botafogo 1-Rio de Jnaeiro, que tive o prazer de assistir, Werner Herzog se mostrou avesso e irritado com a idéia de que seria um artista. ”Eu sou um operário como outro qualquer”- reagiu este grande artista....

Ps3. Quem quiser assistir a uma obra-prima, fora do Planeta Herzog, sobre o conflito homem X natureza, pegue em DVD ”Amargo Pesadelo” (“Deliverance”/1972) de John Boorman. Sobre ele um merecidamente prestigiado, produtivo, estimável crítico e ensaista brasileiro escreveu: ”Fora um duelo de banjos, nada mais para se ver ou ouvir”. Muito pelo contrário! Poucas vezes o cinema nos mostrou um filme de aventuras com belas ressonâncias filosóficas sobre este eterno embate humano com esta força que produz belíssimas cachoeiras, mas também furacões e tsunamis.

Ps4- Este texto foi publicado originalmente no jornal Montblãat. Aqui se encontra com correções, cortes e acréscimos.

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Nelson Rodrigues de Souza

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