segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Será que Desta Forma, Com Estes Ideais, Realmente Podemos?


“Foi Apenas Um Sonho” (EUA/2008) de Sam Mendes, em cartaz nos cinemas brasileiros, é mais uma pedra significativa que se constrói para formar uma catedral dos tormentos acarretados pelo fim do chamado sonho americano, um ideal que se tenta hoje restaurar para ainda se impor ao mundo todo. É bastante oportuna a estréia agora deste filme, pois nos mostra que há um mal-estar latente e pungente na classe média provinciana americana de 1955 que ainda ecoa bastante no mundo de hoje, onde as pessoas movidas pelas alegrias catalogadas de que nos falava Clarice Lispector, acabam formando núcleos familiares movidos pela deterioração dos sonhos mais recônditos e legítimos.

April (Kate Winslet, extraordinária) sempre quis ser atriz. Frank (Leonardo DiCaprio, excelente) tinha consciência de que tudo que não queria na vida era trabalhar na empresa onde o pai ficou por 20 anos. No entanto depois de trocarem sorrisos numa festa os vemos como um casal em crise aguda com frustrações mútuas, ela como atriz fracassada e mãe de duas crianças, cuidando de uma enorme casa numa elegante Revolutionary Road; ele como empregado da tediosa e impessoal empresa que tanto procurou evitar.

Em tempos de desemprego galopante os dramas do casal podem soar pueris. Mas o fato é que o filme toca numa corda sensível de todos nós: em que medida estamos realmente indo atrás de nossos desejos mais nobres ou sucumbimos aos imediatismos da mera sobrevivência com direito à catalogação de normalidade?

É sintomático que o personagem que apresente muita lucidez das questões em jogo seja o matemático John (Michael Shanonn, fantástico) que chegou a ser internado num hospício e conforme sua declaração, após várias lobotomias perdeu o dom para a matemática, mas não deixou de ter problemas emocionais. Quando diz que se sente feliz por um lado pois não queria estar na pele da criança que April está esperando, o filme atinge um dos seus mais acutilantes tempos dramáticos.

Para sair da mediocridade que reina em torno deles, Frank e April sonham em se mudar para Paris, onde ela arrumaria emprego num serviço público diplomático bem remunerado e ele teria tempo para pensar sobre o que fazer na vida.

Ainda que o ridículo título brasileiro entregue um pouco o desenvolvimento da história que vai da grande infelicidade para a infelicidade em seus extremos, o trabalho dos atores em todos os níveis, a reconstituição de uma época em que as belas casas e ruas escondem mesquinharias, traições de todos os quilates e até mesmo tragédias existenciais, enfim tudo isto apresenta nuances que é um grande prazer acompanhar, nesta obra que ao seu modo dialoga com o cáustico e brilhante “Beleza Americana” (1999) do mesmo Sam Mendes, premiado com vários Oscars e que acabou pagando por isto: muita gente tende a desacreditar da potência criativa de um filme com esta chancela.

Baseado num festejado romance de Richard Yates de 1961, só agora lançado no Brasil com o mesmo título do filme, temos aqui um caso exemplar em que a arte desmente, ao seu modo, os otimismos superficiais dos caminhos por onde trilha a História contemporânea. Barack Obama certamente será um presidente bem melhor do que Bush (pois pior impossível...), mas seus discursos e ações apontam para uma tentativa de restauração dos ideais americanos como se apenas o governo Bush tivesse sido um equívoco e sabemos que “o buraco é mais embaixo”. Há condicionamentos atávicos da sociedade americana que se quer vender para o mundo todo como modelo que muitos artistas, como os grandes dramaturgos Tennesse Williams, Artur Miller, Eugene O`Neill em seus trabalhos e filmes como, por exemplo, “Onde os Fracos Não Têm Vez” de Joel e Ethan Coen já mostraram ter várias fissuras seriíssimas e que de forma alguma servem como exemplo pois, numa onda de consumismo, conservadorismo e alpinismo social movido a individualismo feroz, descartam o que o ser humano tem de mais importante que é nunca renunciar à procura da felicidade genuína, ainda que esta seja fugidia e muitas vezes encontrada em situações pontuais.

Até que ponto Barack ”Yes, We Can!” Obama vai conseguir refundar uma sociedade realmente nova? Enquanto não sabemos a resposta ou temos medo de responder, nos resta a comoção com o drama de April e Frank, nossos semelhantes, nossos modelos falhados do que gostariam que fôssemos. Há quem não goste do casal pelas razões torpes apontadas pela petulante e obtusa Helen vivida por Kathy Bates, que considera que o problema do par é ser neurótico. Diante de pessoas como Helen, só nos resta agir como o marido. Vá ao cinema ver este filme essencial e veja como. Um momento de humor ácido que o filme se permite em meio a tanto sofrimento.


Nelson Rodrigues de Souza

8 comentários:

  1. Nelson, assisti ontem a Foi Apenas Um Sonho(Revolutionary Road - o título original é muito mais significativo) e gostei muiitíssimo. Você sintetizou bem a essência desse importante filme e tocou num ponto crucial ao questionar as expectativas em relação à "Era Obama". Creio que, mesmo promovendo mudanças pontuais na política desastrosa de Bush, os EUA não mudarão de cara e de postura frente ao mundo se, em primeiro lugar, não repensarem seus próprios valores. Uma sociedade movida pelo materialismo, em que o conceito de felicidade, para grande parte da população, equivale a poder consumir, acaba se tornando uma bomba-relógio, em contagem regressiva para implodir ou, o que é pior, explodir os que estão a sua volta.
    Parabéns pelo texto. Gina

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  2. Vale a pena ler artigo de Paul Krugman do The New York Times, traduzido e publicado no JB de 3 de fevereiro de 2009. Ele nos remete às dificuldades de Obama para mudar um sistema viciado.
    Nelson

    Socorro aos incompetentes- Paul Krugman

    Pergunta: O que acontece se você perde enormes quantias do dinheiro de outras pessoas?

    Resposta: Recebe um grande presente do governo federal - mas o presidente diz coisas muito duras sobre você antes de entregar o dinheiro.

    Estou sendo injusto? Gostaria de estar, mas no momento é o que parece estar acontecendo.

    Apenas para deixar bem claro, não estou falando do plano do governo Obama de ajuda aos empregos e à produção com um grande avanço temporário nos gastos federais, o que é a coisa certa a fazer. Falo, isso sim, sobre os planos de governo para uma ajuda ao sistema bancário - planos que se delinearam como um exercício clássico de "protecionismo": os contribuintes assumem a responsabilidade caso as coisas dêem errado, mas os acionistas e executivos captam os benefícios se as coisas derem certo.

    Quando leio comentários recentes sobre política econômica feitos por importantes autoridades do governo Obama , sinto como se tivesse entrado em uma máquina do tempo – como se ainda fosse 2005, e Alan Greenspan ainda regesse a orquestra, e os banqueiros ainda fossem os heróis do capitalismo.

    – Temos um sistema financeiro que é dirigido por acionistas privados, gerenciado por instituições privadas, e gostaríamos de fazer todo o possível para preservar tal sistema – diz Timothy Geithner, secretário do Tesouro, enquanto se prepara para fisgar os contribuintes no anzol dos imensos prejuízos do sistema.

    Por outro lado, uma reportagem do The Washington Post baseada em fontes governamentais diz que Geithner e Lawrence Summers, principal conselheiro econômico do presidente Obama, "consideram que os governos são maus gerentes de banco", em oposição, supostamente, aos gênios do setor privado que supervisionaram e perderam mais de US$ 1 trilhão no espaço de poucos anos.

    E esse preconceito em favor do controle privado, mesmo quando o governo está bancando com todo o dinheiro, parece estar desvirtuando a resposta federal à crise financeira. Agora, algo deve ser feito para respaldar o sistema financeiro. O caos depois do colapso do Lehman Brothers mostrou que permitir que importantes instituições financeiras entrem em colapso pode ser muito prejudicial para a saúde da economia. E várias instituições de peso se equilibram perigosamente na beira do precipício.

    Portanto, os bancos precisam de mais capital. Em tempos normais, essas instituições levantam capital com a venda de ações para investidores privados, que recebem em troca uma participação de propriedade no banco. Então é viável pensar que, se os bancos atualmente não podem ou não pretendem captar o capital necessário dos investidores privados, o governo deve fazer o que faria um investidor privado: fornecer capital em troca de uma propriedade parcial.

    Entretanto as ações bancárias valem tão pouco no momento – Citigroup e Bank of America têm um valor de mercado combinado de apenas US$ 52 bilhões – que a propriedade não seria parcial: injetar dinheiro suficiente dos contribuintes para tornar os bancos saudáveis iria, na verdade, transformá-los em empresas de capital aberto.

    Minha resposta para essa possibilidade é: e daí? Se os contribuintes estão pagando a conta para salvar os bancos, por que não deveriam receber sua parcela de propriedade, pelo menos até que compradores privados sejam encontrados? Mas o governo Obama parece estar se amarrando com uma série de nós a fim de evitar esse resultado.

    Se as notícias forem verdadeiras, o plano de ajuda bancária irá conter dois elementos importantes: compras do governo de alguns ativos bancários problemáticos e garantias contra prejuízo sobre outros ativos. As garantias representariam um grande presente para os acionistas do banco; a compra talvez não, se o preço fosse justo – mas o preço, informou o The Financial Times, provavelmente se basearia em "modelos de avaliação" e não nos preços de mercado, sugerindo que o governo, nesse caso, também daria um grande presente.

    E em troca do que parece ser um gigantesco subsídio para os acionistas, os contribuintes receberiam... bem... nada.

    Pelo menos haverá limites a respeito dos salários dos executivos, para impedir mais dilapidações como as que enfureceram o público? Obama denunciou os bônus de Wall Street em seu mais recente discurso semanal – mas segundo o The Washington Post, "o governo possivelmente irá se eximir de impor restrições mais severas sobre os salários dos executivos na maioria das empresas que receberam sua ajuda" porque "limites duros poderão desencorajar algumas companhias na hora de pedir ajuda."

    Isso sugere que o discurso duro de Obama é apenas teatro.

    Por outro lado, a cultura de excessos de Wall Street parece ter sido muito pouco afetada pela crise.

    – Digamos que sou um banqueiro e gerei US$ 30 milhões. Deveria ganhar uma parte disso – opinou um banqueiro ao The New York Times. E se você é um banqueiro que dilapidou US$ 30 milhões? Socorro, Tio Sam!

    Existe mais em jogo aqui do que apenas justiça, embora isso também importe. Salvar a economia será muito dispendioso: o plano de estímulo de US$ 800 bilhões possivelmente será apenas uma entrada, e salvar o sistema financeiro, mesmo se o trabalho for bem feito, custará bilhões de dólares a mais. Não podemos nos dar ao luxo de esbanjar dinheiro fornecendo favores inesperados aos bancos e seus executivos, meramente para preservar a ilusão de propriedade privada.

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  3. Caro Nelson

    O filme, estava em dúvida se veria nessa semana ous e aguardaria para conferir em vídeo - a sinopse e o título me desagradaram. Supus já ter visto aquilo antes, pareceu-me mais uma daquelas produções tipo "enredo básico instanâneo". Não li nenhuma crítica a respeito, antes da sua, que, por sinal, acabou me instigando a conferir a estória.

    A propósito, é verdade que os títulos em português raramente transferem a criatividade dos originais (quando é o caso... alguns já vês "deteriorados" do original mesmo).

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  4. Sobre até que ponto Obama vai conseguir refundar uma sociedade realmente nova, estou entre os que têm medod e repsonder...

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  5. A propósito das dificuldades que Barack Obama vai ter de enfrentar para realmente se ter uma nova alternativa de poder no mundo, vale a pena ler o artigo de Mauro Santayanna no JB de 8 de fevereiro de 2009 que vai adiante.
    Abraços,
    Nelson

    Coisas da Política - A indústria militar e a exaustão do capitalismo

    Mauro Santayana

    Publicado há oito anos, quando a economia globalizada parecia vitoriosa, o estudo mais lúcido sobre a atual crise é o de Seymour Melman, After capitalism (Depois do capitalismo, na edição brasileira). Melman – que critica ao mesmo tempo o sistema capitalista do Ocidente e a experiência socialista – vai ao ponto principal: a sociedade industrial de nosso tempo perdeu-se na corrida armamentista. A partir dos Estados Unidos, o maior produtor de tecnologia e de instrumentos bélicos, o mundo passou a ser regido pelo medo do apocalipse. Ao lado dessa constatação, o professor de engenharia industrial na Universidade de Colúmbia retorna à tese marxista da alienação, ao examinar a queda do feudalismo e a transformação dos artesãos, que eram criadores do que produziam, em operários anônimos. O assunto, como se sabe, é bem tratado de forma teórica por Marx em seus Manuscritos econômicos e filosóficos, publicados em 1844, quatro anos antes do Manifesto comunista (1848) e 23 anos antes do primeiro volume de O capital (1867). A Revolução Industrial, sobretudo a partir da aceleração ocorrida na segunda metade do século 19, com a introdução de novas fontes de energia, e a conquista, pela força, dos mercados coloniais, com o saqueio de recursos naturais, fez com que se associassem os militaristas, os banqueiros e a burguesia manufatureira.

    A produção militar norte-americana sufocou outros setores industriais. Sempre que houve a tentativa de conversão da indústria bélica à produção civil, os lobistas do complexo industrial militar, denunciado por Eisenhower, atuaram junto ao Poder Executivo e ao Congresso, para garantir seus interesses. As recentes revelações sobre a ação clandestina da CIA mostram que também a agência a eles se juntou, com atos de provocação que justificavam a competição militar durante a Guerra Fria. Melman aponta momentos críticos, nos quais a ação coordenada dos poderosos impediu a retomada da indústria de paz. Um deles ocorreu entre 1963 e 1964, quando já se planejava a guerra do Vietnã. Foi assim que se criou a famosa teoria do dominó, para justificar a invasão da Indochina.

    A propósito do Vietnã, o autor transcreve trecho de uma carta de Ho Chi Min, de 16 de fevereiro de 1946, ao presidente Truman, pedindo que seu país fosse tratado como as Filipinas. "Como os filipinos, disse, nossa meta é a independência completa e ampla cooperação com os Estados Unidos". Esse documento, oculto do grande público, mostra que outras poderiam ter sido as relações entre os dois países e entre outras nações – se o poder corruptor da indústria militar não interviesse.

    Calcula-se que o custo da capacidade militar excedente às suas necessidades, o chamado overkill, só nas armas nucleares, entre 1940 e 1996, tenha sido de 5 trilhões e 355 bilhões de dólares. Ao mesmo tempo, o custo de todas as fábricas e equipamentos da indústria manufatureira dos Estados Unidos era, em 1996, estimado em 1 trilhão e 481 bilhões de dólares.

    A conclusão de Melman é a de que a corrida armamentista provocou o sucateamento da indústria pesada, da construção naval à siderurgia, enquanto novos polos de produção, como os da Alemanha e do Japão, se expandiam. Quase todos os economistas atribuem a rápida recuperação econômica dos japoneses e alemães à proibição de que produzissem armas e reconstruíssem seus exércitos. Desde a crise do petróleo, nos anos 70, o modelo de sociedade industrial como um todo começou a exaurir-se. O novo liberalismo se apresentou como "salvador" do sistema, mas se tratou de mero conluio entre bandidos, como os fatos revelam.

    O livro cuida de outros assuntos, entre eles o da democratização das decisões nos centros de produção e de serviços, de forma a aliviar a alienação dos trabalhadores, e lhes proporcionar participação efetiva nas decisões políticas, a partir da base da sociedade. É uma visão otimista. Mas isso não parece viável em prazo hábil, quando até mesmo o projeto tímido de reformas, proposto por Obama, encontra a resistência dos poderes de fato dos Estados Unidos. Só a mobilização, permanente e decidida, dos cidadãos, poderá impor o mínimo de razão aos estados. Estamos sob a ameaça da ruptura dos frágeis liames da convivência social, com o desemprego e a explosão da miséria, e o desastre do aquecimento global, em consequência da demência generalizada. Só a razão política – esse raro atributo ético dos homens – nos poderá salvar.

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  6. Vi o filme sábado. Não suas qualidades. Mais uma vez, temos um roteiro previsível e falas que interpretam o filme para o espectador, reforçadas por imagens que não deixam dúvidas. É um "Réquiem para um Sonho" softcore, cujo título original não nos permite avaliar em qual sentido vai a ironia da "via revolucionária", uma vez que as pretensões de ambos protagonistas são reduzidas a pó (e sangue) enquanto o casal coadjuvante paralelo ensaia uma reconciliação com o american way. Assim, ele preserva duas leituras como possíveis: as limitações do sonho americano e mesmo sua impossível realização, por um lado, e a compreensão dos limites do ser humano e sua solução (mesmo que provisória) através do sonho americano, por outro. A cena final aponta para uma contraradicalização conservadora, sem negar o essencial: a liberdade do marido que, afinal, deixa de ouvir o corolário de crenças da mulher. E a liberdade, como sabemos, faz parte da essência das promessas made in USA.

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  7. É muito interessante artigo publicado no The New York Times sobre as dificuldades de Obama mudar de fato as questões relativas a direitos humanos que herdou de Bush.
    Nelson

    JB- 19 de fevereiro de 2009

    Obama se assemelha a Bush no combate ao terror

    Novo gabinete endossa políticas do antecessor na luta contra a Al Qaeda

    Charlie Savage

    THE NEW YORK TIMES

    Mesmo enquanto recua dos duros interrogatórios e outros aspectos fortemente debatidos da "guerra contro o terrorismo" de George Bush, o governo Obama está calmamente sinalizando seu apoio contínuo a outros elementos-chave da abordagem do seu antecessor na luta contra a Al Qaeda.

    Em recentes e desapercebidos testemunhos de confirmação, os nomeados de Obama endossaram a continuação do programa da CIA de transferir prisioneiros para outros países sem direitos legais, e a detenção de suspeitos de terrorismo por tempo ilimitado sem julgamento, mesmo quando foram capturados longe da zona de batalha.

    A administração também adotou da equipe jurídica de Bush argumentos de que ações por ex-detentos da CIA deveriam ser encerradas com base na doutrina dos "segredos de Estado". Além disso, deixou a porta aberta para a retomada de julgamentos por comissões militares.

    Mais cedo este mês, depois que uma corte britânica citou pressões dos Estados Unidos ao se recusar a divulgar informações sobre alegações de tortura feitas por um prisioneiro que estava sob custódia americana, o governo Obama emitiu uma declaração agradecendo o governo britânico "por seu comprometimento contínuo em proteger informações sensíveis de segurança nacional".

    Esses e outros sinais sugerem que as mudanças na administração podem revelar-se menos amplas do que muitos esperavam ou temiam – gerando crescentes preocupações entre grupos dedicados à liberdade civil e proporcionando um senso de vindicação entre os que apoiaram as políticas da era Bush.

    Em entrevista, o advogado da Casa Branca, Gregory Craig, afirmou que o governo não estava adotando abordagens do Bush. Mas Craig também disse que o presidente Barack Obama estava querendo evitar qualquer ação impulsiva ou simplória para decidir o que fazer com as políticas de contraterrorismo que herdou.

    – Estamos traçando um novo caminho para frente, levando em consideração tanto a segurança do povo americano quanto a necessidade de obedecer a leis – disse Craig. – Essa é a mensagem que daríamos às instituições focadas em liberdades civis assim como às pessoas do Bush.

    Poucos dias depois de sua inauguração, Obama emocionou grupos de liberdades civis quando emitiu ordens executivas prometendo menos sigilo, restringindo interrogatórios da CIA às técnicas do Manual de Exército, fechando as prisões secretas da agência, ordenando o fechamento da prisão na Baía de Guantánamo dentro de um ano, e paralisando os julgamentos por comissões militares.

    Mas nas semanas recentes, as coisas se tornaram mais obscuras. Durante sua audiência de confirmação na semana passada, Elena Kagan, nomeada para a Procuradoria-Geral, disse que alguém suspeito de ajudar a financiar a Al Qaida deveria enfrentar as mesmas leis vigentes no campo de batalha – detenção ilimitada sem julgamento – mesmo se fosse capturado num lugar como as Filipinas, em vez de uma zona de guerra.

    O apoio de Kagan por uma interpretação elástica da "zona de batalha" amplificou observações que o procurador-geral Eric Holder fez durante sua audiência de confirmação. E também estava em sincronia com uma postura fundamental do Bush. Em contraste, grupos de liberdades civis argumentam que pessoas capturadas fora do combate deveriam ser presas somente após julgamento.

    Além disso, o homem nomeado diretor da CIA, Leon Panetta, criou uma lacuna nas restrições de Obama aos interrogatórios. Durante sua audiência, Panetta disse que se as técnicas aprovadas "não forem suficientes" para fazer um detento revelar detalhes sobre um ataque iminente, ele pediria a Obama "autoridade adicional".

    Panetta enfatizou que o presidente não poderia ignorar estatutos contra a tortura, como os advogados do governo Bush alegavam. E ele disse que a prática de simular o afogamento, que o governo Bush sancionava – é tortura.

    Mas Panetta também declarou que a CIA provavelmente continuaria seu programa de "rendições extraordinárias", no qual agentes capturam suspeitos de terrorismo e os levam para outros países sem procedimentos de extradição, de uma maneira mais abrangente do que se antecipava.

    Panetta disse que a agência provavelmente continuaria a transferir detentos para outros países e confiaria em garantias diplomáticas de que eles seriam bem tratados – as mesmas garantias que a administração de Bush usava, e que os críticos caracterizavam como ineficazes.

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  8. Dentro do espírito das perplexidades levantadas pelo post vale muito a pena ler o artigo adiante.
    Nelson

    Jornal do Brasil- Segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

    Coisas da Política

    Mauro Santayana
    maurosantayana@jb.com.br

    A mudança e
    seus inimigos

    NÃO FORAM NECESSÁRIOS 100 DIAS:
    jornais norte-americanos registram que, em alguns aspectos, Obama segue o modelo de seu predecessor. O Wall Street Journal manifestou a suspeita de que o programa antiterrorista de Bush ganhou nova legitimidade. A decisão de enviar mais 17 mil soldados ao Afeganistão ­ a conselho do Pentágono e no interesse dos industriais da guerra ­ mostra que não basta querer mudar o rumo de um país, mesmo com o apoio eleitoral da maioria de seus cidadãos. Segundo alguns, o déficit do Tesouro americano chegará a US$ 3 trilhões em setembro deste ano. A crise é a cada dia mais grave, as grandes indústrias estão falindo, o desemprego cresce, o FED continua emitindo sem lastro, mas os poderes reais da República exigem a continuação do "combate ao terrorismo". O New York Times cita fontes do governo para dizer que a política de segurança dos Estados Unidos é a mesma: os voos clandestinos da CIA continuarão, e suspeitos de "terrorismo" serão enviados a "terceiros países", para os interrogatórios "duros". Enfim, como dizia Tancredi, personagem de Lampedusa, em Il gattopardo, "se vogliamo che
    tutto rimanga com'è, bisogna che tutto cambi".
    A atrevida charge racista, publicada na semana passada pelo New York
    Post ­ jornal popular de direita, de propriedade de Rupert Murdoch ­
    desnuda esse mal-estar dos ricos. O desenho mostra dois policiais atirando em um chimpanzé, e a legenda explicativa de que teriam que encontrar outro animal a fim de emitir novas normas para a regulamentação da economia. O jornal pediu desculpas, mas só os negros protestaram com veemência. A impressão de muitos observadores é a de que o establishment, passado o grande susto, se rearticula para colocar a coleira no presidente. Não parece provável, no entanto, que se retorne exatamente ao modelo Bush. Apesar dos esforços de Washington, a Europa se encontra relutante em aumentar sua presença na beira do Cáspio. Até agora, apenas a Alemanha e a Itália se dispuseram a enviar mais 1.100 soldados ao Afeganistão. A decisão de um país de reduzidas dimensões, como o Quirguistão, de dar aos Estados Unidos o prazo de 120 dias para abandonarem a importante base militar de Manás, crucial para a sua presença em Cabul, assinala o declínio do prestígio norte-americano na região. O governo fantoche de Hamid Karzai, minado pela corrupção, perde sua reduzida autoridade sobre o país, enquanto os talibãs se fortalecem junto à população. Outro sinal de recuo de Obama foi a declaração do porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, de que o governo não pretende estatizar os grandes bancos, como foi cogitado. Gibbs reafirmou o compromisso do sistema com a livre iniciativa capitalista ­ no momento em que se noticiava, sexta-feira última, a queda das ações dos bancos maiores, como o Citigroup e o Bank of America, diante dos rumores de que seriam encampados. Em seu editorial de ontem, domingo, o New York Times discutiu o tema, concluindo que, pelo menos por algum tempo, os grandes bancos devem ficar nas mãos do governo. Essa parece ser, mais cedo ou mais tarde, a atitude de países como a França, a Alemanha e a Inglaterra. O encontro da União Europeia, ontem, na Alemanha, discutiu o tema. Os participantes propuseram reforma profunda dos bancos centrais e do FMI para que regulamentem o sistema financeiro.

    Chávez e o Mercosul
    Quando até mesmo os Estados Unidos reconhecem a lisura da consulta ao eleitorado que autorizou o presidente a continuar disputando eleições, repete-se no Brasil o discurso dos conservadores. Em nosso caso, a reeleição foi instituída pelo beneficiado, com o apoio do Congresso, e sem consultar o eleitorado ­ como fez o venezuelano. Se houvesse, no Brasil, a consulta a que se submeteu Chávez, dificilmente ela seria aprovada. A permanência ou não de Chávez no poder é problema dos venezuelanos, não dos brasileiros. Mas a inclusão da Venezuela no Mercosul é de interesse de toda a região ­ e sobretudo do Brasil. O artigo do senador Aloizio Mercadante, publicado por este jornal, é nisso esclarecedor. Um tratado internacional se faz com cláusulas claras, que preveem os direitos e obrigações dos signatários. O Mercosul é de interesse de todos os sul-americanos. Novo mapa geopolítico se desenha, e a viagem de Hillary à China é nisso emblemática. Temos que nos unir para dialogar com o resto do mundo, e é preciso agir com a razão política e não com idiossincrasias ideológicas.

    Tudo muda para
    permanecer a
    mesma coisa nos
    Estados Unidos

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