terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Quando o “The End” somos nós, onipotentes, que determinamos.


Fico espantado quando ouço as pessoas dizerem que abandonaram logo de início filmes empenhados que acabam desapontando. Já ouvi de um crítico que ele assumidamente chega a abandonar filmes de Festival em questão de 10 minutos e já constatei o fato. Reconheço que algumas vezes (bem poucas) também fiz isto. Mas sempre ficou a dúvida: e se o filme se tornar mais consistente depois?

Numa “Roda de Leitura” no CCBB-RJ perguntei ao escritor Inácio de Loyola Brandão como fazia para ler tantos textos como membro do júri do Prêmio Nestlé de Literatura? Estava especialmente interessado, pois havia mandado textos meus para este concurso. A resposta de Inácio me desapontou bastante: têm textos em que ele lê só o começo, a primeira página e os abandona, não sentindo nenhuma culpa por isto. Mas e se os textos a princípio obscuros ganharem maior relevo depois?

Um filme é exemplar da forma como que uma história pode ganhar realmente maior importância e significado na derradeira cena: “O Maestro” de Andrzej Wajda. Numa cidade provinciana um maestro local é extremamente rigoroso com seus músicos, sendo muitas vezes bastante indelicado com eles, chegando a ofendê-los. Paralelamente o filme nos mostra um maestro famoso (vivido pelo maravilhoso John Gielgud) que vem a esta cidade e modestamente entra na fila para comprar ingresso para o concerto que haverá, aonde vem a falecer. Numa discussão em casa com a mulher, o maestro de província ouvirá dela palavras que redimensionam o filme e nos convidam a revê-lo, agora com outros olhos e uma leitura mais penetrante. Eis o teor do que ela diz na última seqüência do filme, a qual interrompe depois a obra, abruptamente, magistralmente: “Você deveria abandonar a orquestra! No fundo você não deseja ser músico! O que você quer é usar a música para exercer seu poder nefasto sobre as pessoas!”. Assim o que era uma história um tanto paroquial ganha o sentido de metáfora eloqüente de grandes desastres políticos, como o que acontecia na Polônia de então. E aqui nos lembramos do zombeteiro, mas certeiro Eugène Ionesco: “O poder deve ser confiado a aqueles que não o desejam...”.

“Clube da Luta” de David Fincher, sem o mesmo nível de “O Maestro”, com um grau de violência bastante exacerbado que pode assustar e afastar muitos espectadores ganha realmente sentido mais ao final do filme. Aí sim o que nos parecia gratuito ganha mais força dramática e somos convidados a rever a obra.

O extraordinário romance “O Jogo das Contas de Vidro” de Herman Hesse é sempre muito atraente, mas ele ganha uma dimensão realmente fantástica e mais emocionante ao final, suscitando em nós a vontade de uma releitura.

Desta forma, acredito eu, que uma vez que já nos dispusemos a sair de casa até um cinema ou nos instalamos em nossa poltrona , para ver um determinado filme, vamos procurar assistir ao trabalho até suas últimas seqüências, que muitas vezes têm sentido de circularidade nos remetendo ao início. É assim que encaro, de modo geral, os filmes que me disponho a ver (ou os livros em sua leitura). Mas cada um tem suas idiossincrasias cinéfilas e literárias. Esta de abandonar o filme, os livros, principalmente no início, não me agrada de forma alguma. Arte exige paciência, respiração e total entrega de quem a frui. Podemos quebrar a cara, mas vale a pena o risco.

Nelson Rodrigues de Souza

4 comentários:

  1. Prezado Nelson

    Quis postar ontem, mas não me foi possível. Eis aqui, portanto, o primeiro filme que me veio à lembrança ao ler tua postagem: "Dogville". Minha primeira reação ao colocar logo nos 5 min do DVD no aparelho, foi o de retirar e entrega-lo. E isso, para mim, é muito raro(em tempo:concordo com o amigo, quando diz que há que se ter paciência ao apreciar certos gêneros de arte, como cinema e literatura): via de regra posso ver um filme inteiro com um enredo péssimo, uns diálogos medíocres, mas com uma bela fotografia, uma ou outra cena impactante, ou meramente bonita, e isso, na minha modesta apreciação, também vale.

    Em seguida, lembrei também de um casal de idosos na sessão de estréia de "Rocha que Voa" (do Erik Rocha) - os dois deixaram o Estação Botafogo logo nos primeiros minutos de exibição do filme, lançando imprecações à tela...eu também achei o início meio modorrento, mas não sairia dali assim, após tributar à bilheteria do Estação, uma grana pesada para o meu bolso de universitário. No fim, gostei do filme e fiquei sabendo de fases do trabalho dele das quais ainda não tinha idéia.

    Já "O Clube da Luta", meu preconceito impediu-me de assisti-lo no cinema e até em vídeo ("mais um filme de ação regado a porradarias estilosas").Acabei assistindo na TV, por influência da Sy, e, acabei gostando muito. Até mesmo vi a reprise.

    Quanto aos livros, também raramente não vou até o fim. Em relação a alguns como os do José de Alencar, francamente me arrependi, mas fui até o final.Atualmente, pago uma dívida de adolescência, contraída junto a um dos raros autores cuja leitura abandonei após as primeiras 3 páginas: estou digerindo "O Ateneu", do Raul Pompéia, aapós ter tido acesso a uma breve biografia do autor.

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  2. Em toda a minha vida, acho que só abandonei uns 2 ou 3 filmes pela metade; assim mesmo um foi por cansaço (preferi deixar para outro dia) e os outros eram tão ruins que já deletei da minha memória até os seus títulos. Em geral, sou persistente. Quando não estou gostando muito de um filme, procuro aproveitar a interpretação dos atores ou a fotografia, a trilha sonora, o texto, ou seja, algo de estimulante que faça valer a pena assisti-lo.
    Sem contar que há filmes que crescem surpreendentemente, enquanto outros nos deixam deslumbrados nas primeiras cenas e depois despencam em queda livre. Ao contrário do Leandro, Dogville me hipnotizou do início ao fim. Fiquei meses sem conseguir pensar em outra coisa. E, quando saiu o dvd, comprei imediatamente. Mas, sabe que até hoje não tive coragem de revê-lo, tentando preservar aquela magia, aquela emoção estética inigualável que me provocou à primeira vista?
    Livros, então, eu só "desisto" de algum se for muito mal escrito. Lembro-me até de um episódio da minha infância envolvendo José de Alencar. Eu odiava A Pata da Gazela! Enquanto "devorava" toda a literatura que caía em minhas mãos, aquele livro ia sendo deixado de lado, meses após meses. Mas, pouco a pouco fui até o ponto final. Ufa, que alívio! Às vezes penso em relê-lo para reavaliar minha opinião. No entanto, nesse caso, não me animo a fazê-lo por motivo inverso ao de Dogville. A repulsa foi tamanha que não consigo nem olhar para a capa do dito cujo. Trauma de infância!
    Abraços. Gina

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  3. Ressalva que não havia ficado clara no meu comentário: eu resisti aos 5 min iniciais de Dogville(depois do áspero estranhamento daquele cenário sem paredes,e marcações no chão),e por fim adorei o filme. Assisti novamente em DVD, no ano seguinte. Depois peguei Manderlay, assim que saiu em vídeo (desse eu gostei, mas ainda prefiro o primeiro).

    O 3º título ainda não estreou no Brasil, não é?

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  4. Eu havia entendido, Leandro, que você estranhou o início de Dogville, mas depois gostou muito. Quando escrevi "ao contrário do Leandro", quis dizer que o filme me conquistou desde os primeiros minutos.
    Fico super feliz quando alguém adora Dogville! Afinal, tem muita gente que detesta e não quer nem ouvir falar, quanto mais discutir a obra.
    Estou ansiosa pelo último filme da trilogia, mas creio que ainda vá demorar. Também prefiro Dogville a Manderlay.
    Abraços. Gina

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