terça-feira, 9 de junho de 2009

A Verdade Espatifada



Por respeito às vítimas, familiares e seus amigos envolvidos no acidente com o Airbus A330, vôo 447, hesitei se deveria ou não fazer este post. Mas agora há vários dados em jogo que nos movem a sair da inércia e ficar alertas quanto ao encaminhamento de todo este processo. Mais do que julgar e se for o caso aplicar sanções apropriadas a possíveis responsáveis, o que está ainda mais urgente é evitar que outros acidentes aconteçam.

De tudo que li na imprensa alguns textos me chamaram mais a atenção:

Sobre homens e máquinas

Marcelo Allevato *, Jornal do Brasil- 5 de junho de 2009

RIO - O recente desaparecimento do vôo AF 447 no trajeto Rio–Paris, envolto em mistério, suscitou diversas hipóteses envolvendo circunstâncias meteorológicas, falhas humanas, defeitos mecânicos e, por fim, a mais curiosa e intrigante de todas: o aparato eletrônico do moderníssimo Airbus A330 teria interpretado de forma equivocada as variações de velocidade e posição da aeronave induzidas provavelmente por turbulência, e iniciado procedimentos automáticos – a princípio corretivos – independentemente da vontade dos pilotos, que teriam causado o mergulho fatal. Sem entrar no mérito da verossimilhança da hipótese, a discussão traz à baila questões instigantes: seria a evolução tecnológica em certas circunstâncias nociva? As reações humanas em situações extremas seriam mais adequadas?

É possível adiantar que não há respostas definitivas para essas questões; e acrescentar que efetivamente as máquinas são incapazes de sentir medo. Por isso, lhes falta capacidade de reagir a situações de perigo com a mesma variedade de possibilidades de que somos capazes. Na realidade, diante de situações de perigo, a decisão a ser tomada é, a princípio, escolher em frações de segundo entre fugir ou lutar. Essa decisão aparentemente simples é tomada de acordo com a análise de diversas informações provenientes dos órgãos dos sentidos que monitoram o ambiente, as quais são enviadas ao cérebro, onde o processamento desse conteúdo envolve não só o recurso a habilidades adquiridas, no caso dos pilotos por meio da aprendizagem e do treinamento, como também a evocação automática de memórias relativas a outras situações semelhantes vividas ou observadas, que dependerá da experiência de cada um. Todo esse processamento é velocíssimo, e feito de forma quase inteiramente não verbal.

Um terceiro componente fundamental na tomada de decisões nessas situações é a afetividade, e o cortejo de sensações físicas que acompanham a sensação de perigo. Acredita-se que a tomada da decisão mais adequada em circunstâncias extremas dependa do funcionamento harmônico desses três componentes, e a relevância do afeto e das sensações físicas na tomada de decisões adequadas em condições experimentais parece desmentir a crença de que o melhor é decidir de cabeça fria: pacientes com lesões neurológicas que os tornem incapazes de vivenciar a angústia diante de situações adversas geralmente tomam decisões inadequadas e por vezes desastrosas.

Esse trágico acidente, portanto, gera especulações que acrescentam a seu mistério contornos de fábula: caso a hipótese acima seja verdadeira, a decisão fria, porque prévia e inflexivelmente programada da máquina diante de uma situação complexa e velozmente mutável, teria sido desastrosa. Certo é que o aparelho não seria capaz de angustiar-se diante da iminência da morte.

É teoricamente provável que os pilotos, humanos, falíveis e angustiados diante do perigo, reagissem de forma mais adequada, com suas habilidades adquiridas potencializadas pelo próprio medo, já que dificilmente profissionais tão habilitados e experientes ficariam amedrontados ao ponto da imobilidade diante do perigo. No entanto, reféns da decisão da máquina, podem ter assistido ao desfecho de seu drama sem possibilidade de reação. Provavelmente jamais teremos uma resposta definitiva quanto às causas do acidente, tampouco sobre os limites da tecnologia e das habilidades humanas.

*Psiquiatra

Em acidente anterior já havia lido pilotos manifestarem preocupações com um excesso de computadorização dos aviões, o que seria contraproducente e perigoso. Certos aviões estariam sendo projetados mais para serem pilotados por engenheiros do que por pilotos.

Numa entrevista a Ruben Berta a O Globo de 7 de junho de 2009, o escritor Ivan Sant’Anna, autor do livro “Caixa Preta”, que reconstitui três grandes acidentes históricos brasileiros, aponta para algumas questões bastante inquietantes. Selecionou-se duas:

O Globo- O que o senhor pensa de a França estar à frente das investigações?

Sant’Anna: A investigação poder ser política. Geralmente há dados conflitantes: é um avião americano, uma companhia brasileira, há várias partes interessadas. Neste caso é tudo francês: companhia aérea, pilotos e fabricantes. Se descobrirem falha do projeto ou problema de piloto, por exemplo, isto pode ser escondido. Não acredito em relatório independente da França. Há muito dinheiro envolvido e é uma atividade que depende muito da confiabilidade.

O Globo- A crise está afetando a rotina das empresas aéreas?

Sant’Anna: Há cada vez mais um consenso entre pilotos de que, se for constatado algum problema, não se deve voltar, segue-se assim mesmo. É uma tendência mundial de minimizar os prejuízos. O piloto sabe que, se retornar, vai ter de dar um milhão de justificativas.

Segundo O Globo de 8 de junho de 2009, a Air France demorou a trocar equipamentos ( sondas de pitot). A Companhia teria recebido comunicado da Airbus em 2007 e só em maio de 2008 começou a discutir substituição.

Já na Folha de São Paulo de 9 de junho de 2009, tem-se mais dados inquietantes:

Pilotos exigem troca de sensor e podem parar

Membros de sindicato minoritário criticam Air France por não suspender vôos mesmo após admitir problemas em sensores de velocidade

Grupo, que representa cerca de 10% dos comandantes, disse acreditar que falha está entre as principais hipóteses para queda de Airbus no mar

MARCELO NINIO

DE GENEBRA

Um grupo de pilotos da Air France ameaçou ontem parar de voar até que a empresa substitua os sensores de velocidade da frota de Airbus.

Membros de um sindicato minoritário, o Alter, que representa cerca de 10% dos comandantes da Air France, criticam a empresa por não ter suspendido os vôos dos Airbus-A330 e A340 mesmo após admitir, no sábado passado, que os sensores desses modelos haviam apresentado problemas.

Uma das mensagens automáticas enviadas pelo Airbus que caiu no Atlântico, com 228 pessoas, indicava problema nos sensores externos.

Para os pilotos, a falha está entre as principais hipóteses para o acidente. "Queremos proteger nossos tripulantes e passageiros", disse o sindicalista Christophe Presentier à emissora France Info.

No sábado, a agência francesa que investiga o acidente confirmou que a peça já havia mostrado falhas nos A330 e A340 e que a Airbus havia recomendado a troca. E acrescentou que o avião que caiu no dia 31 não havia passado pela atualização.

Cada avião tem três dessas peças, chamadas pitots. São tubos instalados na dianteira do avião, que medem a velocidade do vento e enviam os dados para outros sistemas.

Uma das mensagens automáticas enviadas pelo Airbus em seus minutos finais indica problemas na medição dos pitots, dentro da sequência de panes que o aparelho acusou.

Uma das hipóteses é que, com isso, o computador do avião tenha interpretado dados errados e induzido os pilotos a fazer manobras inadequadas.

Sem admitir ligação com o acidente, a Air France anunciou no sábado que iria "acelerar" a troca dos sensores. Ontem, disse que todos os aviões A330 e A340 já estão com pelo menos um sensor novo.

"Em nove aviões já foram trocados dois ou três dos sensores", disse a porta-voz da Air France, Veronique Brachet.

A Air France tem 15 aviões do modelo A330 e 19 do A340. Segundo Brachet, a troca de apenas um dos sensores é suficiente para dar segurança imediata ao avião. Ela disse que a substituição total será "rápida", mas não falou em prazos.

A porta-voz disse não temer uma greve de pilotos (a empresa tem 4.000), já que a ameaça partiu de uma minoria.

Outro sindicato

O maior sindicato de pilotos da França, o SNPL (Sindicato Nacional dos Pilotos de Linha da França), também diz existir a suspeita que o desastre esteja ligado ao sensor, mas afirma estar satisfeito com as medidas adotadas. "O ideal seria a troca imediata dos três sensores, mas ter um trocado já dá uma boa garantia de que os dados de velocidade serão enviados corretamente", disse o vice-presidente do SNPL, Pascal Guerin.

Para Guerin, comandante de um A340, ainda é cedo para dizer o que derrubou o Airbus, mas está claro que uma falha simultânea dos três sensores coloca o piloto em apuros. "Sem eles o piloto perde todas as indicações de velocidade."

Ele classificou de "excessiva" a exigência do sindicato Alter, que orientou seus membros a se recusarem a voar enquanto ao menos dois dos sensores não forem trocados.

Indagada por que a troca não havia sido feita antes do acidente, a porta-voz da Air France disse que a explicação está no comunicado emitido pela empresa no sábado.

Nele, a Air France afirma que se antecipou à proposta da Airbus de realizar uma experimentação dos novos sensores e decidiu trocar todas as peças a partir de 27 de abril.

E conclui: "Sem pressupor uma ligação com as causas do acidente, a Air France acelerou este programa de troca".

Por meio de sua assessoria em São Paulo, a Airbus disse que recomendações como a de troca dos sensores "são frequentes e não relacionadas a incidentes específicos". Afirmou que a intenção "é melhorar a performance do equipamento, e não a segurança". A empresa não respondeu aos outros questionamentos para "não prejudicar a apuração"

Trocando em miúdos, encontrar a verdade sobre o que aconteceu realmente com o vôo 447 está se tornando algo bastante labiríntico, uma ciranda pirandelliana como muitas outras, onde reina o “assim é se lhe parece”.

No cinema não conheço filme que melhor tenha abordado a questão dos poderes de um indivíduo contra um sistema de aviação do que “Whisky Romeo Zulu” de Enrique Piñeyro. O filme não estreou no Brasil nem se encontra em DVD. Foi visto no CINESUL de 2005. É um thriller de dimensões políticas, com toques de documentário ao final, que nos lembra os melhores filmes de Costa Gravas.

Valeria a pena a Movie Mobz que tem trazido filmes esquecidos ao circuito batalhar para exibi-lo no país em circuito. As questões que o filme levanta ainda são atualíssimas, ainda que o caso real do acidente do Boeing 737 da LAPA argentina que o filme aborda seja bem distinto do atual. Mas no que diz respeito ao que pode um indivíduo e sua consciência diante de um sistema adverso em situações de segurança, o filme é de atualidade assustadora.

Conversei com o diretor após a sessão e ele me disse que durante o período de pós-produção do filme recebeu ameaças de morte. As autoridades ao final, personagens reais colados num mundo de ficção fortemente calcado em fatos, dando desculpas esfarrapadas formam um momento muito forte e propositadamente patético do Cinema Latino Americano.

Adiante vai uma crítica da época do site críticos.com.br. Do texto de Ricardo Cota discordo quanto ao comentário sobre utilização de uma música de Clara Nunes, onde para mim não há nenhum problema . O mesmo vale para o flashback mencionado.

POR DENTRO DO CINESUL

Por RICARDO COTA

13/6/2005

O CÉU QUE NÃO NOS PROTEGE

Whisky Romeo Zulu

Na prateleira de gêneros de uma locadora, Whisky Romeo Zulu teria como destino óbvio a galeria “filme-denúncia”. Mas, no Brasil e países afins, o mais justo seria situá-lo como “filme de terror”. Baseado em história real, Whisky Romeo Zulu reforça o alerta para a tragédia anunciada das companhias aéreas em processo de falência, algo perigosamente familiar por essas plagas. Em 31 de agosto de 1999, um Boeing 737 da LAPA espatifou-se no centro de Buenos Aires. Por trás do acidente, um histórico de cortes econômicos e de operações sigilosas responsáveis por uma série de vôos de risco precedentes à tragédia anunciada.

Em sua estréia como diretor, Enrique Piñeyro, ele mesmo um ex-piloto da LAPA, surpreende pela segurança e firmeza na direção de um filme de caráter investigativo. Conhecido do público pela sua atuação como ator em Esperando o Messias, de Daniel Burman, Piñeyro, também presente no elenco de Whisky Romeo Zulu, conta com a boa interpretação de Alejandro Awada como protagonista. Alejandro compõe com sobriedade e distanciamento o piloto espremido entre decisões limítrofes, como denunciar as perigosas ações de sua empresa ou pedir demissão. Um romance do passado atravessa a trama e torna ainda mais complexo o drama do piloto, que descobre ser uma paixão da pré-adolescência hoje alta executiva da LAPA.

Whisky Romeo Zulu - o título refere-se à forma como as iniciais dos códigos aéreos são proferidas por funcionários – foge ao esquematismo e ao tom empostado dos filmes-denúncia tradicionais. Para o bem e para o mal, Piñeyro exercita estilos diferenciados, que contribuem para ratificar o alto nível de profissionalismo do cinema argentino contemporâneo. Acerta ao captar a tediosa rotina do piloto solitário, entrecortada pela poética dos sobrevôos por sítios históricos e belíssimas visões celestes. Merece registro também uma sensação de “nowhere” que acompanha esses profissionais, que vivem em todos os lugares e em lugar algum, sobretudo na passagem pelo Rio de Janeiro, infelizmente anunciada por uma deslocada interpretação de Clara Nunes na trilha sonora. Piñeyro erra, no entanto, ao inserir um desnecessário flashback do romance infanto-juvenil de seu personagem principal, justificável apenas como capricho de uma produção sofisticada, em termos de registro de época, porém despropositada.

Exaltado pelo Clarín como “um filme necessário”, Whisky Romeo Zulu não cabe apenas no figurino da indignação. É mais do que isso. Além de revelar um diretor de luz própria, impede que as manobras escusas que tornam imprevisível o deslocamento aéreo caiam no esquecimento.

# WHISKY ROMEO ZULU

Argentina, 2004

Direção e roteiro: ENRIQUE PIÑEYRO

Elenco: MERCEDES MORÁN, ALEJANDRO AWADA, ENRIQUE PIÑEYRO,CARLOS PORTALUPPI

Duração: 105 minutos


http://www.culturalianet.com/imatges/articulos/28168-1.jpg

http://www.elcine.ws/sitio/images/stories/peliculas/argentina/wrzpineiroawada.jpg

Nelson Rodrigues de Souza

4 comentários:

  1. Ainda hoje quando leio os notíciários "gela a espinha" em pensar a sensação de terror e medo diante do inevitável.
    Passageiros sob comando de Comandantes comandados por uma Máquina inoperante lá no alto e por e certo comandada por "Situacões" confusas e nunca convincentes com você brilhantemente relata.
    Estamos de certo diante da fragilidade humana em todos os sentidos...todos, sem exceção, entegues às poderosas forças da natureza.
    Caem do Céu no Ventre da Mãe Terra que embala o corpo inerte dos filhos, em despedida e para despedida dos que aqui ficam na angustia e no sofrimento do não entender, enquanto suas Almas habitam o Céu com a Supervisão do Deus Cosmo Todo Poderoso...Tudo que posso entender é que o Tempo é precioso,A Vida é um presente e,infelizmente,em situações como essas a Vida foge na hora em que se começa a viver os sonhos... sonhos......................

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  2. Sonhos interrompidos abruptamente e que espero ainda que pouco otimista que fatos comos este sejam definitivamente extintos.
    A vida humana não tem preço é um bem impagável,inanfiançavel ...pilots,conbustivel,computadores,maquinas...
    O que é isso diante dos Sonhos de uma vida???????????/

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  3. corrigindo como, colocando o no primeiro texto e tirando s de como no segundo texto.A palavra combustível que teclei o n em vez do m.Sinais da minha indignação.

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  4. inafiançavel..................cruzes nunca mais escrevo tarde

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