quinta-feira, 24 de março de 2011

Ou Feia ou Bonita, Ninguém Acredita na Vida Real

















Ou Feia ou Bonita, Ninguém Acredita na Vida Real

(Sobre “Cópia Fiel” (França/ Irã/ Itália/2010) de Abbas Kiarostami etc. )

O texto contém spoilers, ou seja, detalhes fundamentais de narrativas são adiantados para a análise pretendida.

Uma das interpretações mais belas de “Em Busca do Tempo Perdido” de Marcel Proust é a ideia de que somos muito mais felizes nas rememorações do que vivemos do que nos próprios momentos em que as coisas/fatos são efetivamente vividos. Quando, por exemplo, estamos apaixonados e estamos à espera de alguém, tantos contratempos&angústias podem acontecer antes, durante e depois de um ato amoroso que é na recordação que escoiamos todos estes incidentes indesejáveis e vivemos com mais plenitude tudo o que aconteceu de bom. Com o que Proust não contava é com nossos mecanismos neuróticos que podem nos fazer, ao terminarmos uma relação, nos concentrar muito mais nos aspectos relativamente ruins do que nos bons momentos vividos. É o que acontece com o casal de “Cópia Fiel” e que é visto com uma agudez espantosa em “Cenas de Casamento” de Ingmar Bergman, um filme contundente que dificilmente será superado neste sentido com os mais variáveis estados de espírito dos seres humanos quando se deparam com uma relação terminal.

Mas se “Cópia Fiel” nesta ótica é um filme menor comparado à genialidade de Bergman (que bebeu na fonte de Strindberg onde numa situação mais radical, “Senhorita Júlia” se mata por não suportar sua paixão por um homem de classe social inferior), esta grande obra de Kiarostami introduz, como em muitos dos seus filmes, a questão da metalinguagem e os desvios e aproximações entre realidade e ficção. Realidade, que é hoje uma palavra prostituta, pois a complexidade do mundo atual, tanto nas relações amorosas com seus autoenganos e enganos a dois, como “no mundo exterior”, está acachapante. Exemplos: O que está acontecendo realmente no Japão? Depois de estardalhaços apocalípticos nucleares, as notícias minguaram. Qual é a realidade: houve exageros da mídia no início dos fatos ou agora estão nos sonegando informações?; A Região Serrana foi duramente atingida pelas chuvas com imagens aterrorizantes pela tevê e jornais virtuais ou impressos. De uns tempos pra cá não se comenta mais nada. Como estão sendo feitas as reconstruções de vidas, moradias e estabelecimentos? Já soube por quem visitou Friburgo que as pessoas andam ainda atônitas pelas ruas e há lugares onde se sente cheiro de carniça devido aos mortos sepultados/insepultos por lama, terra e/ou concreto. Qual é o real das Serras hoje?; O ditador da Líbia Kadaf estava determinado a exterminar todos os revoltosos. O Conselho de Segurança da ONU demorou, mas aprovou uma intervenção de tropas (incluindo os EUA, mas não com hegemonia deste). Mas já há quem diga que estas tropas em seus bombardeios estejam matando mais gente do que Kadaf fez com seu povo. Qual o real em jogo? A imprensa de que dispomos vai dar conta deste real ou teremos de esperar por um grande documentário a respeito?; Dilma e Obama se encontram como se estivéssemos num sonho. Mas quais as reais condições que os dois têm de transformações benignas bilaterais para termos um intercâmbio não predatório, dado as bases que os sustentam? Dá para acreditar que num momento de grande crise econômica, se envolvendo em mais uma guerra, com o Japão ruindo, os EUA serão menos protecionistas com seus produtos de exportação/importação? Não é surreal termos indústrias de suco de laranja, antes grande exportadores para os EUA, se instalando na própria corte, gerando empregos por lá?; Jafar Panahi (de “Fora do Jogo”, “O Balão Branco”etc.) está condenado a seis anos de prisão no Irã e depois a 20 anos sem filmar. Cineastas iranianos como Abbas e Asghar Farhadi (diretor de ''Nader and Simin, A Separation'', vencedor do Urso de Ouro do Festival de Berlim- 2011) estão adotando uma política de não criticar o governo de Mahmoud Ahmadinejad abertamente no Ocidente para poder continuar a fazer filmes no Irã, onde aí teriam sim elementos críticos para mudar a sociedade iraniana. Não há cinismo aí. Mas este pragmatismo não soa algo irreal, ou uma grande dificuldade de se lidar com o real?

Em “Blow-Up” (Inglaterra/Itália/1966) de Antonioni que não perde atualidade, pois continua sendo uma grande metáfora sobre incomunicabilidade e alienação, um fotógrafo que não consegue resolver o enigma de um morto captado numa foto, termina por contribuir/validar uma partida de tênis sem bola, num dos mais belos e significativos finais de filmes já feitos, mesmo que Ely Azeredo, decano da crítica cinematográfica, o considere um erro ( seria felliniano demais..).

Pois bem! Vivemos num mundo hoje em que todos os dias somos confrontados com mortos nas fotos que tiramos. O que é o real disto tudo? Devemos jogar tênis sem bola todos os dias para não nos amofinarmos?

E as nossas relações amorosas? Estão plenas? Plenitude aqui é uma utopia? Qual o peso do dinheiro corruptivo na manutenção destas relações, sejam homos ou heteras? Em quais fantasias benignas estamos envolvidos? Mas e as malignas,como as estamos escamoteando? Enfim, qual a realidade que vivemos que escapa aos sonhos que acalentamos? Ou melhor: que conformação a fórceps estamos tentando dar à realidade para que ela se aproxime mais dos nossos sonhos?

Abbas Kiarostami pode não ser um leito atento de Walter Benjamin, mas não deve ter passado em branco para ele, que escreveu o roteiro de seu filme europeu, o ensaio “A Obra de Arte na Era da Reprodutibilidade Técnica”, pois a primeira parte do filme discute temas muito caros a Benjamin neste ensaio em que se ressalta a perda de aura das obras de arte numa era de reprodutibilidade ainda distante dos recursos que se tem hoje. O que pensaria Benjamin deste nosso mundo de grande poder da web de gerar cópias fiéis?

“Cópia Fiel” se abre com uma palestra de um escritor inglês James Miller (William Shimell, cantor lírico britânico em sua estreia sedutora no cinema) sobre seu livro “Copíe Conforme” numa localidade da Toscana, onde a obra foi traduzida e ganhou um prêmio de melhor livro estrangeiro. Ele discorre sobre o poder das cópias na História da Arte. Como ele valoriza bastante a relação subjetiva que há entre quem está diante de uma obra de arte e o que é visto, ele não vê nenhuma grande problemática nas cópias fiéis. Assume aqui uma visão inversa à de Benjamin em seu famoso ensaio.

Ella (Julliette Binoche, prêmio de melhor atriz em Cannes 2010 neste que deve ser seu mais intenso e melhor trabalho), uma francesa que vive na região, dona de uma galeria de antiguidades, assiste parte da palestra, deixa seu endereço com o tradutor sentado ao lado e marca encontro com James em seu local de trabalho, onde originais convivem indistintamente, a primeira vista, com cópias. Sua saída se dá por questões ligadas ao filho problemático que não a encara nos olhos, quer saber tudo da vida dela e reage ao saber que seu sobrenome não aparece numa dedicatória.

Ao se encontrar com James, Ella é incitada a fazer um passeio de carro em que ela dirige,vai expondo suas divergências com as teorias dele, ao mesmo tempo em que lhe pede que autografe alguns exemplares de “Copie Conforme” que ela comprou. Ele se dá à tarefa e contempla com gosto a paisagem. A relação entre os dois é tensa, pois há quase que uma competição intelectual. Até mesmo uma piada que ele conta é esvaziada. Ela aponta contradições entre o que ele escreveu e o que diz no momento. Ele rebate.

Numa das paradas ele conta uma história sobre uma mulher e seu filho que a emociona. Ele foi testemunha de um fato que aconteceu com Elle. Noutra parada para um café enquanto James atende seu celular do lado de fora, uma senhora atendente os contempla como marido e mulher e discorre com Elle sobre vantagens e desvantagens de uma mulher casada. A partir daí o filme começa a ter um turning point bastante significativo e dos mais intrigantes do Cinema. Elle e James passam a incorporar aos poucos um casal que já se conhece há quinze anos e estão em crise, com muitas recriminações e queixas recíprocas. Os cuidados e a educação do filho são discutidos, a apatia do marido dormindo quando ela esperava grandes carinhos numa noite de aniversário de casamento é salientada, a leviandade dela em dirigir em alta velocidade com o filho no banco de trás também, comparações descabidas são feitas etc.

Afinal, como o que vimos antes se atrelaria de uma forma realista ao que assistimos agora? Acredito que por mais que assistamos o filme, este enigma continuará. Como em “Cidade dos Sonhos” de David Linch não há esteio realista que seja desvendado para dar maior sustentação ao filme. Interessa aos autores o mistério poético. Considero muito redutor crer que se trata de um sonho de uma das protagonistas de Linch. Sem a mirada surreal de Linch, Abbas Kiarostami recorre à metalinguagem questionando mais uma vez o status do real num mundo de muitas cópias fieis (e infiéis disfarçadas).

Estarão James e Ella criando uma cópia de uma relação que poderiam ter tido? Teriam realmente se encontrado “O Ano Passado em Marienbad”? Não creio que saberemos a resposta. O importa mais é que os sentimentos que eclodem são muito verdadeiros. Depois de se confrontarem com um quarto em que teriam se encontrado 15 anos atrás, com James sempre se mostrando ainda frio, tendo tido raros momentos de afeto explícito, um clima instalado para uma relação amorosa é quebrado porque ele, conforme já tinha avisado, tem que pegar um trem para voltar à Inglaterra. Depois que ele sai de campo do banheiro, onde o vemos de frente como a vimos também, olhando para nós, passando batom e colocando brincos, efusiva com a possibilidade de agradá-lo que depois se frustra, uma imagem linda e fixa da paisagem de casas antigas com um sino batendo, vista através da janela, converge para os letreiros finais.

Fica no ar então o sentimento: afinal o que há de ficção também em nossos mundos de espectadores perplexos diante de um jogo amoroso que pode ser fictício dentro da ficção? Se todo filme, independentemente de sua qualidade, nos tira um tanto de nossa realidade, ao sairmos da sala escura do cinema, com “Cópia Fiel”, este sentimento é mais agudo, pois nos instiga a pensarmos nos jogos mentais que todos fazemos para afirmarmos um eu seja no trabalho, nas relações amorosas, num mundo que quer nos converter a um “eu mínimo” destinado não à felicidade e ao prazer, mas sim a uma amarração a engrenagens pré-estabelecidas. Neste sentido não estamos muito longe do mundo mostrado em “Metrópolis” de Fritz Lang (visto esta semana no Teatro Municipal com orquestra) onde um reino subterrâneo de seres automatizados sustenta uma elite que vive em camadas superiores. James e Ella não pertencem a uma classe proletária, mas não deixam de ser alvos de autoenganos e de uma alienação em que não há partida de tênis sem bola que apare as angústias geradas. A rigor vivem em uma cópia pouco fiel do mundo dos seus sonhos.

Em “E a Vida Continua” (Irã/ 1991) Kiarostami faz de um terremoto real um meio onde se instala uma ficção onde um cineasta procura um garoto que participou de um filme anterior feito por Kiarostami, “Onde Está a Casa do Amigo?”( Irã/1987). Neste jogo metalinguístico temos também a questão da realidade e suas cópias fiéis fictícias.

Em “Através das Oliveiras” (Irã/França/1994), numa região arrasada por um terremoto, temos uma filmagem em que o acaba importando mais é a relação entre um casal de atores na realidade, fora do filme que fazem. O que é original aqui e o que é cópia nestas vidas?

Em “O Gosto da Cereja” (Irã/França/1994), Palma de Ouro em Cannes, um homem deambula de carro a procura de alguém que o ajude no suicídio que pretende fazer. “O Gosto da Cereja” surge aqui como emblemático das alegrias que se pode ter na vida e que o protagonista está por abandonar. Até uma leitura homoerótica o filme sugere. Numa via-crúcis para pegação, o protagonista pode, inconscientemente ou não, estar querendo encontrar alguém que o ame e salve. Mas não podemos nos fechar sobre esta hipótese. Temos um filme bastante aberto. Culmina com morte dele, mas Abbas reserva uma surpresa: todo aparato para fazer seu filme acaba se mostrando, desdramatizando um tanto a sequência final, onde ele está por ser enterrado. Kiarostami não se cansa de questionar o real que a ficção traz e a ficção que também contamina o real. “O Gosto da Cereja” lida com dois tabus que a sociedade iraniana está impedida de discutir pela tirania imposta: o suicídio e a homossexualidade.

“Cópia Fiel” é o primeiro filme europeu de Abbas Kiarostami, feito com atores não iranianos (um inglês, uma francesa), falado em três línguas: francês, inglês, italiano. Se de inicio causa estranhamento, com o tempo, tendo a memória de alguns filmes feitos por este grande artista contemporâneo, logo se percebe suas filiações e inquietações, o rigor habitual com que os planos e sequências são construídos e temos diante de nós mais um belíssimo momento autoral. E aqui estamos diante da mais cristalina realidade.

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Ps O título do Post vem de um verso de Caetano Veloso

Nelson Rodrigues de Souza

quinta-feira, 17 de março de 2011

Com Quantos Recuos e Avanços se Faz um Homem?












Com Quantos Recuos e Avanços se Faz um Homem?

(Sobre “Em Um Mundo Melhor” (Dinamarca/Suécia/2010) de Susanne Bier etc.)

(Este texto contém vários spoilers, ou seja, detalhes fundamentais de algumas narrativas são adiantados para a análise pretendida)

Em “A Coragem de Criar” (Editora Nova Fronteira) do psicanalista Rollo May algumas ideias básicas sobre coragem/medo são expostas com bastante acuidade. Para o artista realizar uma obra ele tem de vencer o medo de concorrer com Deus. A coragem não é a ausência de medo, mas a capacidade de seguir em frente, apesar do medo. A coragem física, diferentemente da coragem moral, degenera em brutalidade.

Em “Em Um Mundo Melhor”, Susanne Bier como em outros filmes seus, com seu roteirista colaborador frequente Anders Thomas Jensen, estica a corda de questões éticas delicadas onde os conceitos de coragem física, coragem moral e medo se embaralham de modo muito nítido e eficiente, propondo ao espectador que faça junto com seus personagens escolhas ousadas. Há permeando esta obra recente, não isenta de defeitos de roteiro, mas com interpretações notáveis de todos os atores, uma discussão sobre qual o lugar do pacifismo nos dias de hoje, colocando em xeque as ideias de Rollo May expressas.

Anton (Mikael Persbrandt) é um médico que fica na ponte Dinamarca/ África (país não especificado), onde neste imenso continente presta serviços humanitários num alojamento de refugiados de guerra e um assassino conhecido como Machão tem a grande perversão de abrir a barriga de mulheres grávidas “para saber o que contém”. Anton dedica parte de seu esforço como médico a salvar a vida destas mulheres, dentre outros casos. Na Dinamarca mora sua mulher Marianne (Trine Dyrholm) de quem está se separando, com dois filhos, sendo o maior Elias (Markus Rygaard), que sofre constantes bullyings na escola por ser visto como diferente, apresentando notáveis defeitos nos dentes, um bode expiatório de recalques de parte da turma, havendo um líder destes ataques, Sofus (Simon Maagaard).

Claus (Ulrich Thomsen) fica viúvo e volta de Londres para a Dinamarca, com seu arredio filho Christian (William Johnk Nielsen) que despreza o pai por acreditar que ele desejasse a morte da mãe que sofria de câncer, quando o que de fato ocorreu é que Claus, por piedade e afeto, vendo o sofrimento da mulher em estado avançado da doença, acabou por desejar sua morte.

Christian matriculado na mesma escola de Elias, o vê sofrendo bullying, recebe uma bola arremessada no rosto e resolve ao seu modo, dar pancadas com um cabo em Sofus no vestiário, usando até uma faca no pescoço deste para intimidação. Este passa a ter risco de perder a vista. Com a faca escondida e negações sucessivas o trio é convidado a fazer as pazes.

Há certo grau de psicopatia em Christian que o filme não aprofunda e à sua maneira vai colocando panos quentes como se fosse um caso apenas de carência familiar e desenraizamento social. Christian e Elias ficam amigos. Fica no ar a ideia de que se não houver um fim entre as retaliações dos jovens, tudo se passa como numa guerra que não vai ter fim.

Anton em momentos que fica com o filho aparta uma briga entre seu filho menor e outra criança. O pai desta aparece dando esporros e chega a bater no rosto de Anton mais de uma vez. Este quer ensinar aos jovens que diante de um idiota não deve haver reação física, pois isto degenerará em brutalidade (conforme May). As crianças ouvem as lições, mas ficam mesmo estupefatas com a falta de reação. Numa das sequências mais belas do filme, Anton corre numa ponte e se joga nas águas de um lago para dissipar a angústia e violência contidas com o não revide à altura.

Christian e Elias da visão privilegiada do alto de um prédio iniciam um processo de descoberta de onde trabalha o agressor. Anton faz questão de ir reencontrar este, que trabalha como mecânico, junto aos jovens e novamente leva tapas no rosto numa troca de palavras rudes, sem reagir, reiterando o que já tinha ensinado.

Em paralelo (e aí as pontes com a África mais do que se justificam) vemos Anton receber a visita estrepitosa do líder Machão com feridas fortes abertas numa perna. Apesar do protesto dos que o circundam fala mais alto seus ideais de médico e acaba atendendo ao insólito visitante. Quando uma das vítimas deste morre, ele ainda caçoa dizendo que ela agora está preparada para algo que só pode ser necrofilia. Numa sequência de forte impacto emocional, vemos Anton perdendo a paciência e carregando Machão para fora da tenda e entregando-o para os populares que acabam fazendo um linchamento. Anton foi atingido em seus limites de generosidade. Sua coragem moral sucumbiu a ações físicas e um covarde linchamento ocorre por mais que saibamos dos horrores de que Machão é capaz. Do ponto de vista dramático a sequência é bastante pertinente. O filme correu o risco de ser politicamente correto aqui, mas se afasta desta tendência, sendo realista.

Na Dinamarca Christian descobre como fazer bombas pela Internet depois que descobriu em casa de parente matéria prima para tal empreitada. Com a relutante ajuda de Elias, os dois planejam destruir o carro do mecânico. A partir daqui o filme alterna momentos da alta tensão dramática com alguns talvez politicamente corretos demais, conduzindo tudo a um final de contemporização em que se tem um mundo melhor. Se mesmo assim temos um belo final, isto se deve à excelência dos atores que conseguem nos convencer mesmo em situações dramáticas um tanto forçadas.

“Em Um Mundo Melhor” levanta questões bastante pertinentes no mundo de hoje, mas não vai às suas últimas consequências, havendo arrefecimento de ímpeto. De qualquer forma é um filme que merece ser visto, pois mostra contrapontos bastante interessantes: para acabar com o bullying na escola as reuniões de pais e alunos foram insuficientes e só uma violência mais extrema de Christian pode conter; o mesmo pai que mostra uma suposta covardia como uma lição de coragem moral, é aquele que na África com muita coragem de todos os matizes enfrenta situações no dia a dia que poucos mortais aguentariam pois se trata de um cardápio de miséria ostensiva entremeada com muita violência e suas sequelas.

Além do mais, as situações finais mesmo com certo ar clichê, pela força que têm e dos intérpretes não deixam de nos emocionar. Assim um carro na África seguido por várias crianças negras em festa, por mais que possamos tê-las visto em outros filmes, acaba sendo perfeita para um the end, pois não há como imaginar um mundo melhor se não soubermos o que fazer com estas crianças.

“Hair” montada brilhantemente por Cláudio Botelho/Charles Möeller em termos musicais, coreográficos e de interpretações é um grande triunfo e nos dá vontade de revisitar. Mas se nos atermos à essência de sua dramaturgia, essa captação do que era o mundo hippie dos anos sessenta/setenta revela-se um texto um tanto datado, pois o mundo em que vivemos está muito mais complexo do que aquele que gerou esta peça de grande sucesso. O que fica pairando no ar é a ideia da necessidade de utopias, algo do qual nos ressentimos hoje e que é o maior barato da peça. “Em Mundo Melhor” em que pese certas simplificações dá muito mais conta do mundo em que (sobre) vivemos do que “Hair”. Como pensar em pacifismo sem crítica quando observamos que governos depostos no Egito, na Tunísia e agora numa tentativa na Líbia (numa crise imprevisível com a resistência de Kadaff aos rebeldes, retomando até posições que estes pareciam já ter consolidado) só acontecem com uma saudável resistência popular que não pode se dar ao luxo das técnicas de resistência pacíficas que Gandhi criou/legou para libertação da Índia do colonizador inglês, o que é visto com força no subestimado “Gandhi” de Richard Attenborough, com antológica atuação de Ben Kingsley.

Já um filme que trata de questões correlatas às de “Em Um Mundo Melhor” é uma das obras-primas de Luis Buñuel, “Nazarin” (México/1958). Um padre (Francisco Rabal) resolve pregar o evangelho numa região camponesa. No entanto todas as suas ações na tentativa de fazer o bem, resulta em más consequências, quando não são inócuas. Ele arruma um emprego e se oferece por um baixo salário. Os colegas empregados discutem com ele, pois sua atitude galvaniza e legitima a exploração. Ele vai embora e de longe ouve (ouvimos) um tiro. Houve briga entre patrões e empregados. Ao chegar numa região onde reina a peste vai dar extrema unção a uma mulher moribunda. Como o marido desta chega, ela rejeita o ato misericordioso do padre e quer mesmo um beijo demorado e prazeroso do marido para levar como lembrança de seus últimos momentos terrenos. Confrontado com vários senões destas ordens, Nazarin acaba por aceitar um abacaxi que segura como se fosse um Che Guevara com sua arma, dirigindo-se ao público espectador.

Numa sequência numa prisão Nazarin ouve de um preso algo deste teor “Sua bondade e a minha maldade não servem para nada”. O corrosivo Buñuel parece comungar da máxima de Bertold Brecht em “A Alma Boa de Setsuan”, onde se conclui que “num mundo injusto não há lugar para a bondade”. Os deuses vêm à Terra e descobrem que a única alma boa é a prostituta Chen Tê. Dão lhe recursos para que ela tenha um negócio. Ela acaba sendo explorada pelas pessoas. Surge então o primo Chui Tá e põe ordem na casa. Mas o primo é uma invenção dela, seu duplo. São a mesma pessoa. Ela e ele convivem num só ser para se protegerem num mundo absurdamente injusto.

“Em Um Mundo Melhor” também há sentimentos de bondade e sabedoria que redundam contraproducentes. Se Anton tivesse reagido com mais firmeza diante do mecânico agressor e não tivesse oferecido a outra face, não haveria razão para os jovens se vingar, explodindo o carro e colocando a vida de pessoas em risco, inclusive a de Elias que só se salva depois da forte explosão por uma facilidade/truque de roteiro.

Em “Brothers” (2004) de Susanne Bier, um pai é tido como desaparecido na guerra do Afeganistão onde está preso e para se salvar é obrigado a matar um colega. Quando volta para casa, bastante perturbado por esta grande culpa, encontra a mulher com um caso com o irmão que foi sempre a seu ver um “porra-louca” e que conquistou o amor das crianças. Todos passam a estranhar o comportamento do pai e sua crescente agressividade.

Em “Coisas Que Perdemos pelo Caminho” (EUA/2007) de Susanne Bier, uma viúva passa a ter uma relação tumultuada com um out-sider, onde limites dos sentimentos dos personagens serão testados. Se aqui estamos longe dos melhores roteiros de Bier, o que ressalta são os ótimos trabalhos de Halle Berry e Benicio Del Toro.

Susanne Bier mesmo não sendo uma das grandes diretoras mulheres do cinema (como Agnès Varda, Jane Campion etc.) merece ser acompanhada pelos teoremas emocionais que propõe com forte carga dramática e humana. O desprezo que um Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (e Globo de Ouro na categoria) costuma gerar em certos segmentos, não deve ser algo impeditivo para não se ver o filme. Muito pelo contrário. Não há por que ficarmos lamentando que grandes filmes de 2010 como “Deuses e Homens” de Xavier Beauvois, “Cópia Fiel” de Abbas Kiarostami etc. não foram sequer selecionados entre os cinco finalistas. E crucificando Susanne Bier....

Ps1A complexidade do nosso mundo é tal que o grande escritor João Silvério Trevisan num dos seus últimos artigos para a revista G Magazine, de uma forma que merece ser bem discutida dados os perigos inerentes, conclamou o pessoal GLBT a aprender artes marciais e que tais, para se defender em legítima defesa de ataques homofóbicos como os que pululam na vida e nos jornais.

Ps2 Vale a pena meditar sobre esta letra que dialoga com o já escrito:

Alma (A Paz Que Eu Não Quero)

O Rappa

Composição: Marcelo Yuka

A minha alma tá armada e apontada

Para cara do sossego!

(Sêgo! Sêgo! Sêgo! Sêgo!)

Pois paz sem voz, paz sem voz

Não é paz, é medo!

(Medo! Medo! Medo! Medo!)

As vezes eu falo com a vida,

As vezes é ela quem diz:

"Qual a paz que eu não quero conservar,

Prá tentar ser feliz?"

As grades do condomínio

São prá trazer proteção

Mas também trazem a dúvida

Se é você que tá nessa prisão

Me abrace e me dê um beijo,

Faça um filho comigo!

Mas não me deixe sentar na poltrona

No dia de domingo, domingo!

Procurando novas drogas de aluguel

Neste vídeo coagido...

É pela paz que eu não quero seguir admitindo

É pela paz que eu não quero seguir

É pela paz que eu não quero seguir

É pela paz que eu não quero seguir admitindo

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Nelson Rodrigues de Souza

quinta-feira, 10 de março de 2011

Retrato do Poeta Enquanto Jovem Impetuoso














Retrato do Poeta Enquanto Jovem Impetuoso

Sendo o Cinema uma arte relativamente recente cujos primórdios remetem aos experimentos dos Irmãos Lumière, Méliès etc. (fim do século XIX / início do XX), os conceitos da História da Arte como classicismo, romantismo, neoclassicismo, academicismo, realismo, modernismo, pós-modernismo etc. não se aplicam com propriedade. Isto não implica que não consideremos certos filmes como caudatários do academicismo, de forma em que há uma linha tênue que os separa do classicismo.

É comum ouvirmos/lermos sobre “filmes do Oscar”. Seriam filmes que se fundam em cânones já consagrados pela Academia de Hollywood gerando histórias lineares, muitas vezes com aplicada reconstituição de época, com temas como superação, martírio dos judeus etc. Assim explicaríamos a vitória por exemplo de “Shakespeare Apaixonado”, “A Lista de Schindler”, “O Paciente Inglês”, “Titanic” ou “O Discurso do Rei”, dentre outros. Seriam filmes acadêmicos por excelência. Mas como explicar a vitória de “Menina de Ouro”, “Onde os Fracos Não Tem Vez”, “Guerra ao Terror” etc.? Seriam exceções que confirmam a regra?

De minha parte se tenho grande estima por “Menina...” e “Onde os Fracos...”, não deixo de reconhecer grandes valores na maioria dos filmes anteriores mencionados. Por mais que haja elementos que me incomode em “O Discurso do Rei” (conforme já exposto neste Blog) não o considero um filme simplesmente acadêmico, mas sim um filme (como todos os outros) que se vale do classicismo para expressar seu discurso cinematográfico.

Este é mais um caso (como os do plano-sequência longo já comentado em post anterior) em que não tenho uma teoria pronta para delinear com clareza a fronteira entre estas duas atitudes. O que vige é uma questão de sensibilidade pessoal. Um filme acadêmico seria um filme linear que por clichês chamativos ostensivos, piscando demais para o espectador, me fizesse pesar as pálpebras para acompanhá-lo. Já o de figurino classicista seria aquele, em que pese suas linearidades e recorrência de temas, me tomasse pelas mãos, me conduzindo com leveza no olhar do início ao fim.

Esta minha distinção é um tanto vaga e pessoal. Mas é o que posso escrever aqui. Quando fizeram uma enquete na França no fim do século XX sobre qual seria o melhor filme francês da História não emergiu um filme da nouvelle vague ou posterior a ela, influenciado por ela e sim um daqueles estigmatizados pelo Cahiers Du Cinéma dos seus áureos e influentes tempos, pejorativamente tido como Cinema “La qualité française” (um cinema que seria do tipo Projac). O maravilhoso “Boulevard du Crime”( 1945), colaboração do poeta Jacques Prévert com o cineasta Marcel Carné, tido como realismo poético foi o filme escolhido. O próprio Truffaut, enfant terrible do Cahiers teria reconhecido anos depois a grandeza desta obra-prima de Carné.

A dupla Ismail Merchant/James Ivory (o primeiro como produtor, o segundo como diretor) tem filmes memoráveis que alguns os têm como acadêmicos, o que é flagrante injustiça: “Uma Janela Para o Amor”, “Vestígios do Dia”, “Retorno a Howard’s End”,”Maurice”, “Luxúria” etc.). Pena que com a morte de Ismail, James esteja tendo dificuldades em filmar, pois aqui temos um diretor raro, alguém que nasceu nos EUA, se aproximou da cultura indiana e tem um olhar plácido e crítico para as convenções e hipocrisias burguesas das mais variadas ordens.

Mas por que me detenho tanto aqui em defender filmes de mirada que considero classicista e não acadêmica? É por que está em cartaz mais um filme de um admirável cineasta apolíneo brasileiro que é Andrucha Waddington: “Lope” (Espanha/2010). Muitos o tacharão de acadêmico aonde eu vejo o mais cristalino classicismo, num alto nível admirável, ainda que não chegue a atingir a emoção constante e grandeza do belíssimo “Casa de Areia” ( 2006), onde no mínimo temos uma sequência antológica em que Fernanda Montenegro com figurinos distintos contracena com ela mesma ( mãe e filha) instaladas numa região plena de areia na paisagem e nas almas, onde se fica muito contente de saber que o homem foi ao espaço e o que trouxe foi areia...

“Lope” nos traz nas palavras do diretor o “Lope antes do Lope”. Numa belíssima reconstituição de Madri do Século de Ouro espanhol, mas em que o povo tinha imensas dificuldades de ter empregos e a guerra era um ganha pão para quem sobrevivesse, Lope de Vega (1562-1635), composto pelo argentino Alberto Ammann com emoção, volta da guerra, usa a roupa de um marquês para ostentar status elevado, perde sua mãe Paquita (Sônia Braga com impressionante maquiagem, com dramática e suave expressão facial) e se endivida para pagar um enterro solene para a mãe, apesar dos protestos do irmão Juan ( Antonio de La Torre). Lope se envolve com Elena (Pilar López de Ayala), uma mulher casada com marido distante, filha do empresário teatral Velasquez (Juan Diego), ao mesmo tempo em que flerta com Isabel (Leonor Watling, de “Fale com Ela” de Almodóvar). Esta é objeto de paixão do Marques de Navas ( Selton Melho, numa curiosa e sóbria aparição), para quem o poeta cede versos para que este impressione sua amada que se encanta mesmo é por Lope.

Lope de copista transgressivo de Velasquez se torna prisioneiro deste, devendo-lhe cinco comédias, por causa de suas dívidas. Ao saber da natureza da relação pai e filha revolta-se com sua condição num nível tal que é obrigado a fugir para Lisboa.

Para Andrucha “minha nacionalidade é a nacionalidade do roteiro que estou trabalhando em determinado momento”. Se não conseguimos aqui de imediato reconhecer um cineasta que nos deu tantos filmes “tão brasileiros” como os muito bons “Eu, Tu, Eles”, “Viva São João”, “Maria Bethânia: Pedrinha de Aruanda” e o já citado sublime “Casa de Areia”, é na competência com que mescla romance, aventura, poesia visual e explícita e um tanto de História com suas licenças poéticas, que se reconhece um dos nossos cineastas brasileiros mais importantes, rotulado por alguns como publicitário pela sua participação no grupo “Conspiração Filmes” que inspira mais inveja do que espírito crítico realmente. Estas críticas negativas simplistas é que conspiram contra a grandeza da variedade do Cinema Brasileiro como um todo e dos tentáculos (como aqui) que podem atingir outros países (como Hector Babenco nos EUA filmando o subestimado e grandioso “Ironweed”/1987 com Jack Nicholson e Meryl Streep, esta em mais um trabalho de antologia).

Se o que vemos em “Lope” fosse assinado por um notável diretor espanhol, não teríamos do que reclamar, mesmo que o filme apoiado por uma visão classicista de cinema (ponto de contacto com outras obras de Andrucha) não tenha a estatura de um clássico que venha para ficar, o que acredito que aconteça com “Casa de Areia” se for bem revisitado.

Em “Lope” temos a paixão e a impetuosidade de um grande poeta que não abdica de viver. Não temos aqui um poeta romântico enamorado da morte. O que vemos é alguém em que a vida pulsa em todas as suas formas, tornando-o ainda mais admirável. É essa alegria de viver mesmo com todos os entraves que nos toca mais em “Lope”. “Brilho de Uma Paixão” de Jane Campion ao abordar uma fatia de vida do poeta John Keats é enquanto filme superior a “Lope”, mas confesso estar um tanto cansado do trabalho de Thanatos no cinema e gosto de ver alguém solar na tela, mesmo com seus incontornáveis conflitos.

Lope de Vega é tido com um dos mais profícuos poetas/dramaturgos da História, senão o mais, com mais de 400 comédias, 42 autos e centenas de poemas. Há até quem lhe atribua 800 peças de teatro, 300 sonetos, três romances, quatro novelas e nove poemas de fôlego épico. Qualquer que seja a fonte correta, o que temos é um inegável grande prodígio de criatividade que o filme retrata quando jovem impetuoso, que dada as condições bem adversas de vida da época poderia não ter vingado, se aliado ao imenso talento, ele também não fosse dotado de agudo senso de sobrevivência (mesmo com suas loucuras) e não tivesse tido também a generosidade de pessoas próximas e sorte, este fantasma que junto com o azar ronda a condição humana, tornando-a frágil em sua fortaleza e/ou forte em sua fragilidade.

Alguns filmes nos enchem apenas os olhos. “Lope” nos enche os olhos e preenche vazios de nossas almas com boa dose de poesia.

Ps1 Com sete indicações ao Goya, “Lope” ganhou em melhor canção original (“Que el soneto nos tome por sorpresa” de Jorge Drexler) e figurino.

Ps2 Casos dos mais notáveis e num aspecto triste são os épicos de David Lean, que numa visão estreita podem ser tidos como acadêmicos e não como deleite esplendoroso classicista que são.”Lawrence da Arábia” /1962 um dos melhores filmes da História do Cinema em qualquer tempo ganhou dentro outros o Oscar de melhor filme, assim como o extraordinário “Doutor Jivago”/ 1965. Lean realizou depois “A Filha de Ryan”/ 1970 que não obteve o mesmo sucesso tanto de público como de crítica mas ainda assim um filme belíssimo. Lean se deixou levar pelas críticas negativas ( conforme declaração sua), se sentiu impotente e ficou anos sem filmar. Quando voltou realizou a obra-prima “Passagem para A Índia”/ 1984 que fez sucesso em todos os âmbitos. Começou então a realizar o projeto “Nostromo” baseado em romance de Joseph Conrad, mas morreu antes de ver o filme pronto. Assim não só perdemos um imenso diretor como também um provável grande filme, que se for feito por outro artista dificilmente terá o equilíbrio entre o senso épico que convive com intimismo que Lean aplicava com louvor a seus filmes nos últimos anos.Uma pena!.E um sinal eloquente de que nenhum diretor deve se abater por criticas negativas e continuar em frente.

Ps 3 O leitor que me acompanha pode pensar “Mas ele gosta de tudo!”. O que acontece na prática é que não me colocando como crítico profissional, só me permito assistir filmes que pela intuição e experiência eu possa gostar, o que nem sempre acontece. Além do mais prefiro escrever, de modo geral, sobre os filmes que gosto (em qualquer grau que seja) do que sobre os filmes que não gosto. Estes últimos já me chatearam no cinema e ainda vão me chatear em longo texto sobre eles? Não. Isto eu deixo para quem é bem pago. Se é que são bem pagos mesmo. Mas esta questão fica para outro post. O meu blog é feito, antes de tudo, por prazer.

Ps 4 Depois de acompanhar o desfile de escolas do grupo especial em que o enredo de muitas delas ( mesmo o da que mais gostei que foi a Unidos da Tijuca do genial Paulo Barros), só era bem inteligível através de bula dos apresentadores da Rede Globo, é um alívio assistir um filme com roteiro transparente como “Lope”...

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Nelson Rodrigues de Souza

sexta-feira, 4 de março de 2011

À Procura do Fogo Sob as Cinzas












À Procura do Fogo Sob as Cinzas

“Incêndios” (Canadá/2010) de Denis Villeneuve

(O texto contém spoilers, ou seja, detalhes fundamentais de narrativas são revelados para a análise pretendida)

Para quem tem a síndrome Peter Bogdanovich, crítico, ensaísta e cineasta americano que nos seus anos áureos (“A Última Sessão de Cinema”/1971, “Lua de Papel”/1973, “Esta Pequena é uma Parada”/1972, “Na Mira da Morte”/1968) insistia que todos os bons filmes já haviam sido feitos, o que indiretamente implica que todas as boas histórias já tinham sido contadas, “Incêndios” com seu mar de pequenas histórias em paralelo forma uma grande, bela e bastante impactante história que é um autêntico antídoto a essa nostalgia bogdanovichiana.

“Incêndios” é baseado numa peça do libanês radicado no Canadá Wadji Mouawad e tem boa parte de suas cenas passadas num país onde há conflitos e vendettas entre muçulmanos e cristãos, num espírito mais agudo e amplo do que vimos em “Abril Despedaçado” de Walter Salles. Presume-se pelo autor teatral que seja o Líbano, mas a rigor como o filme não menciona de propósito o espaço em que se dão estes conflitos, o que é abordado fica valendo para todo país onde intolerâncias seculares fundamentalistas estão em jogo.

Jean Libel (Rémy Girard) que durante anos teve como assistente Nawal Marwan (Lubma Azbal) no Canadá, quando esta morre, mostra o testamento dela aos filhos gêmeos Simon (Maxim Gaudette) e Jeanne Marwan ( Mélissa Désormeaux-Poulin) , o que é uma autêntica demonstração do que é enunciado no filme: “A morte nunca é o fim de uma história”.

Nawal se recusa, a princípio, a ser enterrada como todo mundo. Quer ser colocada de costas no caixão e não quer nenhuma lápide. A condição para que isto seja revertido é que os filhos procurem por um pai que eles julgavam morto e por um irmão que eles não sabiam que tinham, quando então cartas endereçadas a estes seres desaparecidos serão entregues. Jeanne mesmo impactada aceita sua missão. Simon de início se revolta. Aqui já se cria uma grande adesão do espectador sobre o porquê deste imbróglio a ser desvendado.

O filme passa a ter histórias paralelas muito bem construídas em que se conjugam a vida e vicissitudes graves que Nawal passou a ter depois que numa aldeia hiperconservadora ficou grávida e a busca inicial de Jeanne por vestígios históricos da mãe, ganhando depois a adesão do irmão. O filme é dividido em vários segmentos em que passado e presente se alternam com grande força dramática, onde dentre várias sequências fortes, uma que se retém são os tiros que matam o motorista muçulmano de um ônibus e uma saraivada de tiros que matam passageiros. Nawal, cristã disfarçada de muçulmana sobrevive, o ônibus está para ser incendiado e temos belos e terríveis movimentos que vão dos interiores do veículo para exteriores onde um dos incêndios se consuma. Mas há também os incêndios mais dolorosos da alma, tanto da mãe como dos filhos.

Através de muitas peripécias que não serão detalhadas aqui e que há quem as considere rocambolescas chega-se a uma situação típica de uma tragédia grega como a de Édipo Rei em que a busca por causas externas de desgraças latentes leva a um doloroso autoconhecimento.

Assim como “A Espiã”/2006 de Paul Verhoeven e “Ilha do Medo”/2010 de Martin Scorsese, para ficarmos só em dois exemplos, onde a maturidade dos diretores nos faz encarar como trapaças da sorte/destino o que poderia ser tido como rocambolesco ou folhetinesco demais, Denis Villeneuve, com bastante sobriedade e segurança narrativa nos faz mergulhar em seus “truques de roteiro” com bastante ansiedade e suspense, sendo que a linha tênue que separa o sublime do patético, tende para o primeiro com louvor.

Ao fim e ao cabo Simon e Jeanne tem a revelação de que o pai e o irmão são uma só pessoa. A mãe por ter matado um líder cristão vive presa por uns quinze anos numa mais do que inóspita prisão e é estuprada por uma “armadilha/ironia/trapaça do destino” justamente por seu filho desaparecido, que de franco atirador passa a ser um torturador. Os filhos gêmeos são frutos deste estupro.

Aqui se ressalta melhor a sobriedade de Denis Villeneuve: revelações que poderiam soar como excessivamente melodramáticas, por poderosas elipses são suavizadas e o espectador que imagine melhor as reações dos personagens.

O pai/irmão é encontrado trabalhando no Canadá e recebe as duas cartas, os irmãos/filhos desaparecem e temos uma sequência antológica de tocante beleza que agora se constrói não pelas imagens fortes, mas pela leitura das cartas. Na “Carta ao pai” Nawal destila seu ódio contra o estuprador e assina como puta da cela onde esteve. Na “Carta ao filho” ela se enche de amor para saudar a graça de gerar um ser humano e roga pela paz entre os intolerantes. Assim tudo que parecia um tanto caprichoso demais e hermético no início, passa a fazer “todo o sentido do mundo” neste final.

Em mais uma sequência belíssima vemos o pai estuprador/filho amado e procurado no túmulo de Nawal, agora com lápide, numa forma em que ela agora pode encarar o mundo que deixou, altiva, sem vergonha, não mais de costas. É a forma que Nawal, independentemente de religiões, planejou/encontrou para renascer.

“Incêndios” é um mosaico de cenas fortes, de uma beleza muitas vezes crua que nos traz uma história que o cinema nunca havia contado antes. Sem negligenciar os elementos cinematográficos em todos os planos, temos aqui uma história comovente como poucas, indicando um dos caminhos que o cinema ainda pode trilhar bastante. Histórias singulares que a realidade e/ou a imaginação humana criam não faltam jamais, o que faz dos discursos bogdanovichianos algo um tanto retórico e datado.

Com algumas exceções, desde “Desejo e Reparação”/2007 de Joe Wright em que a reparação de um ato de consequências graves na juventude se dá na velhice no âmbito da ficção, pois não era possível na realidade, um filme de grande contador de histórias, uma das várias vertentes/veredas do Grande Cinema, não me tocava/fisgava tanto como “Incêndios”, fora do cinema asiático, que nesta “praia”, dentre outros, gerou os fantásticos “Mother”/2009 de Joon-ho Bong exibido no Rio o ano passado e “Poesia”/2010 de Lee Chang-dong a estrear logo mais.

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Sobre o Oscar

Li muitas críticas negativas ao Oscar de 2011 e sua transmissão. Muitas delas válidas. Um grande equívoco, por exemplo: não ter considerado “Ilha do Medo” de Scorsese em várias categorias como filme, ator, diretor, fotografia, roteiro adaptado, montagem, etc.

Mas num tempo em que há muitas pessoas que acreditam que podem ver um filme num celular ou algo que o valha em diminutas dimensões e há a indisposição de muita gente a sair de casa, viciados que estão em seus downloads, o Oscar passa a representar uma grande festa do Cinema Americano que ecoa por todo mundo e que nos faz lembrar o imenso prazer que é estar imerso na sala escura com a tela grande. Basta olhar nos jornais e ver a quantidade de filmes em cartaz de variadas qualidades que conseguiram boa repercussão/visibilidade graças ao Oscar e vão atrair, principalmente, os que não vão cair na gandaia neste carnaval.

A França tem o César, a Inglaterra o Bafta, a Espanha o Goya, a Itália o David de Donatello, a Europa o European Awards, etc. Pena que estes prêmios, por uma má cobertura das diferentes mídias, não tenham dimensão que rivalize com os pés do Oscar... Já o Brasil tem um grande prêmio onde se destaca o patrocinador (o que é contraprodutivo) e é realizado numa época em que já estamos com outros filmes brasileiros na cabeça e os filmes premiados não terão suas carreiras revalorizadas. Que esta festa do Cinema Brasileiro seja reavaliada, valorizada e feita numa época não tardia.

Graças à indicação de Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, “Incêndios” chegou ao circuito brasileiro, assim como chegará logo ”Em Um Mundo Melhor” de Susanne Bier, vencedor na categoria. Caso contrário, provavelmente, seriam apenas, no máximo, itens de festival para minorias cinéfilas. Algo análogo também aconteceu com o ótimo documentário “Trabalho Interno” (já comentado no Blog), vencedor na categoria e em cartaz.

Ps Só não incluí “Ilha do Medo” entre meus melhores de 2010 porque na época de lançamento não pude vê-lo por problemas de saúde. Quinta-feira o vi numa sessão lotada no CCBB-RJ na Mostra Melhores do Ano organizada pela Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro. Quem não o viu no cinema, não deve perdê-lo em DVD. Ou (o que fazer?) através de download.

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Nelson Rodrigues de Souza