quarta-feira, 17 de junho de 2009

Lutando Contra o Tempo e Intempéries





“Home” (França/2009) de Yann Arthus-Bertrand lançado mundialmente no Dia Internacional do Meio ambiente (5 de junho) tem imagens deslumbrantes ( ainda que algumas sejam aterradoras) filmadas em 54 países e em 120 locações diferentes. O título em português “Home- Nosso Planeta, Nossa Casa” evidencia o calcanhar de Aquiles do belíssimo e urgente projeto: o excesso de didatismo.

É enfatizado com sagacidade que em algumas poucas décadas o homem mexeu seriamente com um equilíbrio da natureza de 4 bilhões de anos, mas como já é tarde demais para ser pessimista, algumas soluções de ordem ecológica são apresentadas como casas com telhados que aproveitam energia solar, a extinção das forças armadas na Costa Rica e o emprego deste dinheiro para o reflorestamento de áreas antes devastadas, dentre outras alternativas.

Antes de serem apresentadas soluções no último seguimento do filme como lenitivos, depois de crescente angústia, somos confrontados com imagens de desmatamentos, cidades artificiais como Dubai nos Emirados Árabes construída de forma ecologicamente bastante precária, o desperdício de energia no sistema viário de Los Angeles entulhado de carros, o artificialismo de Las Vegas, a pobreza de Lagos na Nigéria, o uso de pesticidas em massa, a queima de florestas que liberam CO2 para a atmosfera aliada à emissão de gases dos automóveis, o que provoca o efeito estufa e acarreta, dentre outros males, o derretimento de calotas polares e ameaça elevar em poucos anos os oceanos em até 7 metros, rios que permanecem a maior parte do ano secos, gados confinados que consomem energia que poderia estar sendo empregada para mitigar fome de povos desvalidos, dentre outros desastres ecológicos.

Tudo nos é mostrado através de belíssimas angulações e num acúmulo de informações que é como se fosse uma sinfonia dos desatinos humanos que atingem as belezas da natureza que estavam em equilíbrio até que o homem passasse a intervir de uma forma inconseqüente.

O filme não quer terminar de forma pessimista e apresenta soluções ecológicas que estão sendo empregadas e se ficarmos “together” (uma ênfase que soa pueril mesmo que válida) podemos ampliar esforços e salvar o planeta, pois temos pouco tempo, mas ainda ele existe.

O que o filme não enfatiza é que os problemas ecológicos inegavelmente gravíssimos que assolam “nossa casa” são importantes demais para ficarem nas mãos só de ecologistas. Há que haver mudanças radicais de modelos políticos, de paradigmas religiosos que instigam povos à superpopulação como os dogmas oficiais católicos que são convites a nascimentos irresponsáveis (com o veto a controles de natalidade), os fundamentalismos islâmicos geradores de cegueira e pobreza, lutas contra corrupções intrincadas de corporações que agem apenas em função de seus interesses, principalmente os estamentos militares, dentre várias outras medidas que transcendem as benignas alternativas engenhosas meramente ecológicas. Por exemplo: agora se vive um grande impasse nos EUA, pois para que a economia global saia da crise os americanos precisam voltar a consumir mais, mas se isto acontecer vai aumentar os problemas ecológicos. Qual a saída?

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Em “Intrigas de Estado” (Inglaterra/EUA/2009) de Kevin Macdonald (de “O Último Rei da Escócia) o promissor congressista Stephen Collins (Ben Affleck) passa a ser suspeito da morte de uma assessora de quem era amante. O amigo jornalista Cal McCaffrey (Russell Crowe), repórter veterano do fictício Washington Globe, junto com a blogueira de política Della Frye (Rachel McAdams) sob a coordenação da editora Cameron Lynne (Helen Mirren) passa a investigar o caso e vai descobrindo ligações com interesses corporativos que envolvem políticos graúdos e privatização da segurança, sem nenhuma preocupação com as baixas de vidas que pode provocar, algo que estava sendo investigado por Stephen.

O filme trata de questões altamente pertinentes e atuais: o papel de um jornal impresso e seu futuro numa era que tende à hegemonia do jornalismo virtual, os comprometimentos de isenção de um jornalista quando estão envolvidos laços de amizade, os limites éticos para ações e métodos mais incisivos de investigação, as aparências que precisam ser sempre investigadas, pois num cipoal de interesses tendem a enganar mesmo, etc.

Com reviravoltas demais beirando a inverossimilhança e uma cena de ação numa garagem totalmente deslocada, condensando em pouco mais de duas horas o que era uma série da televisão britânica de seis horas, estes temas relevantes mencionados não são tratados com a profundidade que mereciam e conforme já se escreveu o filme deixa de ser o “Todos os Homens do Presidente” do século XXI. Mas o saldo de tudo ainda é positivo e trata-se de um filme que merece ser visto e não bastante esnobado nas bilheterias como aconteceu nos EUA.

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“Home”, com sua clareza e suas qualidades de concatenação de idéias, até certo ponto, pode servir como uma crítica a “Intrigas de Estado” em seus atropelos narrativos. Já este com sua captação de relações políticas e corporativas bem complexas pode ser uma crítica de uma ingenuidade que contagia “Home” principalmente nas soluções apresentadas.

Encarando-se estes dois filmes tão distintos como complementares podemos ter um quadro inquietante do mundo em que vivemos e do qual corremos o risco de sermos expulsos, se não houver mudanças profundas em várias direções, mas que sejam convergentes para realmente “descobrirmos onde o males nascem e destruir suas sementes”, criando formas mais humanas e viáveis de vida.

http://www.nemus.ufba.br/fotos/niger.jpg

http://www.hagah.com.br/rbs/image/6468636.jpg

http://www.becodocrime.net/porster%20stateofplay_01.jpg

http://www.cinemaemcena.com.br/filmes/5510/cinenews/stateofplay_02.jpg

Nelson Rodrigues de Souza

Um comentário:

  1. Parabens pelo comentário sobre Home, excelente comentário e excelente filme, que ficou pouco tempo em cartaz infelizmente.Deve ser usado como filme didatico em escolas e universidades.Vale lembrar que as filmagens foram todas aéreas, e como comentário adicional, é que várias empresas hoje estão se dedicando seriamente a causa da produção mais limpa, sendo que no país temos inúmeras empresas certificadas e ecologicamente corretas.As soluções não são "meramente engenhosas nas mãos de ecologistas", mas envolvem soluções de novas tecnologias que estão tambem nas mãos de equipes multidisciplinares, envolvendo administradores, economistas e engenheiros.No Estado de SP, por exemplo, o setor publico está muito envolvido com a questão das emissões de gases do efeito estufa e com a regulamentação dos limites de emissões veiculares.As coisas no Brasil andam muito lentamente, mas certamente estão melhorando.Veja ao trabalho da ABNT com a novas normas de avaliação de ciclo de vida dos produtos, por exemplo.Abraços e parabens,Elie

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