segunda-feira, 15 de junho de 2009

O Baile de Máscaras






“Fiz de mim o que não soube

E o que podia fazer de mim não o fiz.

O dominó que vesti estava errado.

Conheceram-me logo por quem não era e não o desmenti, e perdi-me.

Quando quis tirar a máscara,

Estava pegada à cara.

Quando a tirei e me vi no espelho,

Já tinha envelhecido.

Estava bêbado, já não conseguia vestir o dominó que não tinha tirado

Deitei fora a máscara e dormi no vestuário

Como um cão tolerado pela gerência

Por ser inofensivo

E vou escrever esta história para provar que sou sublime”

De Tabacaria, Álvaro de Campos- heterônimo de Fernando Pessoa.

Quando me formei Engenheiro já sabia que minha vocação era outra: Cinema, Teatro e Literatura. Por “trapaças da sorte”, eu que queria uma posição modesta na estrutura organizacional do meu trabalho, fui cada vez mais sendo obrigado a assumir maiores compromissos, incluindo chefia. Não podia perder o emprego e tive que utilizar máscara de engenheiro de elite com a qual não me sentia confortável para poder sobreviver (ser “Engenheiro do ITA” era o meu maior “pistolão” para poder sobreviver naquele ambiente de muitas tormentas). Não diria que a máscara tivesse se colado ao meu rosto de forma definitiva que não a pudesse tirar. Mas em muitos momentos era a sensação que tinha. O desfecho desta história foi violento e doloroso, mas não é o que será explorado aqui neste momento.

Ontem vi “O Zoológico de Vidro” de Tennessee Williams (“À Margem da Vida”, na antiga tradução) numa bela montagem de Ulisses Cruz, com admirável trabalho de Cássia Kiss, como a mãe Amanda, com um casamento falido, sendo que o marido a abandonou “para descobrir o que havia pelo outro lado das linhas telefônicas”, que quer exercer um supercontrole sobre os dois filhos e os asfixia. Tom trabalha num depósito mesquinho sem perspectivas, é arrimo da família e sai todas as noites alegando ir ao cinema. Com vontade de ser escritor, tem insinuada uma vida homossexual subterrânea com a qual a mãe foge de sintonizar para não quebrar a imagem idealizada do filho. Laura, supertímida, tem um problema na perna, anda de forma desajeitada e cultua os animais de vidro de sua cristaleira, conversando com eles, o único grande elo que consegue estabelecer com o mundo. Por grande insistência da mãe, Tom traz para jantar o colega de trabalho Jim para ser um possível namoro de Laura, o que redunda numa grande decepção. Desde o começo já sabemos através de um Tom narrador que ele abandonou a família e foi conhecer o mundo através da Marinha Mercante. Tom ainda tem culpas, mas conseguiu retirar a forte máscara de “bom filho salvador” que a família queria lhe pregar em seu rosto para que ele mitigasse o fracasso existencial de seus parentes. Ele é um forte alter-ego do próprio Tennessee e isto, com as liberdades da ficção, de certa forma explica as ácidas (e neste caso do “O Zoológico...” também terna) visões das famílias que o autor traça em suas grandes obras-primas, clássicos do teatro, sempre montados com grande atualidade.

Este ano comemora-se o centenário de Carmen Miranda. Uma das mais belas homenagens à grande artista é o CD e show “Balangandãs” de Ná Ozzetti, onde esta cantora sublime, ainda pouco divulgada no Rio de Janeiro, canta sucessos de Carmem, evocando-a sem imitá-la, mas com grande precisão técnica e ambiência emocional, com um Bando da Lua “modernizado” por um quarteto/quinteto de ases, formado por Dante Ozzetti, Mário Manga, Sérgio Reze, Zé Alexandre e participação especial de Danilo Moraes. Ná veste a máscara de Carmen, mas sem deixar de ser a Ná que conhecemos.

Num dos grandes documentários do Cinema Brasileiro que é “Banana is My Businnes” (Brasil/1995)de Helena Solberg todos os superlativos que Carmen merece vem à tona mas há momentos em que o filme adquire a coloração de um filme de terror: quando percebemos que a artista que colocou de uma forma linda e original bananas tropicais na cabeça, como símbolo maior de outros adornos, é obrigada por empresários americanos a não se desvencilhar mais desta imagem. Carmen tem uma máscara colada no rosto que passa a asfixiá-la. É obrigada a fazer shows na Broadway de um local para outro numa mesma noite, sem poder descansar, fica presa de psicotrópicos e numa roda viva onde também se intrometem desilusões amorosas acaba falecendo precoce e tragicamente. Faltou a ela coragem para dar um basta a tudo e seguir a vida como realmente desejasse como fez Greta Garbo ou numa forma mais branda, redimensionar sua carreira.

Em “Onibaba, a Mulher Diaba” (Japão/1964) uma das obras-primas de Kaneto Shindo, num contexto de camponeses que vivem em extrema miséria, no Japão do século XIV, cria-se uma armadilha em um buraco profundo onde pessoas são feitas prisioneiras e é aproveitado o que se pode por uma senhora e sua nora, cujo marido está na guerra. A nora foge periodicamente de casa, percorrendo belíssimas ramagens que balançam ao vento para encontrar um amante. A sogra para não perdê-la coloca uma máscara assustadora no rosto e sempre surge à sua frente para impedí-la de fugir dos seus domínios. Um dia ao voltar para casa a nora vê a sogra desesperada: a máscara grudou-lhe no rosto de uma forma potente que parece irremediável. O horror maior do filme está instalado.

Em “Persona” (Suécia/1966) de Ingmar Bergman, a enfermeira Alma ( Bibi Anderson) vai a uma casa de campo na praia cuidar da atriz Elizabeth (Liv Ullmann) que acabou perdendo a voz em pleno trabalho numa tragédia grega e acaba muitas vezes trocando de papel: a primeira que era “terapeuta” passa a ser “paciente”. As máscaras são trocadas e muitas vezes confundidas. Isto já aconteceu comigo em relação a um analista que tive que adoeceu bastante. Eu não queria abandoná-lo para não rebaixar sua auto-estima de profissional. Passei assim a ser um pouco “terapeuta” dele também. Hesitei muito em tomar uma atitude. Ele também apesar de eu ter colocado várias vezes esta questão. A história estava me fazendo mal e não acabou bem. O rompimento que poderia ter sido amigável foi brusco e surgiu um ressentimento que hoje, com a sabedoria do passar do tempo, está dissolvido.

É possível viver em sociedade sem máscaras? Quais são as máscaras aceitáveis e quais não são? Quais os limites? O que fazer quando não conseguimos mais tirar as máscaras que construímos?

Eu, Pessoa e seus heterônimos como Álvaro de Campos, Tom, Carmen, as mulheres de “Persona”, a senhora japonesa, o analista, temos aspectos em comum. Os encaminhamentos que demos às questões das fortes máscaras divergem. Como você está lidando com as suas máscaras? Ou você não as tem? Não acredito....

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLkDJKsQP0rVQPs1SmLhrY91lQEisx21b62TXiGM5lqSijohx_vsAmqxpSNK3eVdNaB0f9ptDjy6qm1k_l4FgLPV_wB2UMM08kh9hF941bhEI2rNcKuOoELgViCFc0bVBrMquJWSxyD-uJ/s400/carmem+imagem.jpg

http://www.fjsp.org.br/agenda/08_01_CCBB/onibaba_divulgacao.jpg

http://ultimasessao.zip.net/images/personanana.jpg

http://campodetrigocomcorvos.zip.net/images/poetapessoa.jpg

http://oglobo.globo.com/fotos/2009/01/14/14_MHG_cult_zoologico.jpg.

Nelson Rodrigues de Souza

6 comentários:

  1. Belo texto sobre as mascaras . Eu adoro Tenessee Willians e A margem da vida ou o zoologico de vidro ,uma tradução mais fiel ao titulo original inglês é depois de Um bonde chamado desejo uma das minha peça preferidas dele . Eu li uma vez que ele trabalho numa fabrica de sapato e que isso foi fundamental pra formar o grande autor que ele foi . Tudo o que ele conseguiu captar e todos os personagens que eles conheceu nesse periodo. Li tb que Laurence Oliver trabalhou um tempo na bilheteria do metrô e muito dos personagens que ele interpretou eu tirou das pessoas que ele conheceu nesta epoca . Eu acho que a grande sabedoria é saber usar as mascaras e não se deixar sufocar por ela e saber a hora de tira-la . Como dizia a Elis " Viver é melhor que sonhar " ,mas é preciso se ter sonhos . O problema é que muitas pessoas se perdem nesta mascara e não sabem mais o que é mascara e o que é real.

    Josué Silverio

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  2. Concordo plenamente com teu comentário à respeito da Na Ozetti.
    Numa época de tantas cantoras "ecléticas" sem identidade, ouve-se Ná Ozetti e identifica-se um refinamento e uma inteligência rara.

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  3. bbskrvdaaaaaaaaaquesacoqeuaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaac

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  4. v fekfjbqjlá´´aáááa´´a´faringe tem certeza nao quero me revelar assindo anonimo !!!!!!!!!!!!!

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  5. om, eu acho que devia ensin a fazer as mascaras e tbm falar sobre elas mas tbm ensinar a fazr uma oa mascara !!!:)

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  6. aeiou abc do abcdalio dr
    aw is and my dog
    desculpa eu paro por aui xau eu voutaeiiiiiii !!!

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