sábado, 24 de janeiro de 2009

Victor Giudice e o Cinema Brasileiro


Tive o grande privilégio de ser aluno do escritor Victor Giudice (1934-1997) no Estação das Letras dirigido pela incansável e amável Suzana Vargas, num curso de criação literária. Já os conhecia como organizadores das “Rodas de Leitura” do CCBB, um evento notável que se perdeu por desatino e desatenção da diretoria do Centro Cultural.

As “Rodas de Leitura” faziam com que autores das mais variadas falanges lessem uma parte selecionada de suas obras (tive o enorme prazer e emoção de assistir Jorge Amado lendo um trecho de “Tenda dos Milagres”, dentre outros grandes deslumbramentos) sendo que a platéia acompanhava a leitura através de uma cópia do texto. Ao final abria-se espaço para perguntas e debates que eram sempre interessantes e estimulantes. Lamentavelmente esta idéia simples, mas fundamental, de contacto entre escritores dos mais variados estilos e gêneros com o público (sem precisarmos ir à FLIP...) acabou. Merece voltar urgentemente! Toda semana!Como era em seus primórdios.

Foi com bastante proveito que fiz o curso com Giudice e tive o orgulho de vê-lo ler espantado pela sua contundência dois textos meus, mesmo que não os considerasse grandes contos. Um dos maiores contistas que o país já teve, Giudice era bastante conhecido no Rio e pouco citado em São Paulo. Sua obra se passa de modo geral numa mitológica São Cristóvão que já não existe mais. Curiosamente ganhou o prêmio da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) com o fundamental “Salvador Janta no Lamas”, que recebeu prefácio do crítico Carlos Alberto de Mattos, ressaltando a alta voltagem cinematográfica de todos os contos. Isto acontece com outras obras dele, também essenciais, obras que de um modo brasileiro lembram Jorge Luis Borges e Júlio Cortázar: “Os Banheiros”, “O Museu Darbot e outros mistérios”, “Necrológio”, “O Sétimo Punhal (esta uma novela), etc.

Victor era bastante crítico dos roteiros do cinema brasileiro. Não suportava a versão tropicalista de “O Alienista” de Nelson Pereira dos Santos, “Azyllo Muito Louco” (“Matou Machado de Assis!”). Um diálogo entre amantes ao telefone de “Faca de Dois Gumes” o incomodava especialmente pelo que considerava uma grossura e inverossimilhança. Ele se referia ao Cinema Brasileiro como o C.B. Chegava ao requinte de destacar uma grande cena de “Proposta Indecente” para mostrar a vulgaridade com que o C.B. a faria. Este lado de Victor eu não gostava e não concordava, pois os defeitos que ele apontava não eram fortes ou nem eram defeitos.

Hoje entendo mais sua birra com o Cinema Brasileiro. Dada a alta voltagem cinematográfica de suas obras, claro que ele deveria ter visto em vida algumas adaptações de trabalhos seus para o cinema, como aconteceu com Rubem Fonseca. O que não ocorreu lamentavelmente. E deveria ainda acontecer!O conto que dá título a “Salvador Janta no Lamas” é puro Roman Polanski em seus grandes ensaios sobre a paranóia, por exemplo. Quem sabe alguns cineastas e produtores descubram o potencial para filmes de suas obras e lhes façam justiça, ainda que póstuma.

Victor era uma criatura humana extraordinária, muito generoso e fazia suas críticas num misto de bom humor e indignação que o tornava único, inconfundível. Para quem quiser saber mais sobre ele mergulhe em suas obras e leia o site http://www.victorgiudice.com/home.html que vale a pena.

Sem entrar no mérito de valores, sempre fiquei intrigado e chateado ao observar que na Folha Ilustrada e no Caderno Mais!, qualquer novidade de Haroldo e Augusto de Campos era ressaltada e eu nunca consegui ler nada sobre Victor naqueles espaços.

Assim não é o só o Cinema Brasileiro que está em dívida com ele, mas a Folha de São Paulo também. Torço para que estas injustiças com um autor tão genial, com vasta erudição (organizava sessões comentadas de Ópera no CCBB, dentre outras atividades) sejam corrigidas.

Em suas aulas Giudice enfatizava a força que a primeira frase deveria ter e que as histórias sempre tinham que ter um momento de transcendência, algo que sempre se observava em suas obras. O conto “O Museu Darbot” merece ser estudado por todos os envolvidos em artes plásticas no Brasil. É de uma ironia devastadora. Sintoniza de forma bem humorada com o trabalho desmistificador necessário que Affonso Romano de Sant'Anna vem fazendo nesta área, questionamentos saudáveis.

Termino este post na esperança de que a obra deste grande mestre seja revalorizada e que eu contribua dentro de meus limites para isto. Como uma provocação a meu querido professor (que teve um fim triste do qual pouparei detalhes aos leitores, só enfatizando que é o retrato do descaso brasileiro com o poder aquisitivo dos idosos neste país.) por gostar muito de “Faca de Dois Gumes” de Murilo Salles, revelo a vocês que no conto “A Música Ruidosa do Medo” enviado num post anterior, que agradou Giudice, eu de uma forma carinhosamente sacana, fiz referência de propósito no desfecho, de uma outra forma, à fala que Victor tanto abominava por achá-la irreal e vulgar ( “vem cá minha putinha”). Eu não achava. Daí meu procedimento antropofágico que ele deve ter percebido e de forma alguma o incomodou pois era de seu temperamento ser bastante sincero. Deve ter rido interiormente.

Ah sim! Kafka é outra das grandes influências de Giudice. À leitura dele pois. Eu ainda me devo a leitura de seu único romance, “Bolero”, o que não fiz, tão encantado estava como leitor atento de seus contos maravilhosos e sempre intrigantes. Puro cinema., grande força literária.Experimentem.

Com sua morte perdi um pai cultural, um ícone que havia encontrado. É uma das grandes perdas de minha vida. Daí a ênfase aqui no culto à sua memória, feito com muitas saudades.
Nelson Rodrigues de Souza

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Cinefilia, Uma Patologia do Colecionador?


Quando fui fazer psicanálise lacaniana pela primeira vez, aturdido pelo governo Collor que ia entrar e por questões também pessoais de ordem profissional, amorosa e religiosa, disse logo que era um cinéfilo. O analista imediatamente falou: “Aqui nada de Glauber Rocha! Tem de ser bem Walt Disney!”. Assim fui me abrindo e perguntei o que era melhor, deitar no divã ou sentar de frente para o analista, como muitos faziam. Como deduzi, deitar no divã era melhor, pois a troca de olhares poderia interferir no discurso dos dois, o que também acontece nos documentários, mesmo aqueles mais complexos e fascinantes como os de Eduardo Coutinho.

Quando minhas sofisticadas incursões cinematográficas estavam sendo cada vez maiores, mas questões pessoais estavam estacionadas ou proteladas, o analista comentou: “o cinema é como uma travessa de arroz doce; comer alguns pratinhos é delicioso, mas comer a travessa inteira enjoa e faz mal.” Nunca mais esqueci esta simples metáfora. Isto não quer dizer que tenha me regenerado totalmente desde então.

Muitos cinéfilos vão ao cinema numa síndrome “A Rosa Púrpura do Cairo”, ou seja, por fuga. Claro que é melhor esta “droga” mais leve (ou menos pesada) do que outras. Afinal angústia contínua leva à depressão e esta continuada leva à demência. Se o cinema com seus dramas, comédias, tragédias, tragicomédias, aventuras, etc....nos tirar desta angústia existencial, ótimo. Mas no fundo acredito que estamos agindo tal e qual Cecília que ao final do filme de Woody Allen, voltando tudo à estaca zero, sem conseguir dar um fim ao seu casamento falido, volta para o cinema para ver o mesmo filme, num final que é quase que de um filme de terror, mesmo com Mia Farrow transitando da melancolia ao sorriso. Nós cinéfilos podemos dizer que somos bem diferentes de Cecília, pois vemos filmes os mais variados, muitos nada água com açúcar, muito pelo contrário. Mas será que somos tão diferentes assim? Tenho receio que não. Desconfio muito de quem diz que viu mais de 200 filmes juntando os festivais do Rio e São Paulo, por exemplo. Será que viram mesmo ou foi apenas uma cascata de imagens que passaram pelos olhos e se constituíram em lenitivos fáceis para questões que não se quer enfrentar?

Assim procuro hoje controlar mais meus impulsos de ir ao cinema. Prefiro conversar por telefone com os amigos, me encontrar com eles, me dar conta de como anda minha vida amorosa e fazer então tudo para não virar um monge no que a isto diz respeito, procurando, tentando ter vida afetiva e/ou sexual. Nada de sublimação com o cinema! Já fiz muito isto em minha vida. Principalmente quando vivi da adolescência para a vida adulta. Sublimação que foi encorpada por estudos pesados de Engenharia. Agora prefiro me voltar à escrita, com todas minhas limitações (algo que sempre me atraiu), ouvir muita música e me dedicar a outras formas de arte, sem me desligar das coisas que acontecem no mundo. Leio três jornais por dia. De jornais televisivos não gosto muito, pois me aturdem com a sem-cerimônia com que passam do trágico, do relevante para o banal e vice-versa. E me dei até ao luxo ultimamente de dar um tempo no cinema e assistir três semanas seguidas, siderado com os ganchos dramáticos, os embates de “A Favorita”, esticando para a minissérie “Maysa-Quando Fala ao Coração”, que vi em boa parte com prazer apesar de todas as limitações tatibitates do texto.

Isto tudo está ficando com cara de receita de bem viver? Pelo amor de Deus! Não é esta minha intenção. Apenas é um relato de como encaro esta questão da cinefilia, o que pode encontrar ecos por aí, com pontos de contacto ou de oposição.

Gosto muito de rever filmes. Muitas vezes descarto novos filmes e revejo alguns que de uma forma ou outra me intrigaram bastante, seja no cinema mesmo ou em DVD. D. H. Lawrence escreveu que era melhor ler poucos livros bem lidos do que ler muitos superficialmente. Se já faço isto em Literatura, passei a adotar este princípio também para o Cinema, dentro de certos limites.

Uma analista lacaniana que tive depois foi mais cruel comigo: “Para que ver tantos filmes assim? O diretor deu o seu recado, está se arriscando... E você que risco está correndo? Mais do mesmo!”.

Por razões que não vou contar aqui por ora, minhas sessões com estas duas pessoas não terminaram bem. Se um casal se desgasta, o mesmo acontece em relações psicanalíticas e estas têm de ter um fim. Meu caso com o analista terminou como um grande filme de Bergman. ”Persona” perde!

Apesar destas rupturas dolorosas, foram duas pessoas que ajudaram a me estruturar, me compreender melhor e me transformaram certamente numa pessoa mais lúcida em sua “loucura particular”. Atualmente estou envolvido em outras terapias. Acredito que minha cota de tributo ao legado de Lacan tenha já terminado.

Não estou aqui recomendando aos leitores cinéfilos que façam psicanálise ou outras terapias, mas apenas desejando que empreguem os conhecimentos adquiridos através dos filmes, das artes em geral e da vivência para observarem mais a si mesmos e aos outros. Nos cinemas durante o ano e nos festivais encontramos muita gente bacana, mas tudo é muito corrido, pois o filme visto tem de ser sobreposto por outro filme ou outro espetáculo e o que poderia ser uma conversa aprazível, generosa e pródiga acaba sendo apenas uma faísca de novidades voláteis e dicas instantâneas.

Para construir meu blog e conseguir dar um tom diferente a ele (o que acredito tenho conseguido) li muitos blogs de cinema, como também os sites eletrônicos da área. Muitos são imperdíveis para o cinéfilo que quer refletir sobre o que viu ou verá. Mas dificilmente conheço pessoas que comentam estes blogs e sites, como também não vejo comentários postados delas. Um dos comentaristas assíduos do Blog do Zanin, mora num local onde filmes comentados pouco chegam. Ele os vê em DVD, quando consegue. Já pessoas privilegiadas que conheço se omitem.

Fui criado numa família que defino como “classe pobre alta” de Mogi das Cruzes, interior de São Paulo. Nunca me faltou nada em casa. Mas meu pai era um tanto rígido. Por um bom tempo não me dava dinheiro para as matinês. Não achava que fosse importante. Mas “a gente não quer só comida e água, quer diversão, arte e saída pra qualquer parte”....Cresci vendo outras crianças voltando do cinema e contando filmes que se agigantavam na minha imaginação. Claro que algumas matinês eu peguei. Não tive uma educação tão espartana assim. Mas senti no Nelson adulto compulsivo que ia ao cinema depois que se tornou independente, uma forma de compensar o cinema perdido na infância. Mesmo me dando conta disso, creio que continuei indo bastante ao cinema para provar a mim mesmo que não estava excluído deste mundo que tanto amava e que as carências da infância haviam passado, num jogo que beira o auto-engano, pois no inconsciente não estava havendo esta superação de fato. Hoje controlo mais meus impulsos cinéfilos. Não posso ser escravo da infância depois de um cinqüentenário.

Claro que a paixão pelo cinema também contém fantasias eróticas que clamam por serem satisfeitas. E quem teria o direito de jogar pedras nelas? Quando não estou gostando de um filme, para não me aborrecer indo embora, navego na beleza dos atores e atrizes, mais dos atores que atrizes, evidentemente.

Se estou sendo injusto em detectar aqui certa “patologia do colecionador” que permeia a vida dos cinéfilos, comentem aqui os meus furos. Só espero que num gesto de fuga, após ler esta postagem, vocês não saiam correndo para assistir a um próximo filme...

Nelson Rodrigues de Souza.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Falta transparência em Guantánamo


Em “Caminho para Guantánamo” (Inglaterra/2006) de Michael Winterbottom, profícuo, irregular,versátil e incansável diretor inglês, fomos defrontados com todo horror desta prisão. O filme, que é bom, padece um pouco com o conformismo em criar imagens bastante fortes. Precisava ir além disto. Mas é um documento histórico apreciável.

Leio em O Globo de hoje as primeiras medidas governamentais de Barack Obama. Gostei bastante delas de modo geral, mas uma me desagradou profundamente:

“Determinação do fechamento da prisão de Guantánamo em um ano, mandando suspender os julgamentos por 120 dias”.

Gente, fechamento em um ano? Tinha que ser fechada totalmente imediatamente! Do jeito que está sendo conduzido há margem para queima de arquivos, continuidade de torturas no período de um ano, o que é uma lástima, pois os transgressores canalhas dos direitos humanos direta ou indiretamente têm de ser identificados, detidos e julgados. Ou não?

As medidas de transparência de seu governo são ótimas, mas Obama não teve coragem e força de aplicá-las em Guantánamo...

Nelson Rodrigues de Souza

Essa Mulher, Vera Drake


"Vera Drake (magnificamente interpretada por Imelda Staunton, premiada com a Copa Volpi de melhor atriz em Veneza) pratica o bem sem olhar a quem ou receber qualquer tipo de recompensa financeira.É a imagem da ingenuidade e da bondade vestida em um avental sujo de ovo, fadada a sucumbir sob o peso da truculência das instituições."
Carlos Heli de Almeida –J.B.- Revista Programa, de 3 a 9 de junho de 2005

Essa mulher "de celulóide", que fora do seu trabalho como faxineira, dos cuidados com a mãe já bem velha e a lida com os afazeres domésticos, cuidando do marido e dois filhos, dedica seu tempo restante, sem que a família saiba, durante anos, a fazer abortos clandestinos em mulheres sem a menor condição de arcarem com a responsabilidade de terem filhos (longe dos ricos que compram a cumplicidade de médicos para fazerem esse ato); essa mulher que depois de presa, se entrega totalmente assumindo todas "as culpas" que lhe imputam, deixando um vazio incomensurável na família; essa mulher que era enganada por uma falsa amiga que lhe apresentava mulheres necessitadas de aborto, cobrando sorrateiramente umas libras esterlinas, as quais Vera jamais almejou;....enfim essa mulher (construída esplendidamente pelo diretor Mike Leigh e por Imelda, um personagem já antológico como Cabíria de Giulieta Masina/Fellini, Dora de Fernanda Montenegro/Walter Salles, Adele H. de Isabelle Adjani/Truffaut ,dentre várias) tem uma dignidade que é cada vez mais escassa no mundo de hoje, principalmente, para ficarmos só na Inglaterra, onde Mike concentra a ação de seu filme, quando se compara sua integridade com um poderoso da época em que o filme foi feito como Tony "Atire Primeiro, Pergunte Depois" Blair....

Ainda que em "O Segredo de Vera Drake"(Inglaterra/2004) haja aqui e ali, certo esquematismo ( tornando o filme um tanto previsível e simplificando um pouco uma questão delicada como o aborto, uma decisão de foro íntimo em que ninguém pode legislar negativamente sobre esse direito da mulher, dado que não se impõe fé religiosa a ninguém), ainda que o filme não seja extraordinário, é uma obra obrigatória pois a personagem Vera Drake é uma das criaturas mais comoventes que as telas de cinema já nos mostraram.

A estupefação inicial do marido de Vera e depois sua solidariedade; a rejeição do filho e depois sua aceitação da mãe "delituosa"; o futuro genro que mesmo num Natal tristíssimo, o último antes de Vera ser presa, declara que "este é o melhor Natal que já passei na minha vida" e não está mentindo; o carinho da relação de Vera e seu marido; o semblante atônito de Vera, que está à mesa com familiares comemorando o futuro casamento da filha, ao receber a visita da polícia; a filha tímida que curva ainda mais o corpo depois que se depara com o aflitivo destino da mãe; a revolta da cunhada por não conseguir passar um Natal só, com o marido abastado e que não perdoa Vera por sua "nefasta" atividade; etc., tudo compõe um mosaico de sentimentos que Mike Leigh, generoso, paciente, meticuloso diretor de atores orquestra, algo que faz a grandeza do filme, ainda que este não atinja o status de obra-prima de seu "Segredos e Mentiras".

Pasolini, este artista mais do que libertário (quem duvidar que veja, dentre tantos, o sublime “Teorema”) comprou uma briga feia com as feministas italianas por se mostrar contra o aborto. Para ele que era um homem do sagrado&profano, longe de qualquer ranço democrata cristão, o que odiava, o aborto é conseqüência do fato do ser humano e suas sociedades não discutirem a sexualidade humana em todas as suas manifestações, com toda clareza, sem nenhum pudor e hipocrisia, o que, por exemplo, a Igreja Católica até hoje, ainda impede com todas as suas forças e meios. Para Pasolini em sociedades onde tais discussões se travassem a gravidez indesejada não ocorreria.

A posição de Pasolini é respeitável, mas tem se mostrado utópica. A Igreja Católica com a eleição de Bento XVI, na melhor das hipóteses andou ainda mais para trás, os fundamentalismos religiosos grassam por toda parte e Mike Leigh está coberto de razões em trazer o tema à tona. Seu filme ganhou o Leão de Ouro de Veneza de 2004, mas tinha sido rejeitado no Festival de Cannes do mesmo ano, o que mostra o quanto o tema incomoda e há uma crise de critérios de avaliação.

Com relação à eutanásia, Alejandro Amenábar junto com o estupendo Javier Barden interpretando Ramon Sampedro ( tetraplégico que lutou durante anos para ter o seu direito a uma morte com dignidade, dado que não considerava mais sua vida digna), num nível superior ao de Leigh, com transbordante poesia verbal e visual e uma galeria de personagens fascinantes, também toca num tema espinhoso, que o autoritarismo das sociedades faz com que seres humanos sejam jogados numa encruzilhada, justamente por quererem exercer seu livre-arbítrio. E nunca é demais repetir: ninguém pode impor religiosidade de qualquer seita a ninguém.

Em “Um Assunto de Mulheres”, Claude Chabrol também trata do tema do aborto, mas com um foco bastante diverso de Mike: Isabelle Huppert (mais uma vez com desempenho irretocável ) interpreta uma mulher que tendo seu marido lutando na guerra, se vê obrigada, para sobreviver, a fazer abortos. Isto ela faz com naturalidade, mas sem deixar de carregar certa raiva interna, ao contrário de Vera Drake que sente prazer em ajudar o próximo. A aborteira de Chabrol é presa, condenada à morte e antes do fim, numa das mais impactantes seqüências do Cinema, reza uma Ave Maria negra, trocando bendito fruto por maldito fruto, dentre outras heresias. Chabrol é extremamente fiel à persona da criatura que criou, assim com Leigh ao nos mostrar uma Vera assustada com o que acaba lhe acontecendo mas estóica, firme, uma figura heróica, ao seu modo uma santa profana.

Com iluminação sombria, “O Segredo de Vera Drake”, apesar da solidão, do vazio da família já sem Vera na última cena, é um filme que paradoxalmente ao impasse construído, nos traz luz, muita luz: aquela que irradia dos olhos de Vera ao sentir que está ajudando as pessoas em situações aflitivas. Pode-se contra-argumentar que de boas intenções o inferno está cheio, mas aqui nesse nosso inferno terrestre, de más intenções já estamos muito mais atolados até o pescoço e Deus parece, está esgotado, se cansando do drama de todos nós, como o personagem de “Deus é Brasileiro” de Cacá Diegues, vivido com maestria por Antônio Fagundes, perfeito ao conjugar enfado, sabedoria, tolerância, impaciência, preguiça e outros sentimentos humanos e divinos contraditórios. Enfim, se de Deus temos especulações, sentimos sua fumaça e deduzimos que há seu fogo, com relação a Vera há uma certeza: é realmente divina.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

O "Rosebud" de Cada Um


Quando vi “Cidadão Kane” (EUA/ 1941) com atenção pela primeira vez já tinha visto muitos filmes. Assim o que era revolucionário em termos de inovações formais (a profundidade de campo, os movimentos de câmera ousados, a condensação de vários tempos em uma única seqüência onde se testemunha a deterioração das relações humanas, o documental que se infiltra na ficção, etc...), enfim muitos aspectos inovadores desta obra-prima de Orson Welles eu já tinha visto em outras obras. Claro que sem a mesma potência. Só “O Ano Passado em Marienbad” e “Hiroshima Mon Amour” de Alain Resnais superariam pra mim a grandeza de “Cidadão Kane” com relação à ousadia formal, mas isto não é o que mais me arrebata no filme, obra que revolucionou o cinema e já apareceu em todas as listas mais empenhadas como o melhor filme da História do Cinema. Algo que hoje é questionado. Mas o que não se questiona hoje?

Por que ressalto estas questões? Porque o que mais me impressionou e me tocou em “Cidadão Kane” é o tema da vocação do ser humano, que perpassa o filme o tempo todo e fica mais claro quando descobrimos que o trenó da infância chamado Rosebud, que é queimado, era aquilo de que mais o protagonista Charles Foster Kane tinha nostalgia e saudades. O magnata da imprensa, político fracassado, homem de relações conflituosas com suas mulheres (sendo que com uma delas tentou impor ao mundo uma carreira fake como cantora de ópera), este homem que exerceu muitos poderes, a rigor, era uma pessoa não vocacionada para o poder. Ele foi impelido a buscá-lo. Foram circunstâncias alheias à sua vontade que acabaram mudando e moldando seu destino, ao receber uma herança e o que chamam de boa educação, mas tendo de ficar longe de sua família e de seu trenó....

Este tema da vocação sempre me perseguiu também. Daí minha, nem tão modesta assim, identificação com o drama vivido por Charles Foster Kane. Atualmente este tema é cada vez mais importante e o filme afirma sua grandeza, mesmo que a estética trabalhada não impressione tanto depois de milhares de filmes sonoros que vieram depois.

Por que este tema é atualíssimo? Porque vivemos num mundo e num país em que não há mais escuta para o que deveria ser a vocação de cada ser humano. Poucos acabam fazendo realmente aquilo pelo qual tem paixão. Como ganhar dinheiro se transformou num fim, não num meio, há muita gente por aí que nem questiona mais se a atividade em que está trabalhando, formal ou informal, realmente é aquela que lhe daria mais prazer e felicidade. Por exemplo: o número de pessoas que procuram estudar ciência da computação, num nível menor ou mais elevado, é impressionante. O pior é que muitos estudarão o que não gostam profundamente e o mercado cruel é capaz de não lhes absorver, pois até mesmo esta área está tendendo à saturação.

O Brasil num aspecto (façamos justiça...), depois da eras FHC/Luis Inácio está cada vez mais moderno com certeza....O que encontramos por aí de motoristas de táxi que são advogados, engenheiros, administradores de empresa, arquitetos, etc....é impressionante!....Não é um luxo??? Outro dia olhei para um taxista e nos reconhecemos mutuamente. Ele, bastante sem graça, lembrou que era um dos subgerentes da agência do Itaú com a qual lido e que por questões de salário deficiente tem de fazer uns bicos semanalmente no trânsito para sobreviver, pagando pensão à ex-mulher e ajudando uma mãe com rala aposentadoria. Detalhe: o Itaú que agora comprou o Unibanco faz parte de um dos setores que mais teve ganhos nos últimos anos com a elevada taxa de juros...

Quantos de nós estamos também sofrendo pelo Rosebud perdido? O pior são aqueles que quando se derem conta disto será tarde demais e só lhes restará derrubar o globo de vidro no chão e balbuciar “Rosebud”, como último suspiro, conforme faz o Cidadão Kane.

O “idiota da objetividade”, criação de Nelson Rodrigues, aquela criatura que só acredita piamente nos dogmas da ciência tem sérios motivos para não gostar em parte de “Cidadão Kane” e considerar que a obra tem um sério erro de lógica no roteiro.

Senão vejamos: o filme é todo estruturado nas buscas que um jornalista faz para entender porque Charles teria dito “Rosebud”. Afinal qual o sentido desta palavra? Que força simbólica ela teria? A questão é que vemos numa das seqüencias iniciais Charles na cama derrubando o globo no chão ritualisticamente, espatifando-o e dizendo “Rosebud” sem que haja uma testemunha sequer! Quando a empregada entra no quarto, isto já foi dito...Se ninguém testemunhou o que o protagonista disse no leito de morte, como isto é um motivo de pesquisa para o jornalista?

O crítico Luiz Nazário que levantou esta questão nos dá a chave estética e emocional para compreendermos este “erro de lógica” que escandaliza o personagem rodrigueano: nós espectadores ouvimos o que o Cidadão Kane disse como última palavra e isto é feito de uma forma sensorial tão forte, com o globo contendo a casa de infância, que basta. Somos imediatamente tomados pela magia/energia desta palavra! Assim acreditamos cinematograficamente na busca do jornalista na sua decifração. Que ninguém saberá a resposta sobre o que é Rosebud, só nos espectadores, é mais um dos grandes sortilégios da História do Cinema que o filme traz. Que este mistério resolvido pra nós esteja associado com este tema crucial da condição humana que é a realização de nossas vocações, sem que sejamos levados pela roda-viva “que carrega o destino pra lá”, desprezando nossa “voz ativa que quer no destino mandar” é muito comovente. Assim mais do que todas as inovações estéticas de “Cidadão Kane”, o que mais me desnorteia na obra é esta aflição, esta angústia da vocação perdida, que consumiu a vida de Charles Foster Kane e se bobearmos pode consumir a nossa.

Nelson Rodrigues de Souza

A Música Ruidosa do Medo- Um Conto Inédito


Ficar em casa sábado à noite, ouvindo música ao sabor das afinidades eletivas, é o paraíso e, no entanto, Marcelo Camargo não resistiu à idéia de sair, em busca de acasos felizes. A boate em Copacabana que freqüentava certamente o aturdia com o bate-estaca incessante de impiedosos DJs. A fantasia renovada de um imperdível grande encontro o movia, apesar de a memória reter várias noites perdidas, em que nem havia sido contagiado pelo som pop e caído na dança sob os estroboscópicos refletores, nem vencera o jogo eterno reinante de caras e bocas, em busca de um obscuro objeto do desejo, vislumbrado, a rigor, apenas nos filmes apoiados no glamour de astros e estrelas. Um desafio adicional se impunha: resistir ao canto de sereias fáceis capazes de colocar soníferos em sua bebida, o que otimizaria possíveis pilhagens a domicilio, dentre outras perversidades.

Marcelo entrou no 212 na Praia do Flamengo com destino ao ponto final em Copacabana, escolheu um lugar mais asseado que não lhe prejudicasse os cuidados que tivera ao vestir-se e evitou lamentar a falta que o carro roubado lhe fazia. Era 23:30 e a condução não estava cheia. A expectativa de uma longa noite de aventuras o animava a vencer o desconforto. Quando dois policiais entraram no ônibus, vencido o Túnel Novo, Marcelo quase se arrependeu de ter sido pão-duro e não ter pegado um táxi. Lembrou-se das economias que fazia para completar o que o seguro lhe pagou, imaginou-se dentro de um carro zerinho e acalmou-se.

Quando o 212 chegou à Rua Raul Pompéia, próxima ao ponto final e da boate, os guardas perceberam um assalto no ônibus em frente. “Motorista, segue este ônibus!” – ordenou um deles. Os oito passageiros deitaram no chão, atrás dos bancos. A rádio-patrulha improvisada passou a perseguir o veículo; o motorista dividiu-se entre o terror e o orgulho pela missão; os guardas, de armas em punho, ajoelhados na frente do ônibus, miraram assaltantes que se confundiam com usuários. Na cabeça dos afoitos patrulheiros assomaram imagens de Velocidade Máxima 1, Máquina Mortífera, Robocop e O Exterminador do Futuro 1 e 2, Duro de Matar 1, 2 , 3 , Rambo 1, 2, 3 e 4, Desejo de Matar 1, 2, 3, 4 e 5... Mas as emoções da vida real os faziam confundir as façanhas de Keanu Reaves, Mel Gibson, Bruce Willis, Stallone, Schwarzeneggger e Charles Bronson. Agora não importava os mestres, importava saber aplicar as lições aprendidas através de histórias contadas num ritmo eficiente e vertiginoso. Os passageiros, figurantes involuntários, conformados com o risco e a fragilidade das divisórias-anteparo, rezaram com angustiada devoção o que suas igrejas lhes ensinaram e fizeram uma rápida e urgente contabilidade para saberem se haviam pagado todas as prestações para um cantinho junto a Deus.

Marcelo Camargo, sentindo nojo da roupa amassada e suja, descobrindo-se sem certeza de ser aceito do lado de lá (Dante reservou-lhe um dos círculos mais profundos do Inferno), preferindo morrer, se for o caso, nos braços de um anjo exterminador com seus ardis do que num vulgar chão imundo de um sórdido veículo, levantou-se e resolveu agir com o poder das palavras, sua única e última arma, gritando, encarando os guardas:

- Seus filhos da puta! Os senhores não têm o direito de arriscar as nossas vidas, são uns irresponsáveis! Eu quero descer! Eu quero descer! Eu quero descer!

Um dos guardas olhou Marcelo de cima até embaixo, apontou-lhe a arma, mandou calar-se. Marcelo e o guarda se encararam com ódio mútuo e infinito. O passaporte para o outro lado não seria dado nem pelo anjo, nem por assaltantes armados, mas por um clone gestado pelo choque cultural entre uma suposta vida das telas e o brasilian-way-of-death. Marcelo enquanto recebia os raios raivosos que cintilavam dos olhos do policial, não sabia se esperava a morte gritando ou em um respeitoso silêncio. O outro guarda o salvou do impasse. Sentindo uma acutilante solidão, vendo o companheiro distraído com um inimigo menor, gritou-lhe para que olhasse para frente e ordenou ao motorista que parasse. Os figurantes desceram na Praça General Osório em Ipanema, transcorridos quatro intermináveis minutos de filme desde a seqüência do vislumbre do assalto. A viatura seguiu em frente na sua missão e ficou no ar, entre passageiros aturdidos, limpando as roupas como era possível, examinando Marcelo com olhares gratos e desconfiados, a idéia de que sempre pode surgir um chato para lembrar que a vida é um pouquinho diferente do que se vê com freqüência nas telas.

Marcelo tomou um táxi direto para casa e menos um astro brilhou na dança da solidão, naquela boate, na madrugada de domingo. Ao chegar teve o impulso de fazer uma ligação erótica, ouviu um desconhecido repetir algumas vezes “vem cá meu putinho” e foi dormir, experimentando um gosto estranho de herói anônimo, sentindo-se um sobrevivente resgatado de um mar de fantasias precárias.

Nelson Rodrigues de Souza

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Respeito Muito Minhas Lágrimas


A gente pensa o que sente ou sente o que pensa? Parece um pergunta boba, mas não é. Eu pelo menos prefiro sempre pensar o que sinto. Acredito que as emoções, os sentimentos chegam por um misterioso atalho, antes que os pensamentos se formem. Desta forma os filmes que me emocionam, sutil ou desbragadamente têm minha grande admiração. Não que não chegue a admirar obras mais intelectuais solidamente construídas (como o maravilhoso “O Ano Passado em Marienbad” de Alain Resnais), mas lido no campo das artes com outras veredas também.

“Cazuza- O Tempo Não Para” (Brasil/ 2004) de Sandra Werneck se eu disser que não gostei muito estarei mentindo. Por mais que detectasse omissões fundamentais ( descartou-se a importância que Ney Matogrosso teve na vida e na carreira de Cazuza; Maria Zilda é colocada como uma coadjuvante sem maiores expressões) nunca chorei tanto num filme! Foi sem exagero: do começo ao fim! A magia de estar assistindo a uma interpretação mediúnica de Daniel de Oliveira (fantástico!) e o pulso narrativo, sem quedas, me mantiveram ligado o tempo todo no filme, sem tréguas para as emoções deixarem de ser transbordantes.

Caetano Veloso escreveu que o filme era um grande musical do Cinema Brasileiro, gênero desprezado no país. Não chego a tanto. Acredito que quando derem chances à incansável dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho, de tanto espetáculos sensacionais no Teatro (como o despojado, comovente e imperdível “Beatles Num Céu de Diamantes”), de trabalhar também em Cinema, teremos obras memoráveis (onde estão os produtores brasileiros de Cinema que não procuram estes “meninos”?).

Racionalizações a posteriori à parte, não posso deixar de ressaltar que assistir a “Cazuza-O tempo Não Para” foi uma das grandes experiências cinematográficas da minha vida, por mais imperfeições que o filme tenha. Podem dizer que há identificações pessoais. E terão razão. Mas porque desprezar estas projeções e identificações se elas fazem parte da vida?

Em 1987 assisti a uma montagem bastante cerebral de “Encontro de Descartes com Pascal” de Jean Claude Brisville com Ítalo Rossi e Daniel Dantas, no Teatro da Aliança Francesa de Botafogo. Descartes queria que Pascal fosse seu discípulo e continuasse avançando com suas especulações filosóficas, sendo o último bem mais jovem. Pascal queria agradar o velho mestre não porque se identificasse com suas idéias mas porque queria que ele com seu prestígio intercedesse para salvar um amigo jansenista preso. A peça é um embate de idéias, mas não isenta de uma emoção delicada, pois consegue de fato criar personagens e não meros portadores de conceitos.

Saí do teatro e caminhei pela Rua Muniz Barreto aos prantos. A peça havida tocado num nervo exposto em mim: um engenheiro que só sabia ganhar dinheiro com esta atividade e um amante inveterado das artes. Ou seja, havia cotidianamente um Pascal brigando com um Descartes dentro de minha cabeça. Hoje sou muito mais Pascal: acredito piamente que “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. Li “Pensamentos” de Pascal com total fascínio ainda que tenha me assustado ao saber que Pascal ao dar aulas no interior da França se açoitava porque não podia sentir prazer com o que fazia de coração aberto sem esperar recompensas.....Mas de qualquer forma acredito muito mais no “Sinto,logo existo” do que no “Penso, logo existo”. Claro que não abdicarei jamais da necessidade de pensar. Este texto é uma das provas disto. Mas sempre estou atento ao poder dos sentimentos e emoções. “A Troca” de Clint Eastwood em cartaz me levou às lágrimas ao final. Posso negligenciar isto na avaliação do filme? Jamais. Claro que existe a emoção interior que não se traduz em lágrimas e também é bastante nobre. Mas de qualquer forma acredito que a emoção seja de que forma vier precede à razão.

Em homenagem a Cazuza, vai adiante um poema que fiz inspirado nele, com as minhas recorrentes citações à poética da MPB:


"Enquanto houver burguesia, não pode haver poesia”
Cazuza


Cintilação

Cazuza
Minha cabeça pode estar confusa.
Você daqui partiu para um lá
Que não sei em que lugar está.
(Será que está entregue ao Deus-Dará?)
Você muito amou, muito viveu,
Muito en-cantou, muito acertou
Em seus tirocínios,
Em seus vaticínios.
Mas num ponto meu amigo,
Eu não concordo contigo!
Você errou redondamente,
Perdidamente...
A burguesia insiste, resiste,
Fede, fede, fede, fede, fede ...
Mas Cazuza,
Me ouça com atenção,
Como se fosse uma bela canção:
Eu te amo muito ainda!
E graças a Deus,
É infinita, bem vinda,
A poesia que sempre existiu,
Existe, existirá, resistirá,
Mesmo depois que você se mandou
Pensado que deu pra nós um adeus,
Pra não sei onde...
(Cara, onde você se esconde?)

Eu sei que aqui sua aura não se esmaece,
Mesmo com todo esse inverno de desesperança,
Todo esse inferno que nos alcança...
E saiba meu querido amigo,
Que ainda persiste
Gente como eu, carente de afeto e sexo,
Andando tonta, alucinada,
Pelas ruas, botecos, bares, boates,
Pelas vielas, encruzilhadas,
Pelas saunas, aterros, arpoadores,
Pelos bate-papos nos computadores
Também exagerada,
Em busca de amores,
Catando a poesia que você camarada,
Generoso como sempre foi,
Entornou de propósito no nosso chão,
Chão este onde sempre pisamos,
Distraídos, iludidos....
E sonhamos, sonhamos...

Um abraço, um beijo mordido,
É muita sorte nossa você ter existido.
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Nelson Rodrigues de Souza