sábado, 26 de fevereiro de 2011

O Coração Disparado












O Coração Disparado

“127 horas (EUA/Inglaterra/2010) de Danny Boyle

Arriscando a perder alguns dos meus admiradores vou direto ao ponto: “127 Horas”, longa baseado no livro homônimo, escrito por Aron Ralston, o sobrevivente de uma grande aventura pessoal, é um bom filme. Não mais que isto. Mas principalmente não menos que isto, não havendo nada de picaretagem na empreitada conforme sugeriu o crítico Marcelo Janot em O Globo.

Já há hoje um artifício criado para filmes tidos como artisticamente mais empenhados que é o fetichismo do plano-sequência. Para alguns cinéfilos fanatizados por esta tara, quanto mais longos os planos mais êxtase artístico. Claro que ainda temos muitos artistas que expandem as atitudes autorais de Michelangelo Antonioni a limites que este nem sonhava e obtêm ótimos e muitas vezes sublimes resultados: é o caso de Tsai-Ming Liang em “Quer Horas São?”, “O Sabor da Melancia”, “O Rio”, dentre outros; de Apichatpong Weerasetakhul em “Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas” e “Síndromes e um século”; de Brillante Mendoza nos essenciais “Serbis”, Kinatay” e “Lola”; Jia Zhang Ke em “Em Busca da Vida”; Theo Angelopoulos em “Paisagem na Neblina”, dentre outras obras primas etc.

Já “Ninguém Pode Saber” de Hirokazu Kore-Eda, tocante visão de crianças abandonadas pela mãe que tentam sobreviver pela coragem do irmão mais velho, numa primeira visão, não é a obra-prima que poderia ter sido lograda se não houvesse uma saturação excessiva e doída de seus planos-sequências. O máximo de “informações-emoções” já haviam sido extraídas e no entanto os planos continuavam. “Café Lumière” de Hsiao-hsien Hou, suposta homenagem a Ozu, também abusa na duração dos planos- sequências e me impede de apreciá-lo de forma irrestrita. Lembro-me que no Festival do Rio, um conhecido saiu para ir ao banheiro, voltou, perguntou o que aconteceu e a resposta foi: “Ela ainda continua andando de trem...” Na saída eu e um crítico que conheço nos olhamos nos olhos e dissemos ao mesmo tempo: “Isto não tem nada de Ozu. Alguém que não conhece as maravilhas de Ozu vai evitá-lo com esta “homenagem”....” Em “A Viagem do Balão Vermelho” de Hsiao-hsien Hou que extasiou tantos e a mim nem tanto, eu já estava até prevendo/temendo um momento em que Juliette Binoche iria fritar um ovo com toda paciência do mundo...Gosto de vários filmes de Glauber Rocha, principalmente os que realizou no Brasil, mas suportar mais de dez minutos Francisco Rabal ( Diaz) rolando na lama foi uma experiência inesquecível de como o amante do cinema pode sofrer diante da tela escura por seus ídolos. O que dizer então de Renata Sorrah e Márcia Rodrigues rolando pela escada ao som de “Ninguém Vai Tirar Você de Mim” de Roberto Carlos por minutos intermináveis em “Matou a família e foi ao cinema” de Júlio Bressane?

Uma regra para distinguir estes casos favoráveis dos desfavoráveis eu não tenho. É uma questão de sentimento e autoanálise profunda e sincera. Quem tiver que me aponte as referências bibliográficas sobre isto: Ter ou não ter páthos nestas condições, eis a questão.

Por que insisto em comentar planos-sequências longos? Por que há uma tendência hoje a considerar os planos mais acelerados vulgares, anti-artísticos e anti-pensamento, o que é cair numa armadilha, pois se há planos longos e planos longos com pathos ou não, também ainda podemos ter filmes de narrativas bem dinâmicas, bem atraentes e potentes: é o caso de “A Origem” de Cristopher Nolan, para mim, de longe o melhor filme que concorre entre dez ao Oscar este ano, sendo lamentável que seu diretor tenha sido excluído do quesito melhor direção. Para ficar em filmes mais antigos lembremos a beleza transcendente de “Koyaanisqatsi: Vida em Desequilíbrio”(1983), dirigido por Godfrey Reggio ou então o impactante “The Wall” de Alan Parker.

Danny Boyle é um diretor que gosta de acelerar as imagens obtendo resultados diversos. Em “127 horas” não temos a agudeza da montagem de “Quem quer ser um milionário?” ou até mesmo “Trainspotting”. Na obra atual todas as sequências em que Aron Ralston ( James Franco em magnífico trabalho que não pode ser negligenciado) está com a mão presa por um pedra gigante dentro de uma profunda fenda de um canyon e tenta diferentes formas para sobreviver física e psicologicamente são dolorosamente convincentes e belas em sua crueza. Quando há os flashbacks familiares ou de outras situações que podem até ser delírios, nem sempre as imagens são fortes, havendo mesmo uma diluição de suas potências, em que as fronteiras entre a publicidade e o cinema tornam-se tênues demais. Mas por exemplo, é belíssima a sequência em que ele imagina a família em sua fenda o contemplando sem poder fazer nada.

Munido de um câmera de vídeo Aron deixa inquietantes mensagens para a família, criando sucessivas estratégias para não sucumbir. Ao fim de cinco dias e 7 horas se dá conta de que só há uma maneira de sair desta enrascada. O filme passa aqui a correr o seu maior risco, mas meu ver se sai muito bem: Aaron com seu canivete passa a cortar seu braço e a sequência é suficientemente explícita para nos dar conta da “barra pesada” em que se encontra um personagem (com o qual o filme nos fez se identificar tanto como se nossa própria vida estivesse em jogo) e ao seu modo também elíptica, com planos no rosto ensanguentado de Aaron alternando-se com o corte, culminando com uma grande elipse em que “o trabalho” se dá por encerrado, sendo o tempo dramático diferente do tempo real para esta fatídica empreitada.

Ao ser simplesmente contado a reação a “127 horas” é que não pode resultar em um bom filme, correndo o risco do tédio e do asco. Mas a habilidade narrativa de Boyle ( que, repito, já foi melhor em outros filmes) nos faz assistir a esta obra em permanente tensão/atenção.

Suas últimas cenas apontam com simplicidade para a grandeza da continuidade da vida e por mais que seja tido como um “efeito barato” nos faz sentir algo nada negligenciável num tempo de tantas mortificações: “Saímos da sala vivos, com maior amor a vida, vamos retirar as pedras que nos aprisionam, mesmo que a custa da “perda de um braço””.

Ps1 Não é marketing do filme ao propagarem que as pessoas podem passar mal no cinema. No dia da estreia, na penúltima sessão do Botafogo Praia Shopping, uma vez concluída a sequência mais forte, ouve-se pedidos por médicos, a sessão é interrompida e todo mundo começa a olhar para trás: uma pessoa desmaiou. As luzes se acenderam, seguranças apareceram e a pessoa colocada no corredor acordou e preferiu ficar mais algum tempo deitada até se sentir realmente melhor. Foi embora sem ver o resto do filme que continuou uns 15 minutos depois. Mas não podemos crucificar o filme por causa disto. O cultuado “Cães de Aluguel” de Tarantino, um grande filme, tem uma das mais incômodas cenas de tortura do cinema. Digna de um desmaio...Como diria Rita Lee, não desmaiei por um triz...

Ps2 O título do Post é o mesmo de um livro de poemas de Adélia Prado.

Ps3 Nos link adiante tem-se um texto sobre ”Quem que ser um milionário?” já publicado no Blog em que o entusiasmo por um filme de Boyle é bastante superior ao com este “127 horas”.

http://pelaluzdosmeusolhos.blogspot.com/2009/02/sortilegios-da-memoria-contra-miseria.html

SEXTA-FEIRA, 27 DE FEVEREIRO DE 2009

Sortilégios da Memória Contra a Miséria Material e Espiritual

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Nelson Rodrigues de Souza


2 comentários:

  1. Nelson, não vou discutir com você sobre esse filme medíocre em quase todos os aspectos, mas só fazer uma correção fuindamental: Aron não tinha um celular, mas uma câmera de vídeo. A ausência do celular é marcada logo no início, quando a mão dele (sempre ela) não consegue alcançá-lo no armário, e no final com a piadinha idiota de que não havia mesmo sinal por ali. Abração

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  2. Carlos Alberto,
    Vou fazer a correção que realmente é fundamental. Obrigado pela dica.
    Abração,
    Nelson

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