quinta-feira, 28 de maio de 2009

Navalha na Carne no Mississipi em Chamas



Em 1964 até mesmo bebedouros eram separados para negros e brancos no Mississipi, um dos estados onde mais grassava o racismo em extremos e a Klu-Klux-Klan agia impiedosamente provocando incêndios criminosos com membros e simpatizantes escondidos na sociedade como que se tivessem sido vítimas de “invasores de corpos” e que surgiam em público, covardemente, com horrendos capuzes.

Neste contexto, em “Mississipi em Chamas” (EUA/1988) de Alan Parker, militantes pelos direitos civis são assassinados e os agentes do FBI, Rupert Anderson (Gene Hackman) e Alan Ward (Willen Dafoe), são destacados para desvendar o caso, num ambiente de muito medo e silêncios impostos.

Como em situações exploradas já clássicas no cinema, Rupert e Alan têm temperamentos e métodos de trabalho bastante diferentes. Enquanto o mais jovem Alan é obediente a princípios rígidos e a forte ética pessoal, não avançando em suas investigações, Rupert bem mais despachado chega até a seduzir a mulher de um suspeito (Sra. Pell/Frances Mcdormand) para saber mais sobre o caso. Mas a maior audácia de Rupert é numa cadeira de barbeiro encurralar o suspeito com uma navalha no pescoço para que ele confesse suas ligações com a Klu-Klux-Klan e lhe dê coordenadas, atitude em que acaba vitorioso.

O jornalista Paulo Francis viu no ato de Rupert um exemplo de como se deve agir, pois de nada adianta o bom-mocismo do outro. Esta é não é uma tese que o filme defenda. Ele simplesmente relata uma situação crítica de uma sociedade onde estes métodos são empregados e se aponta em alguma direção é para o fato de que ela deve ser revista de cabo a rabo.

Não foi surpresa esta declaração de Francis, pois este, nos últimos anos de vida, era mestre na arte de fazer declarações estarrecedoras. No programa “Manhattan Conection” afirmou que a África do Sul não fez bem em acabar com o apartheid. Sendo um país muito rico em urânio, esta preciosidade não poderia ser bem explorada pelos negros. Seria um perigo isto não estar nas mãos dos brancos…(sic). Ninguém me contou. Eu o ouvi, pasmo.

Na era Bush várias “navalhas” foram apontadas ou então enfiadas em gargantas para se obter informações. Barack Obama prefere esconder imagens desta época negra, não quer julgar os responsáveis em todos os graus e ainda titubeia em fechar imediatamente a prisão de Guantánamo, o que contraria promessas de campanha. Neste sentido ainda pode-se dizer que os EUA não difere muito do Mississipi que nos mostra Alan Parker em seu eletrizante filme, mesmo tendo um negro no poder....

Quando uma sociedade precisa se valer de “navalhas na carne” em suas várias formas é sinal de que seus alicerces devem ser repensados. A mim, causa certo enjôo ouvir Obama declarar que em nome dos “valores maiores” deste país, tais e tais atos devem ser realizados. Não se vê mudanças realmente mais estruturais. Num artigo recente o historiador Eric Hobsbawn escreveu que a Inglaterra aprendeu com o malogro de suas experiências coloniais, sendo que o mesmo não estaria vendo em relação aos EUA, apesar de torcer por isto.

“Mississipi em Chamas”, o filme, é um dos melhores obras já feitas sobre o racismo nos EUA, com uma pujança narrativa digna do melhor Spike Lee. Mas os ecos que deixa não são tão simplórios como deu a entender Paulo Francis. O filme aponta para a necessidade imperiosa de mudanças de fundamentos. No caldo cultural reinante na época e agora, realmente, não há lugar para o mero bom-mocismo. Mas o que deve ser empregado no lugar deve ser bem repensado e rápido. Com certeza não é “navalha na carne” em suas várias metamorfoses.

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