sábado, 16 de maio de 2009

Autor em Teia de Preconceitos Arraigados



Tennessee Williams detestava a versão cinematográfica de sua peça “Gata em Teto de Zinco Quente (EUA/1958) por Richard Brooks. Também não gostava da versão teatral feita por Elia Kazan. Este teria pedido modificações com as quais o autor concordou e se arrependeria mais tarde. Assim de sua obra toda, o texto de que mais gostava é a sua versão pessoal publicada em livro desta peça. Já está mais do que na hora de termos para o Cinema uma versão que obedeça fielmente os desejos do autor bem como mais montagens que a estes se prendam. 

Mas o texto de “Gata em Teto de Zinco Quente” é tão extraordinário que Richard Brooks contando com um elenco formidável ( principalmente o casal  Brick( Paul Newman) e Maggie (Elizabeth Taylor) e “O Velho”(Burl Evans), pai de Brick,  secundado por ótimos coadjuvantes como o irmão primogênito Gooper (Jack Carlson), a mulher dele Mae (Madeleine Sherwood), seus cinco filhos ( os “monstros sem-pescoço”), contando ainda com a Mama, mulher do “Velho” ( Judith Anderson)), não deixou de nos legar um clássico mesmo que em alguns tópicos essenciais não tenha ido ao seu cerne.

A família se reúne para o 65º aniversário do “Velho”. Este está com um câncer terminal no intestino a princípio escondido pelo médico, o que aos poucos vai sendo revelado a todos. Brick não consumou seu casamento com Maggie, desprezando-a, preso que está a recordações traumáticas com um ex-amigo que morreu tragicamente. Numa tentativa vã de recuperar a virilidade perdida e seus tempos como atleta, bêbado, pela madrugada, tenta pular obstáculos, se fere e passa a utilizar uma muleta. Maggie pede que ele dê atenção ao pai pelo qual não tem apreço, pois com a doença do “Velho”, está em jogo quem irá administrar os grandes negócios da família e o herdeiro mais sensato e natural deve ser Gooper, num lobby ostensivo de sua mulher Mae que procura lembrar a todos que deu herdeiros para a família ao contrário do casal impotente Brick/Maggie cujos movimentos íntimos de súplicas e rejeições são vigiados através das paredes finas que separam os quartos. 

“O Velho” não tem pudores em dizer em alto e bom som que seu casamento foi um fracasso e que ainda está em busca de outras mulheres olhando inclusive para a nora Maggie com bastante lascívia. Assim o fracasso desta família no que diz respeito à fraqueza dos afetos e desvios materialistas nos é desnudado impiedosamente. Quando “O Velho” ciente de sua morte próxima, se esconde num porão entulhado com o que comprou em protocolares viagens que fez com a mulher à Europa, vai ter um jogo de verdades com o filho alcoólatra Brick que é o mais belo momento do filme. Mas neste jogo Brick não se sente confortável para contar os reais sentimentos que tinha pelo amigo morto, para o qual desligou o telefone num momento de grave crise, contribuindo para o seu suicídio. 

“Gata em Teto de Zinco Quente” corrói diversos automatismos do que seria a família americana prototípica feliz em suas várias camadas de desacertos, mesquinharias, desamores, rancores e infelicidades escamoteadas. Isto não impede que Mae, tão desprestigiada pelo marido tenha um momento de grande dignidade. 

Mas não deixa de ser sintomático que um filme corajoso como este ao expor tantas mazelas familiares, tantos desafetos, amarguras e arrivismos ostensivos alheios à dor do “Velho”( com a espada de Dâmocles da morte apontada para ele e que se recusa a tomar morfina para continuar lúcido em relação aos fatos que vai tomando ciência), trate a homossexualidade de Brick com tanta timidez. No ajuste de contas com o pai ele é incapaz de abordar este fato com coragem. O filme sugere também uma impotência do personagem, fruto do trauma vivenciado com a perda do amigo e por uma suposta traição de Maggie com este último e ao final do filme temos uma seqüência de alta voltagem erótica em que Brick no quarto faz aquilo que havia nos sido negando durante todo o filme: ele para surpresa de Maggie, a abraça com ardor e joga um travesseiro na cama, sugerindo que vai “cumprir seu papel de marido”, que vai trabalhar bem os calores ostensivos desta gata que até então viveu desesperada com seus hormônios em ebulição “num teto de zinco quente”. 

O desfecho do filme não deixa de ser belo e ao seu modo limitado, ter o seu sentido, se pensarmos mais na impotência que acometeu o personagem e que agora com os ajustes de contas está mais aliviado. O filme descontado estes momentos de pudor tem embates antológicos. A química entre ao atores é perfeita. Talvez se esteja exigindo demais de um filme do final dos anos cinqüenta. Mas não faltam hoje grandes atores que possam também adquirir uma grande química. Assim o Cinema pode redimir as vontades de um dos maiores dramaturgos americanos ( e do mundo) do século XX com uma versão  mais explosiva e fiel ao texto definitivo do autor. Fica aqui a idéia lançada. É  certo que um casal como Paul e Elizabeth é algo histórico e de difícil retorno. Mas não custa nada tentar. O grande Cinema e o grande Teatro agradecem. Os amantes do desmonte de hipocrisias também. 

PS O filme em questão encontra-se nas principais bancas de jornais numa alentada coleção de clássicos da Folha de São Paulo, com belos textos e fotos, a um preço bem camarada. Imperdível.

http://www.blogtribuna.com.br/Cinelide/ImageBank/FCKEditor/image/gata%20em%20teto%20de%20zinco%20quente%20(leg).jpg

http://www.blogtribuna.com.br/Cinelide/ImageBank/FCKEditor/image/Tennessee%20Williams%20ESCREVE%20(leg).jpg  

Nelson Rodrigues de Souza

 

Um comentário:

  1. Os textos de Tennessee Williams são tão maravilhosos - e foram levados à tela contando com elencos de primeira grandeza - que fica difícil compartilhar com o olhar exigente do autor e não gostar de algum dos filmes. Amo especialmente Um Bonde Chamado Desejo e Vidas em Fuga - que assistimos recentemente na Mostra Marlon Brando. Eles deixam evidente o quanto um bom texto é fundamental para o cinema.
    Abraços. Gina

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