sábado, 16 de maio de 2009

A Ideologia Dominante da Obsolescência Compulsória


Quando o quente em editor de textos era o Wordstar paguei uma fábula para que digitalizassem textos meus em grande quantidade. Mas logo surgiu o Word em suas várias versões. Entreguei meus textos em disquetes para um conhecido que era bambambam em informática e ele de forma alguma conseguiu transferir o que eu já tinha pronto para o Word. Resultado: foi com grande tristeza que perdi tudo que tinha digitalizado. Tive que novamente investir na digitalização de uma formidável quantidade de textos agora em Word. 

Tenho uma coleção fabulosa de long-plays, muitos deles ainda não lançados em CDs. Sempre adorei as bolachas e a grande arte final das capas “imensas”. Um amigo fez uma tese de doutorado sobre a força estética destas capas. Até hoje existem controvérsias. Para o músico Ed Motta que tem lançado junto com CDs, versões em vinil, este último mesmo com os famosos chiados tem qualidade sonora superior ao do CD. O mesmo pensa o irrequieto Arnaldo Antunes. Eu não tenho o mesmo apuro de ouvido, mas morro de saudades dos meus vinis. 

Nada contra a tecnologia, mas porque temos sempre que descartar as antigas tecnologias?Esta tendência na área cultural tem sido desastrosa. O que se refere à Cultura tem que ser sempre visto de forma delicada. Leis de mercado manipuláveis são autênticos venenos. E depõem contra as noções básicas de arquivologia que não devem ser deixadas apenas para as instituições. Cada cidadão como ser cultural deve ter seus meios de arquivo. Vou mais longe: até mesmo condições de ouvir seus setenta e oito rotações com jóias que não mais foram lançadas ele tem que ter disponível. Este é mais um ponto em que acredito que deva haver intervenções de ordem estatal e não deixarmos as coisas ocorrerem simplesmente ao sabor dos ventos viciados do mercado. 

Claro que avanços na Medicina são sempre muito bem vindos, como na área de anestesia que dizem é uma das que mais tem evoluído, como também em várias outras atividades humanas. Mas com Cultura temos uma natureza diferente de outras áreas e outros cuidados devem ser tomados.

No Brasil temos hoje a febre das traduções “definitivas”. Se entrarmos na pilha, todos os livros pelos quais suamos para formarmos uma biblioteca básica estão caducos, atrasados. Tenho uma coleção da editora Globo dos vários tomos de “Em Busca do Tempo Perdido” que durante muito tempo foi elogiada como uma grande tradução, com trabalhos de ninguém mais nem menos do que Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, dentre outros. Agora surgem novas traduções que vendem como se fossem as mais grandiosas e fiéis. Eu não caio neste conto de marketing. Ainda me devo a leitura atenta dos volumes de Proust e quando o fizer lerei os volumes que já tenho. O mesmo posso dizer de romances traduzidos originariamente por Herbert Caro e outros grandes tradutores. Neste caso tenho estes livros numa razoável biblioteca e não vou entrar neste jogo perverso marqueteiro de “finalmente com grandes traduções”. Há pouco li que a adorável Lígia Fagundes Telles corrige vírgulas e algumas palavras de suas obras para uma edição completa de seus trabalhos numa nova editora. Vou ignorar solemente este esforço e vou continuar lendo o que já tenho dela, mesmo que as capas não sejam de Beatriz Milhazes.... 

No Brasil está havendo alguns lançamentos em vinil. Na Inglaterra isto também tem acontecido. Mas existe um problema óbvio: onde conseguir bons toca discos e manutenção deles. No Rio de Janeiro só conheço a seção de “antiguidades” da Modern Sound da Barata Ribeiro. Lamentável constatar que os preços são extorsivos e pra mim impraticáveis. Quem conhece outro lugar com preços decentes me avise. Por que a indústria numa menor escala não continuou fabricando e dando manutenção aos toca-discos? Resposta óbvia: porque compulsoriamente queriam que aderíssemos aos CDs e passássemos a comprar no novo formato tudo o que já tínhamos antes, o que nem sempre é possível, pois certos relançamentos não são feitos, descontado aqui a questão forte da grana. Aí não há porque criticar o que já chamei antes aqui de “piratas da pós-pós-modernidade atroz” que abaixam estas relíquias. 

Tenho uma coleção fabulosa de VHSs. Só que meu aparelho de vídeo cassete quebrou, não sei aonde consertá-lo se é que existe e só encontro um novo na famigerada Modern Sound com seus preços abusivos. Assim me vi obrigado a comprar vários títulos em DVD que já tinha em VHS. Mas mesmo assim me sinto impedido de ver certos filmes que não lançam em DVD de forma alguma como os extraordinários “Inverno de Sangue em Veneza” de Nicolas Roeg e “Mulheres Apaixonadas” de Ken Russel, bem como muitos clássicos do cinema que comprei numa ótima coleção de banca de jornal, dentre outros. E é importante ainda frisar que muitos filmes relançados são de aquisição monetariamente penosa ou numa expressão mais clara: tem preços também abusivos. A livraria do Arteplex, como várias outras do Rio de Janeiro, é ótima para o passeio guloso dos olhos pelas novidades. Já para comprar é outra história... 

Mesmo com estes percalços consegui construir uma coleção fabulosa de DVDs, comprados das mais variadas formas, muitos em promoções,outros dado o grande afeto que me liga aos filmes, comprados pelos seus altos preços mesmos, como coleções de Bergman e uma caixa com todo “Berlim Alexanderplatz” de Fassbinder. 

Mas eis que agora nos chega o Blu-Ray! Socorro! Imagino que no início os aparelhos em que os novos suportes funcionam, também operem com os DVDs. Mas “Eles”, kafkianos que são, da grande indústria, podem com o tempo só fabricar aparelhos que leiam Blu-Ray, os aparelhos de DVD  passam a ser encarados como o são os vídeo-cassetes hoje  e minha coleção suada de DVDs vai para o espaço! 

Assim, não contem para ninguém não. Mas estou, num ato de legítima defesa, para me proteger “Deles”, torcendo para que os preços do Blu-Ray nunca se tornem baixos e esta nova tecnologia seja um fracasso! Desespero? É. Mas contra a força “Deles” só “minha praga” passa a ter sentido...Quem tiver soluções alternativas que me avise e me tranqüilize. 

No Blog do Zanin a propósito das edições que estão saindo agora mais completas da obra de Kubrick quando já investimos bastante nas edições comuns, um leitor lembrou-se de uma frase de senso comum lapidar que repito aqui: “Meu dinheiro não é capim!” 

Ps Quando penso em obsolescência compulsória me lembro daquele gigantesco cemitério de automóveis pelo qual Geraldine Chaplin passeia em “Nasville” de Robert Altman. Não é à toa que a indústria automobilística chegou na crise em que está. E segundo Clovis Rossi na Folha de São Paulo está havendo no Brasil emissões mortais de enxofre pelos carros, que estão sendo toleradas em nome da crise e do lucro. A vida humana que se dane.

http://img511.imageshack.us/img511/8934/carroscemitdsc05613.jpg  

Nelson Rodrigues de Souza

 

 

Um comentário:

  1. jorge caê rodrigues5 de junho de 2009 às 10:35

    ainda não tive tempo de ver o simonal, vou correr,
    beijos do caê

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