segunda-feira, 23 de maio de 2011

Encontros e Fugas, Fugas e Encontros






















Encontros e Fugas, Fugas e Encontros

(Os textos contém alguns spoilers, ou seja, alguns detalhes são adiantados para a análise pretendida)

1- “Todo Mundo Tem Problemas Sexuais” (Brasil/2008) de Domingos Oliveira

Mesmo Domingos Oliveira tendo feito sucesso condizente com suas ambições e orçamentos, com os filmes de sua retomada particular no Cinema Brasileiro a partir de “Amores” e sendo então uma adaptação de uma peça sua de bastante sucesso no Teatro, feita em parceria com o psicanalista Alberto Goldin, com base nas cartas que recebe e responde na Revista de O Globo aos domingos, “Todo Mundo Tem Problemas Sexuais” de 2008 só encontrou espaço para exibição agora em maio de 2011.

Projetos para o cinema não faltam a Domingos (uma peça sua que se bem adaptada daria ótimo filme seria “No Brilho da Gota de Sangue”, um policial brasileiro singular, por exemplo). Assim, mesmo com sua pessoal e generosa proposta do BOAA (Baixo Orçamento e Alto Astral), com filmes bastante interessantes e que dificilmente não vão se pagar, Domingos encontrou forte dificuldade para colocar nas telas, uma obra que sem abrir mão da inteligência que lhe é habitual, tem possibilidades de dialogar com grandes plateias, conforme deixa antever o amplo circuito em que agora é lançado, deixando patente que o maior entre os maiores problemas do Cinema Brasileiro é o gargalo na exibição. Já citei medidas de proteção de telas e acompanhamentos em outro post. Não vou aqui repeti-las.

Para quem não conhece, recomendo o trabalho em imprensa de Alberto Goldin. O esquema é simples. Pessoas mandam cartas a ele relatando problemas sentimentais e sexuais das ordens mais variadas nas mais diversas idades. Ele, como todo bom psicanalista, não diz o que a pessoa deve fazer, mas sim escreve numa linguagem em que a psicanálise arguta, a sabedoria dos anos e certa poética levantam aspectos para serem refletidos e daí sim, a pessoa aflita possa tomar decisões, que a rigor, são por sua conta e risco. Não poderia ser de outra maneira.

Como os textos de Goldin, “Todo Mundo Tem Problemas Sexuais” narra histórias de questões afetivas e sexuais de forma completamente desabrida e não preconceituosa. A grande diferença é vemos os personagens tomarem decisões “certas” ou “erradas”, diante dos dilemas com os quais se defrontam, pois se trata aqui de dramaturgia e não de coluna em revista. Tudo temperado por muito humor, que é instilado na plateia, por mais que nos reconheçamos aqui e ali em alguma situação narrada nas cinco cartas, um prólogo e um epílogo que compõem o filme.

Pedro Cardoso, Claudia Abreu, Priscilla Rozenbaum, Orã Figueiredo, Paloma Riani, Ricardo Kosovski se revezam em vários papéis, mas quem predomina nos episódios, mostrando o grande ator cômico que é, com o tempo certo para não perder o time das situações e insinuações, enfatizando que se ele é um ideólogo bastante discutível do senso de oportunidade da nudez no cinema, como ator é irrepreensível e o esteio do filme.

Entre os episódios, Domingos Oliveira com seu adorável jeito gauche de se apresentar/falar comenta temas ligados ao filme junto com seu grupo de atores amigos (uma característica do artista é trabalhar com amigos, como John Cassavetes, uma das formas possíveis de se fazer arte, o que com ele funciona muito bem, pois os amigos são realmente talentosos, não havendo nepotismo). Com a mulher Priscilla já fez trabalhos memoráveis como “Separações” e o pouco visto “Carreiras”, sensacional e ácida adaptação da peça “Corpo a Corpo” de Oduvaldo Vianna Filho, de uma atualidade impressionante (que vi numa extraordinária montagem do Grupo Tapa de Eduardo Tolentino, numa interpretação arrasadora de Zécarlos Machado). Priscilla Rozenbaum não fica atrás e em “Carreiras” tem seu melhor trabalho no cinema, ao retratar o ódio que uma mulher acostumada a um alto cargo na televisão, passa a sentir quando descobre sua perda de status na carreira, afogando-se em mágoas e muito fel destilados e carreiras de cocaína, até um final redentor, mas amargo.

Em “Todo Mundo Tem Problemas Sexuais” temos o casal que entra em crise depois que a mulher descobre que teve uma relação sexual fantástica com o marido, mas ele estava utilizando viagra; o casal puritano que resolve expandir o prazer praticando swing; o farmacêutico que conversa com a colega o tempo todo sobre sexo, mas não pode encostar-se a ela sem estrilos; o casal que estabelece contacto pela internet mas só se encontra no escuro até que um dia a luz de uma geladeira aberta escancara a imagem de um ao outro, trazendo crises; o casal que se desfaz e tenta se refazer depois que o marido descobre os prazeres do sexo anal, vivenciando relações homoeróticas. E um epílogo decidido depois de muitas dúvidas sobre como acabar o filme.

“Todo Mundo Tem Problemas Sexuais” inclui cenas teatrais da peça, seja em exibições por teatros do Rio ou encenados para o filme no Teatro Dulcina, em muitas continuidades de interessante efeito dramático em que a mudança de tom, mais do que causar estranhamento, é reveladora do que estas duas formas de arte podem ter de semelhanças e distanciamentos, num jogo insinuado propositadamente em todo o filme, em que o cinema homenageia o teatro e vice-versa.

“Todo Mundo Tem Problemas Sexuais” não é o máximo da comédia, mas muito provavelmente é muito mais instigante e inteligente do que muita coisa que se apresenta como comédia nas telas e só os trailers já denunciam a infantilidade, quando não, a mesmice, para cortejar adolescentes pouco exigentes e adultos infantilizados.

2- “Caminho da Liberdade” (EUA/2010) de Peter Weir

O título em português não seria o clichê que é se o título original fosse mantido, “O Caminho de Volta”, que tem muito mais a ver com a essência do filme. Baseado numa história real que hoje é até contestada, o que importa mesmo nesta volta de Peter Weir ao cinema, de tantos grandes sucessos de público e crítica (“A Testemunha”, “Sociedade dos Poetas Mortos”, “O Show de Truman” etc.) é que “Caminho da Liberdade”, embora aqui e ali desafie nossas noções de verossimilhança quanto à capacidade dos personagens vencerem fortes barreiras para sobreviver, no conjunto é um filme muito bem dirigido, onde a câmera sempre da a saudável impressão de que está onde melhor poderia se localizar (o que é uma ilusão, pois as opções são inúmeras, mas uma ilusão prazerosa), além de ter um conjunto homogêneo de convincentes performances dos atores.

Januz (Jim Sturgess) tem sua mulher torturada na Polônia dominada pelos russos, o que o faz tornar-se um espião, condenado a ser enviado para a Sibéria. A única forma de fazer com que a mulher que sabe estar viva, liberta, perdoar-se, é reencontrando-se com ela, o que o faz ter a maior vontade de abandonar o inferno gelado construído pelo stalinismo. Vlaka (Colin Farrell, cada vez melhor ator) é um russo prisioneiro manda-chuva do campo que chega até mesmo a matar colega para ficar com seu casaco que não lhe foi entregue “por espontânea” vontade.

Numa primeira parte “Caminho da Liberdade” não economiza no retrato do horror que é um campo de trabalhos forçados na Sibéria, onde “a paisagem em torno, seria a maior inimiga” e moradores nestes domínios entregariam por boa recompensa os fugitivos que encontrassem.

Sete presos iniciam um projeto de fuga pelas regiões geladas, dentre eles Januz (uma espécie de guia que sabe entender a orientação dos pontos cardeais), Sr Smith (Ed Harris, num personagem que cresce com o tempo) e até mesmo Vlaka, pois este detém um recurso essencial para a longa travessia e sobrevivência de todos: uma faca. Ao grupo irá se juntar mais tarde Irena (Saoirse Ronan) que conta de início fortes mentiras para provocar piedade nos colegas fugitivos, com medo de ser um empecilho e ser descartada. O frio congela literalmente um dos fugitivos, provocando a primeira baixa.

Em “O Show de Truman”, Peter Weir nos mostra um homem (Jim Carrell, numa grande composição) que desde bebê é criado numa cidade toda controlada em que até mesmo “seus pais” estão representando, sendo sua vida um show que as pessoas, num misto de tédio e falta do que de melhor ter a fazer, acompanham como se fosse uma longuíssima novela. Até que um dia o jogo começa a virar, quando Truman desconfia que haja algo errado com a cenografia em que está mergulhado.

“O Show de Truman” em 1998, ao seu modo, antecipou a febre de realities shows que passou a assolar o mundo e no Brasil parece ter uma resistência maior em suas várias formas de sobrevivência: uma delas o BBB da Rede Globo. Tenho a maior admiração pela cultura, inteligência e sensibilidade de Jean Wyllys. Votei nele para Deputado Federal pelo PSOL (como ele ainda acredito numa forma de socialismo que deve mais ser repensada, democrática e sem autoritarismo, pois tanto eu como ele, não temos o pecado original do stalinismo, do castrismo etc.). Mas depois de tantas edições de BBB, nas poucas vezes em que tentei assistir ao programa me deu mal-estar profundo, pois se a pessoa que estiver imersa na casa não tiver cuidados, pode ver despertada em si o pior: egoísmo, exibicionismo, ociosidade, arrivismo, dissimulações várias, desprezo pelo outro etc. Continuo achando que Jean Wyllys é uma das poucas flores que nasceu deste lodo em que vejo o talento de Pedro Bial se perder em frases bombásticas sobre a “jornada dos heróis”.

Como vivemos num mundo em que para cada ideia há sempre uma contra-idéia, há quem considere “O Show de Truman” ultrapassado pela realidade dos realities shows, numa atroz inversão de valores, quando o filme se antecipou à esta apoteose de comercialização e espetacularização de tudo, até mesmo da intimidade das pessoas, sendo uma crítica sagaz em tom de fábula ácida a este estado de coisas que já era crítico e se acirrou.

Em “Caminho da Liberdade” tudo se passa como se Peter Weir dissesse: “É reality show que o público quer, então me deixem dar-lhe um jogo de vida e morte como poucos!”. Assim a jornada que vai da Sibéria ao Tibet, depois à Índia e por fim de volta à Polônia (onde teremos uma síntese da história polonesa nos últimos anos, culminando com comovente encontro, deixando para o passado, os que mudaram de caminho ou morreram numa luta contra a fome, o frio, as miragens enganosas ou reais, a falta de água (onde a presença de uma cobra pode trazer alegria por conduzir aonde tenha água), além do grande cansaço físico e vontades de desistência, tudo filmado de forma belíssima conjugando seres humanos consumidos pela dor e paisagens ora hostis, ora favoráveis) é algo que não se esquece.

“Caminho da Liberdade” não tem a força e contundência de “O Sobrevivente” de Werner Herzog, num tema correlato, com Christian Bale em mais um dos seus grandes trabalhos camaleônicos, mas é um filme estimável que se não tem a grandeza dos ápices que Peter Weir já atingiu, merece ser visto e prestigiado.

Em “Sociedade dos Poetas Mortos” o professor ensina aos alunos que poesia não se apreende cartesianamente com gráficos. Em “Caminho da Liberdade” se extrai poesia até mesmo da oportunidade de ser dono de uma faca redentora e dos embates da vida constantemente ameaçada pela morte.

3- “Chuva” (Argentina/ 2008) de Paula Hernandéz

Bastante significativo da atual parvoíce que assola a distribuição e exibição cinematográfica no Brasil, é que até mesmo o Cinema Argentino contemporâneo que tinha tido maior acolhida nos últimos anos nas telas, agora desapareceu (com raras exceções) e um filme, no mínimo tocante, como “Chuva”, demora este tempo todo para chegar e só encontra espaço na grade do Arteplex-RJ numa única sessão por dia.

Numa Buenos Aires em que chove bastante durante três dias de forma contínua, Roberto (Ernesto Altério) foge de umas pessoas e refugia-se no carro de Alma (Valeria Bertuccelli) num congestionamento. A princípio assustada como o intruso, passa até a ajudá-lo num ferimento que tem nas mãos. Os dois farão revelações mútuas paulatinas. Mas o que fica claro desde o inicio é a insatisfação em que estão com suas vidas.

O melhor momento do Cinema, que conheço, em que há um encontro temporário que merecia ser permanente, mas os personagens não conseguem quebrar seus grilhões e ter coragem suficiente para mudanças é na obra-prima “Desencanto” (1945) de David Lean ( mostrando que o mestre dos épicos não era fantástico apenas nesta seara, mas também nos dramas intimistas sem grandes ambições visuais) . Laura (Celia Johnson) e Alec (Trevor Howard) compondo o casal que poderia ter sido e não foi, formam uma das grandes histórias de amor no Cinema, em que predomina o espírito de “Noites Brancas” de Dostoiévski, filmado magnificamente por Luchino Visconti: “Não serão alguns momentos de felicidade o suficiente para iluminar toda uma vida?”

Num grau menor, com esta temática da possível efemeridade de um grande encontro, em que decisões cruciais precisam ser tomadas em pouco tempo, temos “Na Cama” e “A Vida dos Peixes” do chileno Matias Bize. “Chuva” é mais um filme desta falange, mas que não deixa de manter sua singularidade. O curioso é que os personagens protagonistas de “A Vida dos Peixes” se sentem como peixes aprisionados num aquário.Já os de “Chuva” seriam peixes tolhidos pela chuva, solidão e indiferença da cidade grande diante de seus pequenos dramas.

Numa caixa de fósforos deixada no carro, Alma descobre o hotel onde Roberto está hospedado, o que lhes proporcionarão novos encontros, mas todos eivados de desconfianças até que não mais resistam à atração mútua e escolhas fortes tenham de ser feitas.

Alma num impulso fugiu de casa e do marido, passando a morar no carro. Roberto tem mulher e filha em Madri e veio a Buenos Aires para um acerto de contas com o pai agora doente, um músico que o abandonou e à mãe quando ele tinha seis anos. Só lhe resta dar um destino aos bens paternos, incluindo um bastante simbólico piano que os carregadores num primeiro momento não conseguem carregar, deixando-o confrontar-se com o que há de mais representativo do pai, agora quando ele morre sem que tenham sequer conversado.

Unindo, contando e dividindo suas dores para as verem mitigadas, Alma e Roberto tem o incômodo da chuva que não para, por outro lado, a seu favor, pois há como que uma suspensão do tempo normal para fazê-los pensar e agir, como que num ritual de purificação, muito bem filmado por Paula Hernandéz, onde a beleza de Buenos Aires ainda fulgura mesmo embaçada pela água que cai.

Para um filme assim estruturado ser tão interessante teria de contar com ótimos atores e grandes sutilizas, o que temos de sobra em Ernesto Altério e Valeria Bertuccelli.

Se os amantes terão destinos próximos ao dos personagens dos filmes citados ou não, uma visão deste filme que cativa e se explica com paciência e flashbacks pertinentes, vai elucidar. Quem se dispuser a este passeio com os personagens vai sentir que a rigor acontece algo como num título de Bergman que não vi, mas não esqueço: Chove sobre nosso amor. Para o bem e/ou para o mal.

4- “Ato de Comunhão” de Lautaro Vila, performance e direção artística de Gilberto Gawronski, com co-direção de Warley Goulart- Galeria do Teatro Sérgio Porto-RJ

Na magnífica “Na Solidão dos Campos de Algodão” de Bernard-Marie Koltès, encenada no Sérgio Porto, Gilberto Gawronski e Ricardo Blat, em primorosos, vigorosos e exasperantes desempenhos, já tinham nos transmitido paroxismos da solidão ao darem vida a dois personagens em que há uma negociação mercantilista em jogo, mas não sabemos de quê: seria drogas, o próprio corpo, passaporte falso etc.?

Agora no monólogo do argentino Lautaro Vila temos a solidão em seu mais alto grau, escudada inicialmente no mundo virtual, com base na impressionante história verídica ( enfatizando a ideia de que a realidade pode engendrar histórias ainda mais incríveis que a mais sagaz imaginação) do engenheiro alemão Armim Meiwes, condenado à prisão perpétua por ter devorado um homem que conheceu pela Internet. Detalhe: houve consentimento por parte do ser canabalizado. Segundo conversa que tive com Gawronski após o espetáculo, ao ser colocada explicitamente a proposta na Internet apareceram 490 pessoas dispostas a serem devoradas. Uma delas foi a escolhida.

O que faz a grandeza do espetáculo é que além da poesia crua que Lautaro cria para seu texto, temos aqui um ator maduro que é Gawronski numa composição minuciosamente bem construída, em que chega em alguns momentos a silenciar, para dar vez à sua voz gravada e depois continuar o texto de um determinado ponto num mesmo tom de voz distanciado, frio, cirúrgico, de forma que ainda que se mostre uma situação de romantismo in extremis, não há fetichização laudatória ou caudatária, mas sim um espírito crítico aguçado, composto com a inclusão de interessantes projeções nas paredes, que fazem da peça, encenada numa galeria adquirir ares de uma instalação.

“Ato de Comunhão” narra momentos da infância de Armim quando ele se decepciona na perda de jogos de corrida em computador, bem como um significativo momento em que ao mesmo tempo em que vivencia o funeral de sua mãe, percebe a frieza burocrática do mundo até mesmo neste momento de grande dor. Mas aqui temos um caso em que “Freud não explica”. Estes fatos narrados que antecedem o ritual requintado de antropofagia (com direito a vinho e receita detalhada de temperos, que começou por uma filmagem do homem a ser devorado narrando sua espontânea vontade de estar ali para aquela situação para uma câmera armada, sendo seu pau, significativamente, a primeira parte de seu corpo a ser cortada), enfim, estes antecedentes expostos com incômoda força poética, não explicam este “ato de comunhão” que temos por fim.

Imagens de Francis Bacon, pintor de “pedaços de carne” e outras fantasmagorias humanas, bem como as que a internet e suas câmeras criam, são inspiradoras do cenário instalação, havendo projeções literais de quadros do artista. Um dos belos momentos da peça se dá quando uma projeção de Bacon reflete-se no rosto de Gawronki, ensanguentando-o. Mesmo com toda a elegância e sutileza com que o que poderia ter sido escabroso, mas é tornado cênico, já houve quem desmaiasse no espetáculo só pelo que ele sugere pelas falas, pois não há nada explicitado. Não estamos aqui num filme (e aqui não entra nenhum juízo de valor) de Peter Greenaway.

Para o protagonista o que fez foi um ato de generosidade, pois sua vítima desejava morrer. Não quer ser tido como insano, desejando um julgamento normal. Sabe que sua história se transformará num filme, mas quer ter ingerência no roteiro para não haver, segundo sua ótica, desvirtuamento. Não quer continuações para sua história. Não é Hanibal Lecter de “O Silêncio dos Inocentes”. Quer John Malkovich para representá-lo. O refinamento com que o canibal faz a embalagem de seus horrores é sintomático de um mundo que nos sufoca escudado friamente em teorias pretensamente bem construídas. A nós resta reagirmos ou sermos devorados.

5- “Duas Histórias” – “Um Conto Nefando?” (adaptado de um conto de Sérgio Sant’Anna) com Felipe Rocha; “Alcubierre”, texto e interpretação de Alex Cassal; direção de Felipe Rocha e Clara Kutner- Grupo Foguetes Maravilha- Teatro Sérgio Porto

Do Grupo Foguetes Maravilha já foi comentado em blog anterior o instigante “Ninguém Falou Que Seria Fácil”, então em cartaz no Teatro do Planetário-Maria Clara Machado. Agora numa ocupação do Teatro Sérgio Porto temos mais duas peças em cartaz, além desta que lhes deu maior prestígio. A anterior “Ele Precisa Começar” e uma que estreou em maio de 2011: “Duas Histórias”.

“Um Conto Nefando?” percorre os sentimentos de um jovem que com ciúmes de sua mãe que tem um namorado jovem, vai progressivamente se envolvendo com ela, numa relação incestuosa narrada com densa delicadeza, espanto e um trabalho interno posterior para que isto não se transforme numa experiência traumática. Felipe Rocha desenvolve os meandros poéticos do texto com sutileza e aproveita sua experiência na Intrépida Trupe e como dançarino para espantosas evoluções coreográficas no palco que ressaltam o estado de espírito de inquietação do personagem. A mãe, cúmplice no que seria o ato nefando só lhe pede para que goze fora.

O melindroso tema do incesto foi magnificamente trabalhado em “Sopro no Coração” de Louis Malle e em “La Luna” de Bernardo Bertolucci. Aqui pelas limitações do curto monólogo, temos mais um sopro poético do que uma noção maior de desenvolvimento. Não deixa de ter seu incômodo, mas também encantamento, por mais arriscado que seja o tema tabu.

“Albierre” com esplêndido trabalho de Alex Cassel, num cenário em que alguns dos pequenos elementos vão ganhando significado aos poucos, é centrado nas inquietações de um jovem de 12 anos que fala sobre passado, presente e futuro, primordialmente sentado numa cadeira diante de uma mesa, aonde chega a refletir até mesmo sobre jogadores de um time de Porto Alegre formados por bonequinhos. A mistura de um ar infantil com reflexões de um adulto, que se alternam, chegando até a momentos em que o jogo teatral é quebrado com referências metalinguísticas ao ambiente em que se está se dando o espetáculo, produz um alinhavamento de situações lúdicas em que é preciso perícia e talento do ator para não se perder na perda a que se propõe. Esta experiência teatral que temos em “Albierre” é radicalizada em “Ele Precisa Começar” que comentaremos adiante.

6- “Ele Precisa Começar”- texto e atuação Felipe Rocha- direção de Felipe Rocha e Alex Cassal- Grupo Foguetes Maravilha- Teatro Sérgio Porto.

Felipe Rocha faz um autor de 35 anos, fechado em um hotel que quer contar uma história ainda a ser descoberta. Sua primeira fala é bastante significativa de seu impasse criativo: Ele precisa começar. Ao mesmo tempo em que é narrado o que o autor pretenderá narrar, isto também é mostrado pela voz do autor, num jogo de entra e sai do personagem constante, em que pessoas da plateia são convidadas a participar, principalmente na representação de Fátima que insiste em entrar no hotel e vai desencadear histórias ainda mais imprevisíveis.

“Ele Precisa Começar” é um ensaio aberto de dramaturgia, mas ao mesmo tempo tem seu rigor interno, pois caso contrário Felipe Rocha se perderia em sua proposta. Há momentos em que comenta como a dramaturgia contemporânea tem seus truques, em outros explica como quem quiser ir embora por não estar gostando do espetáculo pode sair do teatro, desde que os outros não o censurem. Só que ao sair do teatro encontrará o autor e Fátima e a história tomará outro rumo imprevisível.

O jogo de ficção e realidade (a pessoas da plateia é pedido que em dado momento cubram os personagens com um lençol, o qual servirá depois para um exame proctológico que faz parte de uma maratona a procura de uma história que a alinhave) é constante, havendo aqui também a realidade na ficção.

Como em “Ninguém Falou que Seria Fácil” e “Uma História Nefanda?”, Felipe Rocha além de uma interpretação bastante delicada onde os momentos de explosão como o que tem com a “burrice” do corretor automático do Word são potencializados, se vale um precioso trabalho corporal com evoluções rápidas no palco que ampliam a angústia criativa do autor à procura de histórias.

Numa matéria de capa do Segundo Caderno de O Globo de 17 de maio último, o dramaturgo e diretor Roberto Alvim, em cartaz no Rio de Janeiro com “45 Minutos”, monólogo com Caco Ciocler e em São Paulo com “Pinokio”, comenta a necessidade de se ter uma nova dramaturgia que capte as grandes transformações rápidas por que é perpassada a contemporaneidade. Em nome deste ideal, cai em exageros como afirmar que Shakespeare ou um Tennessee Williams, por exemplo, não dariam conta mais dos problemas contemporâneos, o que subestima bastante o que estes autores como tantos outros captaram da condição humana, da luta pelo poder e seus estratagemas, da solidão inerradicável do ser humano etc. e a transformaram em clássicos, que comentam qualquer época em que vivamos.

De qualquer modo, quem estiver com esta ânsia de contemporaneidade, mas sem afetação no discurso teórico, não perca os trabalhos do Foguetes Maravilha que ficam no Sérgio Porto até dia 29, sendo quinta próxima o último dia de “Duas Histórias”, de sexta a domingo as encenações finais de “Ninguém Disse que Seria Fácil” e domingo a última de “Ele Precisa Começar”. Não representam a forma de dramaturgia a ser seguida, algo paradigmático a captar nossas atuais confusões existenciais, mas uma forma de dramaturgia aliciante e que arrebata para quem se dispuser a entrar nos jogos cênicos plenos de criatividade e élan vital.

7- Um Tanto de MPB

7.1- “Peixes Pássaros Pessoas” de Mariana Aydar

A avalanche de novas cantoras que tem surgido na MPB contemporânea é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo em que atesta a sua vigorosa vitalidade, cria uma dispersão muito grande que acredito nem críticos musicais que estejam recebendo os CDs com regularidade, estejam com tempo suficiente para uma avaliação mais consequente, pois a música, mais até que outras formas de arte, exige várias audições para ser plenamente fruída. Assim se dissermos a alguém que precisa ouvir com urgência, por exemplo “10 cantoras novas aqui”, ele pode nos perguntar se já ouvimos ’10 cantoras novas ali”.

A falência das gravadoras e o salve-se quem puder dos downlouds grátis aumenta ainda mais a confusão. Sou tanto a favor que se reveja e analise melhor o potencial do Creative Commons, como de um controle pelo MINC do ECAD, de cabo a rabo, pois não é de hoje apenas que artistas se sentem lesados pelo órgão. Agora, cabe à classe artística se organizar bastante, discutir bem o que quer, os meios disponíveis. Enfim se politizar mais. Na ditadura militar “o inimigo” era claro e óbvio. Os artistas fizeram bem a sua parte para detoná-la. Agora há que se dar mais tratos à bola para saber melhor o que querer, fazer e reivindicar. Em boa hora a Ministra Ana de Hollanda colocou estas questões para discussões. Mas e se Juca Ferreira tivesse continuado no cargo, tudo continuaria como antes? Já estava tudo resolvido em termos de direitos autorais na Era Lula de 8 anos? Onde esteve a classe artística que agora apoia Ana, neste tempo todo do governo passado? Tinham se conformado em perder direitos autorais? Quanta alienação e despolitização! Muitos artistas assinaram manifestos para a candidatura Dilma e outros foram ao Teatro Oi Casa Grande para prestar solidariedade a esta campanha. E no entanto no que diz respeito a algo básico que é a sobrevivência ( “Não me peçam para dar de graça, a única coisa que tenho a vender”- disse Cacilda Becker) estava muito mal resolvido, sem maiores reações. Estas chegam agora a reboque da ousadia de Ana de Hollanda.Algo que não se previa. O que se esperava era a continuidade, “lenta e gradual”.

Maria Gadú é grande compositora, cantora e intérprete de músicas alheias. Seus trabalhos até aqui tem mostrado isto. Mas por que, dentre tantas outras grandes cantoras ela foi eleita pelo público para ter sua carreira rapidamente alavancada desde um show que começou timidamente no Cinematéque de Botafogo? Será por seu visual moleque que supre, em parte, a saudade de Cássia Eller? Será por sua bela voz que remete um pouco a Marisa Monte que resolveu levar a carreira em fogo brando enquanto curte mais os filhos que teve crescerem? Enfim, no fundo é um mistério.

Na enxurrada de cantoras que neste caso, por indicação de O Globo, chegou às minhas mãos, está o trabalho extraordinário da não menos extraordinária Mariana Aydar, condensado no CD “Peixes Pássaros Pessoas” ( 2009), num formidável repertório de inéditas em que se destaca Duani, dentre Kavita, Nuno Ramos e outros. Aguardei o maior sucesso depois. E , a rigor, pouco aconteceu. Pelo menos que fosse à sua altura. Nunca consegui ver show dela no Rio de Janeiro. Ela ficou como um peixe mergulhado neste mar de cantoras que surgem a todo o momento. E merece muito mais do que isto, pois tem tanto domínio para os grandes sambas como para criações arrojadas como a faixa “Peixes” de Nenung, onde a fragilidade da condição humana é exposta com candente crueza e um desfecho que arrepia ainda mais.

Mariana Aydar se sente como quem fez o CD que quis, com grandes músicos, onde também se destaca Duani, em vários instrumentos. Um samba interpretado junto a Zeca Pagodinho (“O Samba Me Persegue”) é irresistível, pois aqui ela entra na seara dele e leva toda sua sofisticação à espontaneidade cativante de Zeca.

A poética singular que as letras nos trazem não é menos admirável:

“Cesso este tormento/ E enxugo todo o seu pranto/ Com a força e o sentimento/ Que carrego no meu canto”; “Eu me entendo escrevendo/ E vejo tudo sem vaidade/ Só tem eu e este branco/ Ele me mostra o que eu não sei”;”É nosso sol/ É nosso ardor/ É nosso tanto de calor/ Que vem, que vai/ Inunda o céu de cor”; Tu já é de casa/ Te conheço a tanto tempo/ Sei de tudo/ Leio até teus pensamentos”; “Fui viajar/ Pra ver o sol morrendo no mar”; “Eu abri meu salão/ Pra estas folhas secas do chão/ E deixei todo o vento entrar/ Saía do meu pulmão”; “Peixes, Pássaros, Pessoas/ Nos aquários, nas gaiolas/ Pelas salas e sacadas/ Afogados no destino/ De morrer como decoração das casas”; “Não vê que eu/ Nasci aqui/ Da minha voz?/ De todos nós/ E todos nós/ Do mesmo pó das estrelas”; “Vivendo a liberdade/ Atrás de muros cercados na solidão/ Sem falar que isto é para poucos/ Pois a maioria não tem opção”; “Já cantei em francês, fiz som moderninho/ Mas volto pro mesmo lugar/ O samba me persegue/ E eu não vou negar”;”Teu amor é pouco/ E eu preciso mais/ Me cansei,não volto atrás/ Se é por falta de adeus/ Já pode ir em paz”; “Pega o que trago no bolso/ Notas, poeira. tabaco/ Nem mesmo sei o endereço do seu número novo/ Eu te dou esta poeira, esse vácuo”

Esta mostra destacada nem sempre é a mais interessante das letras. Há outras, mas são bem longas. Ficam para quem quiser ouvir a voz singular de Mariana Aydar, um peixe saboroso que merece ser degustado em meio a este mar revolto, estimulante, inevitável e bem vindo, mas que pode trazer confusões e indiferenças. Não há bônus sem ônus na vida.

7.2 “Dois de Fevereiro”- Mateus Sartori interpreta Dorival Caymmi

Ao contrário do que deveria acontecer com outros grandes compositores brasileiros, Dorival Caymmi tem inúmeros trabalhos dedicados só a sua obra, desde um show inesquecível de Mônica Salmaso que merecia ser transformado em CD, passando por “Gal Canta Caymmi”, “Mar de Algodão” de Olivia Hime e trabalhos de Nanna Caymmi e irmãos. Pensando bem: não são tantos assim; Caymmi merece bem mais.

Um tributo pouco comentado e desconhecido é o de Mateus Sartori em “Dois de Fevereiro”, com sua voz potente, quente e belíssima, na contra-corrente do que se convencionou chamar o estilo João Gilberto ( nada contra isto, mas tudo contra hegemonias redutoras). Em “ O Quilombo” de seu CD “Todos os Cantos” há um dueto dele com Renato Braz , com ambos impecáveis, sem desnível.

Caymmi é um compositor único da MPB. A ele só Noel Rosa lhe pode “fazer sombra”, se que pode. Mas enquanto Noel descuidou-se da vida, morrendo cedo, por não ouvir conselhos médicos, compondo sem parar de uma forma auto-destrutiva, Caymmi como se não bastasse a grandeza da obra em que tudo que fez é um clássico, soube bem aproveitar a vida e não teve pressa para fazer suas músicas. Levou anos para considerar acabada “Sargaço Mar”. Quanto a terminou nos legou mais uma obra-prima. Mateus Sartori a interpreta com grande emoção (com alías em todo o CD) que não deixa nada a dever a outras gravações, no melhor estilo “solto a voz nas estradas/já não posso parar”, sem receio de se aproximar do excesso mas ( como nas outras faixas que cobrem fases diferenciadas de Caymmi) jamais soando over, apenas mostrando a bela voz e a extensão que tem, o que pode soar antiquado a alguns ouvidos modernos fanáticos pelo cool , que se esquecem que assim como as canções, os artistas devem se abrir às maiores diversidades, que é o que realmente faz a riqueza da MPB. Há lugar para Fernanda Takai com sua delicada e tênue voz homenageando Nara Leão, como para Mateus mostrar a grandeza de Caymmi, com voz poderosa. Dizem que o melhor intérprete de Caymmi é ele próprio. Mas esta é uma grande lacuna minha. Conheço pouco Caymmi cantor. Mas de qualquer modo, Mateus Sartori faz uma homenagem ao mestre, neste CD de 2007, que veio para ficar.

Para quem ainda não abdicou de admirar o trabalho gráfico de um CD, o projeto neste sentido de Mateus é primoroso e as fotos de Jorge Beraldo criam um ótimo clima possível para a obra de Caymmi. Para alguns pode soar como obviedades candomblecistas, mas é bom lembrar que uma coisa é ter uma proposta como “Cidade Baixa” de Sérgio Machado (mostrar uma Bahia desconhecida), outra é se dispor a “ilustrar” Caymmi.

Como de hábito, destaco versos de Caymmi, para ressaltar que além de grande melodista, ele também era um grande poeta de simplicidade desconcertante.

“Acaçá de milho bem feito/ E o jeito?/ E o modo dela mercar?/ Sorrindo com dentes alvos/ A bata caindo do ombro/ Caindo pro peito”; “Rosa Morena/ Onde vais morena Rosa/ Com essa rosa no cabelo/ E esse andar de moça prosa/ Morena, morena Rosa”; Quando chegar seu dia/ Pescador “véio” promete/ Pescador vai lhe levá / Um presente bem bonito/ Para Dona Yemanjá”; “Os clarins da banda militar/ Tocam para anunciar: / Sua Dora, agora vai passar!/ Venham ver o que é bom!”; “Aqui o teu corpo nos meus braços/ Nossos passos pela estrada/ Nossos beijos pela noite./ E a lua, pelos campos, minha amada/ Pelos bosques, pelas águas/ Acompanha o nosso amor”; “Doralice, eu bem que lhe disse/ Amar é tolice, é bobagem, ilusão/ Eu prefiro viver tão sozinho/ Ao som do lamento do meu violão”; “A onda do mar leva/ A onda do mar traz/ Quem vem pra beira da praia, meu bem/ Não volta nunca mais”; “A jangada saiu com Chico Ferreira e Bento/ A jangada voltou só/ Com certeza foi lá fora, algum pé de vento/ A jangada voltou só”; “Sargaço mar, sargaço ar/ Deusa do amor, Deusa do mar/ Vou me atirar, beber o mar/ Alucinado, desesperar/ Querer morrer para viver/ Com Yemanjá”; “Quem não gosta de samba, bom sujeito não é/ Ou é ruim da cabeça, ou é doente do pé”; “Ah, insensato coração/ Porque me fizeste sofrer/ Porque de amor para entender/ É preciso amar, porque”;”O presente que eu mandei pra ela/ De cravos e rosas vingou/Chegou, chegou, chegou/ Afinal o dia dela chegou”;”Valerá a pena viver sem você?/ Para que passar a vida sem carinho/ Quando alguém amar você sinceramente/ Seguirá o seu caminho indiferente”; “Tudo tudo na Bahia/ Faz a gente querer bem/ A Bahia tem um jeito/ Que nenhuma terra tem”.

Pode e deve haver outros tributos à obra imensa (em todos os sentidos) de Dorival Caymmi. O de Mateus Sartori não é inexcedível. Sempre pode haver superações. Mas é certamente inesquecível e indispensável. Bem como acompanhar novos trabalhos deste grande cantor, neste país em que se diz que novos grandes cantores não aparecem mais. Só cantoras. Desinformação.

Ps. Mateus nasceu em Franca, interior de São Paulo e aos 14 anos foi morar em Mogi das Cruzes (SP). Participou do projeto Barroco (2009)-Proj. Vila de Sant´anna, com músicas só de compositores de Mogi. Detalhe: é a cidade onde nasci, de onde guardo relações de amor e ódio...Mas esta é outra história, uma música em que ora desafino, ora canto bem.Depende do meu estado de espírito. (http://www.mateussartori.com.br/br/biografia.php )

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Nelson Rodrigues de Souza

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