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Nelson
REPORTER DO GLOBO RELATA BULLYING HOMOFÓBICO QUE VEM SOFRENDO
O Medo de Ser
Por Jefferson Lessa
Na semana em que a Argentina aprova o casamento gay, peço licença para relatar uma historinha banal. Moro num bairro aprazível e "tranquilo", sonho de consumo de dez entre dez cariocas. Dos que não vivem lá, obviamente. "A grama do vizinho...". Pois é. De um tempo para cá, por motivos que me são alheios, alguns playboys deram de gritar "veaaaaaado!!!"
quando me veem na rua. Outro dia, derrubaram minha pasta no chão. Numa noite anterior, rolou um inesperado banho de uísque com Redbull no casaco novo... Depois disso, a calçada ficou mais longa que uma maratona. Chegar à varanda torna-se uma decisão pesada, difícil de tomar. A pasta, o cheiro do uísque com Redbull... Difícil. Como vocês podem ver, trata-se de uma história de bullying, a palavra do momento. Seria só mais uma, não fosse o caso de atingir um certo cara no auge da meia-idade. Eu.
Nunca havia passado por isso antes. E não pretendia experimentar agora. Mas aconteceu - fazer o quê? Penso em várias "soluções". A mais radical é mudar de bairro. Deixar para trás uma casa que adoro e que montei aos poucos, no ritmo que o salário aguado permitiu. Deixar para trás, também, um prédio no qual fiz amigos. É uma "solução" penosa e triste, creio. Faz com que eu me sinta covarde, pequeno, sujo, miserável. Sem falar no trampo, né? Mudança, segundo pesquisas, é uma das situações que mais geram estresse na vida. As outras são separação, morte... Mudança é um pouco separação e morte.
A outra "solução" é sugerida por amigos, que perguntam: Por que você não denuncia? Por que não procura a polícia?" Simplesmente porque não vivo dentro de um episódio de "Law & order: Special Victims Unit", a genial série americana que ficcionaliza o cotidiano da unidade de elite da polícia novaiorquina especializada na investigação de crimes de natureza sexual. Se eu tivesse a certeza de que meu "caso" seria tratado pelos detetives Stabler e Benson, correria para a delegacia mais próxima. Na maior confiança. Como todos sabemos, não é bem o caso por aqui.
E também posso fazer o que estou fazendo neste instante: expor meu pequeno drama (que, convenhamos, não interessa a quase ninguém) nas páginas de um grande jornal como este O GLOBO. Vai ter gente se identificando, é claro. Vai ter gente criticando a superficialidade do texto (provavelmente, com razão: sou meio raso mesmo). Vai haver quem elogie a coragem do repórter, bem como quem o ache um rematado covarde. Sinceramente, leitor, sua opinião me importa. Mas pouco muda. Desculpe qualquer coisa, tá? É que na hora de voltar para casa, não vai ter detetive Benson nem Stabler, amigos, leitores ou páginas para segurar a barra. A mim, restará torcer, solo, para não encontrar os pequenos e medíocres algozes do dia a dia. Em encontrando, restará torcer para que não estejam muito bêbados ou alterados, pois isso conta - e muito - nessas horas.
O cotidiano pode se dividir entre poder ou não ser você mesmo na rua, no ônibus, no boteco... Mas convenhamos: isso ainda não é tão possível no balneário de São Sebastião. Somos toscos, mal educados, infantis e preconceituosos. Friendly my ass, isso sim. Ih, falei.
Eis a história - até agora. As cenas dos próximos capítulos? Não sei o que esperar desta trama triste. Mas sei o que não esperar no curto prazo: civilidade. E aqui me permito repetir uma obviedade: civilidade não se compra no supermercado ou na quitanda. Se constrói. Ao longo de muito tempo. E é aqui que penso numa notícia da última semana: a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo na Argentina.
Não sei se a notícia foi realmente bem-vinda ou se mereceu um tratamento tão retumbante por ser muito surpreendente. Mas o fato de a Argentina ter se tornado o primeiro país da América Latina e do Caribe a aceitar o chamado casamento gay mereceu amplíssima cobertura da imprensa brasuca. Nas páginas e nas telas, parece algo de muito bom, apesar dos protestos dos usual suspects (Igreja católica, círculos conservadores, arautos da família etc). Ouso pensar que se a notícia tivesse vindo de outro país que não nosso arquirrival, teria sido ainda mais celebrada. É de bom tom na imprensa alardear correção política, mesmo quando o coração se inclina na direção oposta.
Fiel à rivalidade, não consigo parar de comparar, mentalmente, Brasil e o país hermano (que as piadinhas já transformaram em hermana). Mas quando digo país, leia-se cidade. É isso: não consigo parar de comparar mentalmente o Rio, onde sempre vivi, e Buenos Aires, ciudad que conheci ainda criança e à qual já voltei várias vezes. E acho que, no quesito friendly, BsAs ganha de longe, muito longe, do Rio.
Aqui, cabe esclarecer. Grandes questões como direito a adoção de crianças e a herança do(a) companheiro(a) são fundamentais, é óbvio. Palmas para os países que já garantiram tudo isso a seus gays, lésbicas, transgêneros, simpatizantes e quem mais chegar. Mas, em minha humílima opinião, é o dia a dia que conta. É do cotidiano que a vida é feita. Do dia de sol ou chuva, do ônibus que chega na hora ou não, que para ou não no ponto... Do chefe que te saúda ou não no trabalho, do colega que te dá uma força ou puxa o teu tapete, do amigo que te liga no momento certo. Da flanada prazerosa pela tua cidade, sem medo de pitboys e pitbulls. Ou não.
Aqui, volto à Argentina. Foi corajosa a aprovação do chamado casamento gay naquele país. Cheio de inveja, deixo meus parabéns. Não sou idiota a ponto de acreditar que uma lei acabe, magicamente, com pré-conceitos acumulados ao longo de séculos e cevados à base de ódio à diferença. Mas é um primeiro passo para uma rotina mais amena no futuro.
Quando é que vamos dar este passo? Hein?
* Texto publicado este domingo, 18 de julho de 2010 na seção LOGO/A Página Móvel, que saiu na editoria RIO
http://3.bp.blogspot.com/_pq44NvNXK8k/TAsQa8qa0II/AAAAAAAAAWI/jcmCL5-4o3o/s400/medo.jpg
http://scienceblogs.com.br/eccemedicus/medo2.jpg
http://www.emdiacomacidadania.com.br/blog/md/arcoiris_1197529506.patbreana.flickr.2007.jpg
Transcrição:
Nelson Rodrigues de Souza
Recebi este email de grupo GLBT yahoo do qual participo. Vale a pena reproduzir aqui.
ResponderExcluir20/07/2010
É hora de por estas mortes na conta do Congresso Nacional.
De:Joo Silva
Homofobia. Crime de ódio com 5 gays mortos no Rio no intervalo de uma semana.
É hora de por estas mortes na conta do Congresso Nacional.
Uma nação que não trata suas minorias com eqüidade desrespeita os direitos
humanos essenciais.
O direito a viver com segurança é um direito humano essencial. O Congresso
Nacional dorme sobre os cadáveres de gays assassinados por ódio.
Um Congresso Nacional covarde e preconceituoso não reflete a necessidade de uma
nação plural como a brasileira.
Repito: o Congresso Nacional dorme sobre cadáveres de gays assassinados por
ódio. O direito a viver com segurança é um direito humano essencial. É mais do
que na hora de colocarmos na conta dos nosso parlamentares a culpa pelas mortes
de tantos cidadãos brasileiros por conta de um legislativo que se exime do dever
de proteger as minoria com eqüidade preconizada pela Declaração Universal dos
Direitos Humanos e pela nossa Constituição Federal de 1988.
João Silva
Excelente o Editorial da Folha de São Paulo de 19 de julho que mostro adiante.
ResponderExcluirNelson
Casamento gay
Não foi das mais tranquilas a aprovação, pelo Senado argentino, da mudança
no Código Civil que autoriza a realização do casamento entre homossexuais.
Um dia antes da votação, estimava-se informalmente que 31 senadores
defenderiam a medida, contra igual número de refratários à inovação. O
resultado, após 14 horas de debate, foi de 33 votos a favor, 27 contra e
três abstenções.
Manifestações de apoio e de repúdio se alternaram em Buenos Aires; o debate
ganhou notas enfáticas quando o arcebispo da capital, cardeal Jorge
Bergoglio, advertiu que não estava em jogo "um mero projeto legislativo, e
sim uma jogada do Pai da Mentira para confundir e enganar os filhos de
Deus". Ao que a presidente Cristina Kirchner reagiu, dizendo que a frase
"lembrava realmente os tempos da Inquisição".
De uma perspectiva leiga, parecem sem dúvida exageradas as reações a um
ordenamento de relações humanas que se localiza estritamente na ordem da
vida privada, e que busca apenas no reconhecimento por parte do Estado, e
não de uma instituição religiosa, a solução para uma série de problemas.
Questões de herança e planos de saúde, por exemplo, afetam o cotidiano de
uma parcela ainda sujeita a formas odiosas de discriminação. Menos do que se
contrapor ao casamento gay, parece ser na verdade contra o próprio
homossexualismo que se insurgem os mais exaltados.
A Argentina consegue superar, assim, uma forma de discriminação, ou no
mínimo um tabu, que ainda persiste em muitos países democráticos. Entre
eles, como se sabe, o Brasil -onde nem sequer a ideia de uma união civil
homossexual consegue vencer os temores e o conformismo da maioria das
lideranças políticas.
Curiosamente, países onde se imagina ser mais forte do que aqui a influência
do clero -como Portugal, Espanha e a própria Argentina- foram mais rápidos
em aprovar o casamento homossexual do que uma nação supostamente liberal em
termos de costumes, como o Brasil.
O elogio da informalidade, a indiferença pelas formas jurídicas, tantas
vezes presentes nos discursos apologéticos sobre o país, esconde aqui um
lastro de timidez e subserviência ao preconceito que cobra, de muitos casais
de homens e mulheres, o preço de dificuldades na vida prática e de uma
semiclandestinidade no mundo legal sem nenhuma justificativa, exceto o
obscurantismo religioso.
Casamento gay-Folha de São Paulo,19/06/2010-Editorial
ResponderExcluirNão foi das mais tranquilas a aprovação, pelo Senado argentino, da mudança
no Código Civil que autoriza a realização do casamento entre homossexuais.
Um dia antes da votação, estimava-se informalmente que 31 senadores
defenderiam a medida, contra igual número de refratários à inovação. O
resultado, após 14 horas de debate, foi de 33 votos a favor, 27 contra e
três abstenções.
Manifestações de apoio e de repúdio se alternaram em Buenos Aires; o debate
ganhou notas enfáticas quando o arcebispo da capital, cardeal Jorge
Bergoglio, advertiu que não estava em jogo "um mero projeto legislativo, e
sim uma jogada do Pai da Mentira para confundir e enganar os filhos de
Deus". Ao que a presidente Cristina Kirchner reagiu, dizendo que a frase
"lembrava realmente os tempos da Inquisição".
De uma perspectiva leiga, parecem sem dúvida exageradas as reações a um
ordenamento de relações humanas que se localiza estritamente na ordem da
vida privada, e que busca apenas no reconhecimento por parte do Estado, e
não de uma instituição religiosa, a solução para uma série de problemas.
Questões de herança e planos de saúde, por exemplo, afetam o cotidiano de
uma parcela ainda sujeita a formas odiosas de discriminação. Menos do que se
contrapor ao casamento gay, parece ser na verdade contra o próprio
homossexualismo que se insurgem os mais exaltados.
A Argentina consegue superar, assim, uma forma de discriminação, ou no
mínimo um tabu, que ainda persiste em muitos países democráticos. Entre
eles, como se sabe, o Brasil -onde nem sequer a ideia de uma união civil
homossexual consegue vencer os temores e o conformismo da maioria das
lideranças políticas.
Curiosamente, países onde se imagina ser mais forte do que aqui a influência
do clero -como Portugal, Espanha e a própria Argentina- foram mais rápidos
em aprovar o casamento homossexual do que uma nação supostamente liberal em
termos de costumes, como o Brasil.
O elogio da informalidade, a indiferença pelas formas jurídicas, tantas
vezes presentes nos discursos apologéticos sobre o país, esconde aqui um
lastro de timidez e subserviência ao preconceito que cobra, de muitos casais
de homens e mulheres, o preço de dificuldades na vida prática e de uma
semiclandestinidade no mundo legal sem nenhuma justificativa, exceto o
obscurantismo religioso.
Reproduzo o excelente editorial publicado pela Folha de São Paulo,19/07/2010
ResponderExcluirNelson
Casamento gay
Não foi das mais tranquilas a aprovação, pelo Senado argentino, da mudança
no Código Civil que autoriza a realização do casamento entre homossexuais.
Um dia antes da votação, estimava-se informalmente que 31 senadores
defenderiam a medida, contra igual número de refratários à inovação. O
resultado, após 14 horas de debate, foi de 33 votos a favor, 27 contra e
três abstenções.
Manifestações de apoio e de repúdio se alternaram em Buenos Aires; o debate
ganhou notas enfáticas quando o arcebispo da capital, cardeal Jorge
Bergoglio, advertiu que não estava em jogo "um mero projeto legislativo, e
sim uma jogada do Pai da Mentira para confundir e enganar os filhos de
Deus". Ao que a presidente Cristina Kirchner reagiu, dizendo que a frase
"lembrava realmente os tempos da Inquisição".
De uma perspectiva leiga, parecem sem dúvida exageradas as reações a um
ordenamento de relações humanas que se localiza estritamente na ordem da
vida privada, e que busca apenas no reconhecimento por parte do Estado, e
não de uma instituição religiosa, a solução para uma série de problemas.
Questões de herança e planos de saúde, por exemplo, afetam o cotidiano de
uma parcela ainda sujeita a formas odiosas de discriminação. Menos do que se
contrapor ao casamento gay, parece ser na verdade contra o próprio
homossexualismo que se insurgem os mais exaltados. Continua
Casamento Gay-continuação
ResponderExcluirA Argentina consegue superar, assim, uma forma de discriminação, ou no
mínimo um tabu, que ainda persiste em muitos países democráticos. Entre
eles, como se sabe, o Brasil -onde nem sequer a ideia de uma união civil
homossexual consegue vencer os temores e o conformismo da maioria das
lideranças políticas.
Curiosamente, países onde se imagina ser mais forte do que aqui a influência
do clero -como Portugal, Espanha e a própria Argentina- foram mais rápidos
em aprovar o casamento homossexual do que uma nação supostamente liberal em
termos de costumes, como o Brasil.
O elogio da informalidade, a indiferença pelas formas jurídicas, tantas
vezes presentes nos discursos apologéticos sobre o país, esconde aqui um
lastro de timidez e subserviência ao preconceito que cobra, de muitos casais
de homens e mulheres, o preço de dificuldades na vida prática e de uma
semiclandestinidade no mundo legal sem nenhuma justificativa, exceto o
obscurantismo religioso.